Composição fenólica de cachaças armazenadas em tonéis recém confeccionados de carvalho (Quercus sp.), amburana (Amburana cearensis), jatobá (Hymenaeae carbouril), bálsamo (Myroxylon peruifecachaça) e peroba (Paratecoma peroba)

ISBN 978-85-85905-21-7

Área

Química Analítica

Autores

Santiago, W.D. (UFLA) ; Cardoso, M.G. (UFLA) ; Santiago, J.A. (UFLA) ; Barbosa, R.B. (UFLA) ; Lunguinho, A.S. (UFLA) ; Gonçalves, G.S. (UFLA) ; Tábua, M.C.M. (UFLA)

Resumo

O envelhecimento é a última etapa do processo de produção de cachaça. Os recipientes utilizados para o envelhecimento são os barris e tonéis de madeira. Os principais compostos extraídos da madeira pelos destilados são os compostos fenólicos. O objetivo deste trabalho foi avaliar e comparar o desenvolvimento fenólico em cachaças armazenadas em tonéis recém confeccionados de carvalho, amburana, jatobá, bálsamo e peroba ao longo do processo de armazenamento. Os compostos fenólicos foram analisados por técnicas cromatográficas e espectrofotométricas. Pelos resultados obtidos, constatou-se um aumento gradativo ao longo do processo de armazenamento em ambas as técnicas, sendo possivel observar heterogeneidade em todas as madeiras utilizadas

Palavras chaves

cachaça; armazenamento; compostos fenólicos

Introdução

O processo de produção da cachaça de alambique pode ser dividido em quatro etapas fundamentais: obtenção do mosto, fermentação, destilação e envelhecimento (AQUINO et al., 2006a). O envelhecimento é a última etapa do processo de produção, mas não é obrigatória sua realização. É uma etapa importante na fabricação da cachaça que possibilita ao produtor agregar valor em sua bebida. A bebida recém-destilada apresenta características sensoriais um pouco agressivas e forte sabor alcoólico, características que podem ser atenuadas pelo envelhecimento (CARDOSO, 2013). De acordo com a legislação, para que a bebida seja considerada envelhecida, ela deve se enquadrar na denominação proposta, em que a aguardente de cana / cachaça envelhecida refere-se à bebida que contiver, no mínimo, 50% de aguardente de cana / cachaça envelhecida em recipiente de madeira apropriado, com capacidade máxima de 700 L, por um período não inferior a um ano (BRASIL, 2005a). Os recipientes utilizados para o envelhecimento são os barris e tonéis de madeira, que atuam como uma membrana semipermeável, permitindo a passagem de vapores de álcool e água, que ocorrem em função das condições de umidade relativa e da temperatura do local de armazenamento. No entanto, as perdas ao longo do ano dependem de vários outros fatores, tais como dilatação e contração da aguardente de cana dentro do tonel, vazamentos e expulsão de aguardente por frestas e consequente aspiração de ar por contração no resfriamento em ocorrências sucessivas, devido à inadequação de instalações e de ambientes, além do modo de armazenamento (ANJOS et al., 2011). O carvalho (Quercus sp) é a madeira tradicionalmente usada para o envelhecimento de cachaça e outras bebidas destiladas no Brasil. Várias madeiras nativas brasileiras estão sendo utilizdas na confecção de barris e tonéis para o envelhecimento de cachaça, como amendoim (Plerogyne nitens), cerejeira (Amburana cearensis), cedro (Cedrela fissilis), jatobá (Hymenaeae carbouril), ipê (Tabebuia sp), freijó (Cordia goeldiana), garapa (Apuleia leiocarpa), bálsamo (Myroxylon peruiferum), vinhático-amarelo (Plathynemia foliosa), peroba (Paratecoma peroba) e jequitibá (Carinian legalis) (ANJOS et al., 2011). Os principais compostos extraídos da madeira pelos destilados são óleos voláteis, compostos fenólicos, substâncias tânicas, açúcares, glicerol e ácidos orgânicos não voláteis. Entre eles, destaca-se a importância do estudo de compostos fenólicos em cachaça envelhecida, devido à importância de compostos antioxidantes para a vida e a saúde humana (CARDELLO; FARIA, 2000; RAKIC et al., 2007). O objetivo deste trabalho foi avaliar e comparar o desenvolvimento fenólico em cachaças armazenadas em tonéis recém-confeccionados de carvalho (Quercus sp.), amburana (Amburana cearensis), jatobá (Hymenaeae carbouril), bálsamo (Myroxylon peruiferum) e peroba (Paratecoma peroba) ao longo do processo de envelhecimento.

Material e métodos

Confecção dos tonéis e produção das amostras Os tonéis foram confeccionados no município de Ponte Nova-MG, situado na região Zona da Mata Mineira. As madeiras amburana, bálsamo, carvalho, jatobá e peroba foram adquiridas pela tanoaria encarregada na fabricação dos tonéis. Todos os tonéis utilizados no estudo apresentavam um volume final de 20 litros cada um. Eles foram confeccionados nas seguintes dimensões: 40 cm de comprimento, 30 cm de altura, 102 cm de raio central e 1,8 cm de espessura da madeira. As amostras utilizadas foram produzidas no alambique da empresa Cachaça Artesanal João Mendes (JM), situada no município de Perdões/MG, no período da safra de 2014. A variedade de cana empregada foi a RB86-7515, o processo de fermentação foi realizado com fubá e, como micro-organismo, a levedura Saccharomyces cerevisiae. Na destilação obtiveram 15 litros para fração “cabeça”, 180 litros para “coração” e 144 litros para “cauda”. A fração “coração” foi transferida para os tonéis de carvalho, amburana, bálsamo, jatobá e peroba, onde foram estocados 20 litros da bebida em cada tonel. Os tonéis foram mantidos em galpão fechado com temperatura e umidade do ar não controladas, colocados na posição horizontal para possibilitar o maior contato da bebida com a madeira e distanciados de outros tonéis para possibilitar as trocas gasosas. A cada dois meses, por um período de 12 meses, foram coletadas amostras de 2 litros e encaminhadas para a realização das análises físico-químicas e análises cromatográficas, que foram realizadas no Laboratório de Análises de Qualidade de Aguardentes do Departamento de Química (DQI) da Universidade Federal de Lavras (UFLA). Compostos fenólicos totais por espectrofotometria A análise foi determinada utilizando o método de Folin-Ciocalteu modificado (ANJOS et al., 2011; SANTIAGO et al., 2014c). Compostos fenólicos por HPLC A metodologia utilizada para a análise dos 12 compostos fenólicos nas cachaças armazenadas em tonéis de amburana, bálsamo, carvalho, jatobá e peroba foi realizada de acordo com a metodologia proposta por Anjos et al. (2011) e Santiago et al. (2014a). Os compostos fenólicos analisados foram o ácido gálico, catequina, ácido vanílico, fenol, ácido siríngico, vanilina, siringaldeído, ácido p-cumárico, ácido sinápico, cumarina, 4- metilumbeliferona e ácido o-cumárico. Análise estatística Utilizou-se o delineamento inteiramente casualizado (DIC) em esquema de parcelas subdivididas no espaço. Os dados obtidos foram submetidos à análise de variância, sendo as médias comparadas pelo teste de Schott Knott ao nível de 95% de confiança, usando o programa estatístico SISVAR (FERREIRA, 2011). Aplicou-se a análise das componentes principais (ACP), para averiguar possíveis similaridades entre as madeiras em estudo frente aos compostos fenólicos. Os resultados foram centrados em médias, para posterior análise. A análise foi realizada utilizando o programa CHEMOFACE (NUNES et al., 2012).

Resultado e discussão

Os resultados obtidos para o acompanhamento da composição fenólica total das cachaças armazenadas nos respectivos tonéis em estudos estão representados na Figura 1. De acordo com os resultados, foi possível constatar um aumento progressivo, em todas as madeiras, na composição fenólica total ao longo do período de armazenamento das cachaças, não ocorrendo similaridade das madeiras quanto à composição fenólica. As composições fenólicas totais nas madeiras variaram de 167,96 a 288,60 mg L-1 em amburana; 46,27 a 107,48 mg L-1 em bálsamo; 64,69 a 169,57 mg L-1 em carvalho; 281,85 a 876,98 mg L-1 em jatobá e 18,86 a 59,92 mg L-1 em peroba. Para Cardoso (2013) e Santiago et al. (2014b), alguns fatores podem ser determinantes na extração de compostos da madeira ao longo do período de envelhecimento da bebida, como tamanho e pré- tratamento do barril, condições ambientais, tempo de envelhecimento e teor alcoólico da bebida, tornando diferenciadas a quantidade e a composição de compostos fenólicos extraídos da madeira durante o processo de envelhecimento da bebida. Os resultados obtidos para a quantificação dos 12 compostos fenólicos por HPLC-DAD, ao longo do período de armazenamento da cachaça em tonéis de amburana, bálsamo, carvalho, jatobá e peroba, apresentaram um aumento progressivo da composição fenólicas em todas as madeiras utilizadas para o armazenamento das bebidas. Esse aumento pode ser observado por meio do somatório da concentração dos compostos fenólicos, após os 12 meses de envelhecimento, que apresentou valores que variaram de 30,402 a 88,660 mg L- 1 (para tonel de amburana); 10,242 a 30,351 mg L-1 (para tonel de bálsamo); 14,913 a 42,674 mg L-1 (para tonel de carvalho); 3,770 a 10,939 mg L-1 (para tonel de jatobá) e 21,015 a 59,582 mg L-1 (para tonel de peroba). Em relação a predominância dos compostos fenólicos em cada tipo de madeira, foi possível observar, nas bebidas armazenadas, uma predominância de ácido vanílico, cumarina e 4-metilumbeliferona no tonel de amburana; ácido gálico, fenol, ácido siríngico e siringaldeído no tonel de bálsamo; ácido gálico, ácido vanílico e siringaldeído no tonel de carvalho; ácido gálico e siringaldeído no tonel de jatobá e, no tonel de peroba, a predominância dos ácidos vanílico e siríngico. Essas predominâncias corroboram e não corroboram com alguns estudos encontrados na literatura (DIAS; MAIA; NELSON, 1998; ANJOS et al., 2011; SANTIAGO et al., 2012; 2014a; ZACARONI et al., 2011; 2014). A Figura 2 representa o gráfico biplot PC1 x PC2 dos loadings e scores, na qual se relacionam os compostos fenólicos das cachaças armazenadas nos diferentes tonéis em estudo. Pela ACP, foi possível descrever 93,82% dos dados, com a primeira e a segunda componente principal, sendo 67,55% da variância total descrita pela primeira componente principal. Na análise aplicada, pode-se constatar que o composto cumarina diferenciou as bebidas armazenadas em amburana e o composto ácido vanílico mostrou uma certa similaridade das amostras armazenadas em carvalho e peroba. As amostras armazenadas em jatobá e bálsamo apresentaram semelhança nos demais compostos.

Figura 1

Evolução da composição fenólica total durante o período de armazenamento das cachaças

Figura 2

Gráfico biplot PC1 x PC2 dos loadings e scores dos compostos fenólicos das cachaças armazenadas em tonéis de amburana, bálsamo, carvalho, jatobá e per

Conclusões

A composição fenólica total e a composição fenólica por técnica cromatográfica apresentaram aumento progressivo, em todas as madeiras, ao longo do período de armazenamento das cachaças. Pela técnica cromatográfica foi possível observar predominância dos compostos fenólicos em cada tipo de madeira, sendo que os compostos ácido vanílico, cumarina e 4-metilumbeliferona no tonel de amburana; ácido gálico, fenol, ácido siríngico e siringaldeído no tonel de bálsamo; ácido gálico, ácido vanílico e siringaldeído no tonel de carvalho; ácido gálico e siringaldeído no tonel de jatobá e, no tonel de peroba, a predominância dos ácidos vanílico e siríngico.

Agradecimentos

Ao CNPQ, FAPEMIG, CAPES, pelo apoio financeiro e bolsa concedida. À Cachaça Artesanal João Mendes, pela valiosa contribuição e por ceder as amostras de cachaças.

Referências

ANJOS, J. P. et al. Evolution of the concentration of phenolic compounds in cachaça during aging in an oak (Quercus sp.) Barrel. Journal of the Brazilian Chemical Society, São Paulo, v. 22, p. 1307-1314, 2011.


BRASIL. Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento. Instrução Normativa n. 13, de 29 de junho de 2005. Diário Oficial [da] União de 30 jun. 2005, Seção 1, Página 3. Aprova o regulamento técnico para fixação dos padrões de identidade e qualidade para aguardente de cana e para cachaça. 2005.

CARDELLO, H. M. A. B.; FARIA, J. B. Análise da aceitação de aguardentes de cana por testes afetivos e mapa de preferência interno. Ciência e Tecnologia de Alimentos, Campinas, v. 20, n. 1, p. 32-36, abr. 2000.

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DIAS, S. M. B. C.; MAIA, A. B. R. A.; NELSON, D. L. Efeito de diferentes madeiras sobre a composição da aguardente de cana envelhecida. Ciência e Tecnologia de Alimentos, Campinas, v. 18, n. 3, p. 331-334, ago./out. 1998.

FERREIRA, D. F. SISVAR: a computer statistical analysis system. Ciência e Agrotecnologia, Lavras, v. 35, n. 6, 1039-1042, 2011.


NUNES, C. A. et al. Chemoface: a novel free user-friendly interface for chemometrics. Journal of the Brazilian Chemical Society, São Paulo, v. 23, n. 11, p. 2003-2010, Nov. 2012.


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SANTIAGO, W. D. et al. Correlação entre extrato seco total, composição fenólica total e intensidade de cor de cachaças envelhecidas em tonéis de carvalho (Quercus sp) e amburana (Amburana cearensis) em um período de 12 meses. E-xacta, Belo Horizonte, v. 7, n. 2, p. 9-15, 2014b.

ZACARONI, L. M. et al. Determination of phenolic compounds and coumarins in sugar cane spiritaged in diferrent species of wood. Analytical Letters, New York, v. 44, n. 12, p. 2061-2073, Aug. 2011b.

ZACARONI, L. M. et al. Avaliação Multivariada da composição fenólica de cachaças envelhecidas em diferentes barris de madeira. Científica, Jaboticabal, v. 42, n. 2, p. 101-107, 2014.

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