CONTRIBUIÇÕES DE CIENTISTAS E INVENTORES NEGROS PARA AS CIÊNCIAS NATURAIS: UMA ALTERNATIVA PARA ABORDAR RELAÇÕES RACIAIS EM AULAS DE QUÍMICA

ISBN 978-85-85905-19-4

Área

Ensino de Química

Autores

Leão, M.F. (IFMT E UFRGS) ; Souza, J.P. (IFMT) ; Maia, G.A.M. (IFMT) ; Souza, C.F. (IFMT)

Resumo

Este estudo descreve os cientistas e inventores negros que deixaram contribuições significativas para as Ciências Naturais, em especial para a Química. Seu desenvolvimento ocorreu em 2016, com 12 estudantes do 3º Semestre do Curso de Licenciatura em Ciências da Natureza – Química, ofertado pelo IFMT Campus Confresa/MT. Durante as aulas da disciplina de Projeto Integrador de Práticas Educativas III, foi solicitada a realização de uma pesquisa sobre cientistas ou inventores negros que contribuíram com as Ciências. No dia agendado, ocorreu a socialização das pesquisas, momento em que cada estudante apresentou um pequeno histórico sobre o cientista, explicou o funcionamento de seu invento e o potencial educativo para aulas de química.Ao todo foram 12 cientistas/inventos estudados na atividade.

Palavras chaves

Diversidade; Relações raciais; Ensino de Química

Introdução

Vivemos em um país onde a formação cultural, étnica e social estabeleceu-se entre os povos indígenas nativos, brancos europeus e negros africanos trazidos para o Brasil (RIBEIRO, 1995). Mesmo com todas as contribuições deixadas por estes povos, e sendo eles os legítimos responsáveis pelo desenvolvimento cultural da nação, construiu-se, pela classe branca dominante, um ideário que vincula o povo negro e indígena como um grande problema social, atrelando aos negros a inferioridade no desenvolvimento intelectual e aos índios o aspecto selvagem no comportamento que os torna antissociais.São vários os aspectos históricos ocorridos na formação da sociedade brasileira que levaram a criação deste imaginário social negativo sobre a população negra, e o agravante deste fato é que a escola foi utilizada como veículo para difundir esse imaginário. O pensamento social do país e a construção do racismo, segundo Müller (2010), são evidenciados pelas elites que se sentiam ameaçadas com a heterogeneidade cultural. Neste contexto, surge então a hierarquização racial que atribui ao branco o papel de civilizador, cujo objetivo é aperfeiçoar o índio e o negro considerados responsáveis pelo atraso do progresso intelectual. A solução para o "problema social" brasileiro seria o branqueamento que viria através da imigração de europeus e da miscigenação destes com o povo brasileiro. Na educação é onde se encontram as maiores disparidades. Segundo o último Censo (IBGE, 2010), pretos e pardos apresentam distorção (defasagem) idade- série, devido ao alto grau de abandono dos estudos, conhecida como evasão escolar, e também pelos índices de reprovação elevados. Legalmente a escola deve oferecer iguais condições de acesso e permanências, mas as questões sociais pesam negativamente para o sucesso de negros e índios. Muitas vezes esses grupos necessitam trabalhar e assumir responsabilidades familiares precocemente, sem contar que estes não se reconhecem na escola devido ao fato de ser a escola um lugar de brancos.Frente a essa problemática, segundo Paulo (2011), o currículo escolar deve estabelecer diálogo entre passado, presente e futuro, pois o retorno ao passado oferecerá recursos históricos para construir uma identidade positiva e emancipadora, também se faz necessário discuti-lo no presente, pois exige diagnosticar os desejos e exige compromisso e vontade de mudança para que o futuro seja agradável. Para Silva Filho (2010), é necessário resgatar a história da sociedade e reconhecer a contribuição dos diferentes povos para a construção do país, sendo que uma das formas legítimas de se fazer isto é dar visibilidade às trajetórias, contribuições e heranças culturais dos mesmos. Segundo Müller (2010), evidenciar a contribuição africana no desenvolvimento econômico e na construção das riquezas do Brasil através do trabalho ajuda a desmistificar a visão estereotipada e erotizada do negro, imbuída no imaginário social, como sendo este bom de cama, bola e samba. Segundo estudos de Silva Filho (2010), hoje são listadas como heranças culturais africanas geralmente o samba, como música e dança; a capoeira como arte marcial; o candomblé como religião; a feijoada e outras comidas baianas como culinária. Na verdade, a contribuição dos negros é muito maior, não só para a cultura, mas para o desenvolvimento da ciência e da qualidade de vida das pessoas. Pensando dessa forma, o presente estudo tem por objetivo evidenciar alguns cientistas e inventores negros que contribuíram com as Ciências Naturais, em especial para a Química. Este estudo está ligado à necessidade da formação de educadores neste tema, conforme constatada após os estudos e as discussões em torno das questões raciais realizadas durante o Curso de Especialização “Relações Raciais e Educação na Sociedade Brasileira”, promovido pelo NEPRE- IE/UFMT-UAB/SECAD. São diversos os motivos que estimularam a pesquisa. Um deles diz respeito à necessidade de discutir e repensar como se estabelecem as relações raciais no ambiente escolar, bem como a execução de estratégias antirracistas. Justifica-se ainda o desenvolvimento do estudo, por esta pesquisa atender ao requerido pela Lei 10.639/2003.

Material e métodos

O presente estudo caracteriza-se como relato de experiência, de natureza descritiva e exploratória, cuja abordagem é qualitativa. Segundo Medeiros (1997), o relato de experiência é definido como a descrição dos resultados de pesquisa que não segue um rigor extremamente formal na apresentação dos resultados. Seu caráter mais informal possibilita utilizar no texto uma linguagem que dá, muitas vezes, mais vida e significado para leitura do que a utilizada num texto puramente analítico. Para Neves (1996, p.2), “os métodos qualitativos trazem como contribuição ao trabalho de pesquisa uma mistura de procedimentos de cunho racional e intuitivo capazes de contribuir para a melhor compreensão dos fenômenos.” Essa metodologia busca visualizar o contexto, integrando, quando possível, de forma empática, o processo/objeto de estudo, implicando para uma melhor compreensão do fenômeno. Esse estudo ocorreu no 1º semestre do ano letivo de 2016, com estudantes do 3º Semestre do Curso de Licenciatura em Ciências da Natureza – habilitação em Química, ofertado pelo IFMT Campus Confresa/MT. O público envolvido é constituído por 12 estudantes da disciplina de Projeto Integrador de Práticas Educativas III, devidamente matriculados e frequentes. Essa disciplina tem como objetivo refletir sobre os elementos que caracterizam a formação cultural brasileira, bem como desenvolver a visão crítica em relação às singularidades relativas aos elementos culturais dos povos afro-brasileiros e indígenas, bem como desenvolver estratégias para a aplicação das leis 10639 e 11645 no ensino de ciências. Foi solicitada a realização de uma pesquisa sobre um(a) cientista ou inventor(a) negro(a) que contribuiu com as Ciências. No dia agendado, ocorreu a socialização dos resultados obtidos, momento em que cada estudante apresentou um pequeno histórico sobre o cientista, explicou o funcionamento de seu invento e o potencial educativo a ser explorados em aulas de química. Após a socialização dos resultados de suas pesquisas, os estudantes debatiam sobre essas contribuições e o professor também interagia de maneira que as informações apresentadas tivessem relação com o ensino de ciências.

Resultado e discussão

A socialização ocorreu por meio de seminários, com finalidade de conhecer homens e mulheres negros que estão por trás de invenções importantes na história da humanidade. Foram 12 os cientistas e inventores negros apresentados, um por cada estudante. Segue o breve histórico da pessoa, seu invento com as características e/ou explicação de funcionamento e o potencial educativo para ser explorado em aulas de química. Madame C. J. Walker (1867-1919): Seu nome verdadeiro era Sarah Breedlove, ao se casar com Charles Joseph Walker, um vendedor de publicidade de jornal. Com esse casamento, ela ficou conhecida como Madame C. J. Walker. Tornou-se uma das mulheres mais ricas, afro-americanas de seu país. Walker fez sua fortuna por meio do desenvolvimento e comercialização de uma linha de beleza e produtos de cabelo para as mulheres negras. Potencial a ser explorado: Produtos de beleza, essência nos vegetais, cosméticos. Percy Lavon Julian (1899 - 1975): foi um químico e pesquisador um pioneiro na síntese química de medicamentos a partir de plantas. Abriu o caminho para o desenvolvimento do tratamento do mal de Alzheimer e do glaucoma com seus experimentos, em 1933. “Sua investigação na síntese da fisostigmina (retirada do feijão do Calabar), uma droga para tratar o glaucoma, melhora a memória dos pacientes do mal de Alzheimer e serve como antídoto do gás Sarin”. Potencial a ser explorado: Espécies de plantas medicinais, sintetização de hormônios, síndrome/doenças patológicas, medicamentos sintetizados e naturais. Lewis Howard Latimer (1848 - 1928) foi um inventor e desenhista, em 1881 inventou o filamento de dentro da lâmpada elétrica. Ele serviu na Marinha dos Estados Unidos durante a Guerra Civil, e recebeu uma dispensa honrosa em 03 de Julho de 1865. Potencial a ser explorado: Eletricidade, ótica, luz artificial, receptores de energia, composição do filamento. Lloyd Quarteman (1918 -desconhecido): Nasceu na Filadélfia, era químico, criou o primeiro reator nuclear na década de 1930, trabalhou no projeto Manhattan (bomba nuclear da 2° guerra mundial), e em 1945 na bomba Boy (Japão). Potencial a ser explorado: Radiologia, aparelhos para saúde, Biologia e Química. Lydia O. Newman (1885 - desconhecido): Nasceu em Ohio, ativista dos direitos humanos e da mulher, em 1898 inventou a escova para pentear cabelos femininos, feita com materiais sintéticos, antes a escova era feita de pelos de javali e, não era durável. Potencial a ser explorado: higiene, limpeza, tipos e resistência dos materiais. Philip Downing (desconhecido): Em 1891 inventou a caixa de correio, feita de ferro com quatro pernas. Potencial a ser explorado: Materiais: Carta, papel, tintas e as características dos mateis. Roberto E. Shurney (1921-desconhecido): Nasceu na Geórgia, foi mecânico de automóveis, filho de Engenheiro civil, trabalhou como enfermeiro e mecânico na 2° guerra mundial. Bel. Física ingressou na NASA, participou do programa espacial de 1960, inventando em 1962 pneumáticos de malha de arame para o robô da Apolo XV, esse robô foi a lua, os pneumáticos de malha de arame serviu para dar estabilidade e movimentar o robô na superfície da lua. Na NASA, ele foi confundido como zelador, por ser negro. Potencial a ser explorado: Composição da lua, existência de H2O. William Purvis (desconhecido): em 1890 ele fez várias melhorias para a caneta tinteiro, a fim de faze-la mais durável, pratica e possível de levar no bolso, também inventou várias outras invenções, como máquinas para a fabricação de sacos de papel e prendedor saco. Potencial a ser explorado: pigmentos naturais, registro, fabricação de tinta caseira, queimadas e poluição do meio ambiente. George Washington Carver (1865 - 1943): conhecido como doutor das plantas, consultor de pequenos agricultores, criou os métodos de cultivo que salvaram a economia do sul dos Estados Unidos na década de 1920, com rotação de cultivo para restaurar o solo, o que possibilitava a fixação de nutrientes no solo. Potencial a ser explorado: controle de pragas e doenças na agricultura, Reino monera – bactérias Rhizobium (fixadores de N), decomposição do ciclo do N. Alfred Crolle (1866 - 1920): se interessava por mecânica, era porteiro em um hotel, observava as pessoas servirem sorvete, em 1897 criou a colher de serve sorvete. Potencial a ser explorado: composição: aço inox, ferro, cromo, níquel. Propriedades físico-químicas superiores não oxidam. Elementos químicos. Frederick Jones (1883 - 1961): Nasceu no estado americano de Ohio, em 1935 inventou o ar condicionado, conseguiu 66 patentes, sendo 40 na área da refrigeração. Potencial a ser explorado: materiais convecção térmica, gases e ventilação. George Carruthers (1939 - desconhecido): É Astrofísico nasceu em 1 de Outubro de 1939 em Cincinnati, Ohio. Estudou Engenharia Aeronáutica em 1961, fez mestrado em Engenharia Nuclear em 1962 e fez doutorado na Aeronáutica e Engenharia Astronômica em 1964. Inventou a câmara remota ultravioleta que foi usada na missão da Apollo XVI e que permitiu obter imagens da Terra e do espaço, isso na década de 1972, descobriu oxigênio molecular fora do planeta, não trabalhou sozinho. Potencial a ser explorado: Raio UV, importância do protetor solar, camada de ozônio, captura de imagens, gravidade, satélite natural, radiação eletromagnética λ. Percebe-se que essas pessoas brilhantes eram pouco conhecidos pelos estudantes. Outra informação relevante é que, segundo relato dos estudantes, era fácil encontrar informações sobre o invento, mas sobre seus inventores pouquíssimas informações encontravam. Essa falta de informações pode estar atrelada ao fato de nossa sociedade ser preconceituosa e hierarquista (MÜLLER, 2010), ou seja, pelo fato de serem pessoas negras não se dá o devido crédito. Outra característica importante do estudo é que apesar de terem sido cientistas e inventores notáveis, quase nunca eles são mencionados nas aulas de ciências. Dessa maneira, evidenciar as contribuições de negros e negras para as Ciências Naturais vai além de simplesmente cumprir o preconizado pela Lei 10.639/2003, possibilita desconstruir os ideários sociais dominantes e contribuir para que a sociedade perceba outras heranças culturais africanas, não somente aquelas listadas por Silva Filho (2010). Como educadores, nosso desafio é ter uma postura que não hierarquize as diferenças, mas, pelo contrário, que as compreendam e proporcionem aos estudantes o entendimento das mesmas onde estiverem, seja na sala de aula, seja no local de trabalho, ou até mesmo no convívio social e, dessa forma, saberão respeitar as diversidades culturais e sociais (SECCHI, 2010).

Conclusões

As 12 experiências de cientistas e inventores negros aqui relatadas servem para evidenciar o quanto precisamos avançar nessa discussão. Certamente muitas outras contribuições foram e serão deixadas por negros e negras para as Ciências Naturais. Cabe às instituições educativas desenvolver práticas que possibilitem uma educação multicultural crítica no sentido de viabilizar processos de construção de personalidade e valores no respeito ao diferente e que se traduzam em práticas que capacitem este aluno como um agente capaz de transformar sua realidade. A escola, por sua vez, tem o compromisso de evidenciar essas contribuições dos negros para a ciência e para a melhoria da qualidade de vida das pessoas. É preciso trazer à tona a voz silenciada dos povos africanos e indígenas, permitindo assim que as novas gerações se apropriem dos inventos deixadas por estes povos, e assim possam dialogar e conviver com as diferenças e reconheçam suas significativas contribuições.

Agradecimentos

Ao IFMT Campus Confresa pela oportunidade de desenvolver esse estudo e poder contribuir na formação humanista dos futuros professores de Química.

Referências

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______. Lei 10.639, de 09 de janeiro de 2003. Brasília: Diário Oficial da União, 10 de janeiro de 2003.

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