Caracterização química e morfológica de argamassas contendo um resíduo da indústria calçadista como agregado leve em sua matriz cimentícia

ISBN 978-85-85905-21-7

Área

Química Verde

Autores

Santos, K.L. (UNIVERSIDADE FEEVALE) ; Vargas, A.S. (UNIVERSIDADE FEEVALE) ; Jahno, V.D. (UNIVERSIDADE FEEVALE)

Resumo

O Rio Grande do Sul (RS) continua sendo um dos maiores produtores de calçados do Brasil e com isso são gerados grandes volumes de resíduos sólidos, como as palmilhas de montagem de não-tecidos. A construção civil é um setor de alto impacto ambiental, devido à grande demanda por extração de recursos minerais. Assim, este estudo busca a caracterização química e morfológica de argamassas contendo resíduo de palmilha (RP) de montagem como agregado leve em sua matriz cimentícia, através de análise de microscopia eletrônica de varredura (MEV) e espectroscopia de infravermelho com transformada de Fourier (FTIR). Os resultados demonstraram que o RP possui características de fibras, podendo aumentar a resistência físico-mecânica das argamassas e que não interferem nos grupos funcionais das mesmas.

Palavras chaves

Construção Civil; Indústria Calçadista; Resíduos Sólidos

Introdução

O Relatório Setorial das Indústrias de Calçados no Brasil do ano de 2016, elaborado pela Associação Brasileira das Indústrias de Calçados (ABICALÇADOS, 2016), aponta que o Estado do Rio Grande do Sul (RS) ainda está entre os 3 maiores produtores de calçados brasileiros, representando 18,3% da produção nacional. Além disso, o Rio Grande do Sul representa 16,5% da quantidade de pares exportados no país e 38,5% do valor monetário gerado por estas exportações, especialmente pelo calçado gaúcho possuir maior valor agregado. Para a confecção das diversas tipologias de calçados, podem ser utilizados mais de 40 materiais diferentes onde, dentre eles, podemos destacar o couro, as borrachas, as espumas, os têxteis, os termoplásticos e os componentes metálicos. A definição de cada material é feita com base no principal objetivo de sua aplicação, que pode variar desde uma tendência de mercado, até o desempenho do produto final (OLIVEIRA; SILVA, 2012). Em consequência disto, ao longo de todo o processo produtivo da indústria calçadista, obtêm-se sobras e retalhos inevitáveis até se chegar aos formatos dos calçados desejados. Constitui, portanto, característica típica dessa atividade industrial, a geração de grande quantidade de resíduos diversos, potencializada ainda pela ampla variedade de materiais que formam o calçado, especialmente em função das exigências da moda, o que dificulta ainda mais o processo de gerenciamento dos mesmos. Dentre estes materiais, encontram-se as palmilhas de montagem, que são objeto deste estudo. Este material é um dos componentes mais importantes do calçado, pois possui a função de estruturar o calçado, fazendo a conexão entre o solado e o cabedal. A palmilha de montagem também tem a função de manter o formato da superfície da planta do pé e proporcionar conforto e segurança ao usuário. (CTCCA,2002) As palmilhas de montagem podem ser fabricadas de diversos materiais, dentre eles podemos destacar o nãotecido, a celulose e o couro. Atualmente, as mais utilizadas são as palmilhas de celulose, por possuírem um menor custo comercial. Contudo, as palmilhas de montagem utilizadas para este estudo, são as de nãotecido, pois são considerados materiais cujos resíduos, de forma geral, são enviados para aterros industriais e pelo qual a maioria dos recicladores não têm nenhum interesse, devido à baixa aplicabilidade do mesmo para o desenvolvimento de outros materiais ou até mesmo para reincorporação no processo de fabricação de palmilhas de montagem. No estado, não existe nenhum valor publicado referente a este resíduo específico, mas sabe-se que os volumes gerados são elevados, em função das rebarbas de processo. O reaproveitamento de um dado tipo de resíduo por outros setores da economia tem sido nos últimos anos, tema de importantes pesquisas acadêmicas. A construção civil é um dos setores com maior potencial para absorver os resíduos industriais, pois também é um dos setores da economia que mais causa impactos ambientais no mundo. De acordo Silva et al (2015) teve-se um aumento de 5,2% no consumo de agregados, o que representa mais de 48,3 bilhões de toneladas no ano de 2015. Em consequência disso, temos uma maior necessidade de extração de recursos naturais e assim, decorrem-se diversos problemas ambientais. Diversos estudos realizados mundialmente apontam a reutilização dos resíduos da indústria calçadista como potencial insumo para a construção civil. Bezerra (2002), Melo et al (2002), Polari Filho (2005) e Pimentel (2005), demonstraram a viabilidade em usar resíduos de EVA oriundos da indústria calçadista como agregado leve na construção de blocos vazados de vedação, baseados em compostos cimentícios. Kern (1999), concluiu em seu trabalho que é possível adicionar resíduos de contrafortes termoplásticos impregnados e laminados em matriz de gesso para a construção civil. Portanto, com o imenso volume de resíduos sólidos gerados pela indústria calçadista do Vale do Rio dos Sinos, potencial causador de grandes impactos ambientais para a região, surge a necessidade e oportunidade de reutilizar estes resíduos como fonte de matéria-prima para a construção civil, a fim de minimizar os custos empregados pelas indústrias com a destinação destes resíduos para aterros sanitários, além da minimização do impacto ambiental gerado ao meio ambiente, que também acaba expondo a sociedade à riscos diversos e a diminuição da necessidade de matérias-primas virgens. Assim, este estudo teve como objetivo realizar a caracterização química e morfológica de argamassas contendo resíduo de palmilha de montagem (RP) incorporados em sua matriz cimentante como agregado leve, em substituição em volume de areia.

Material e métodos

Inicialmente foi realizada a preparação dos resíduos de palmilha, que foram moídos em um moinho de facas de marca Seibt, no Laboratório de Reciclagem, do Centro de Pesquisa e Desenvolvimento em Tecnologias Limpas da Universidade Feevale. Para este processo foi utilizada uma peneira com malha de 8,00 mm, que é o maior tamanho disponível no laboratório. Após este processo, foram preparadas quatro argamassas, com traço, em massa, de 1:3 (cimento: areia) – referência com relação água/cimento (a/c) fixa 0,48, nas quais foi utilizada uma areia composta por 6 granulometrias diferentes (2,4; 1,2; 0,6; 0,3; 0,15 e fundo), cimento tipo Portland V ARI e a água utilizada foi proveniente da rede de abastecimento local (COMUSA). As argamassas isentas de RP são as argamassas referência (branco). Outras três argamassas foram preparadas contendo teores de 3%, 6% e 9% de RP em substituição ao volume de areia. A substituição em volume foi devido à diferença entre as massas especificas da areia (2,62 g/cm³) e do resíduo de palmilha cominuído (0,90 g/cm³). Foi realizada a análise morfológica das matrizes cimentícias no Laboratório de Estudos Avançados em Materiais da Universidade Feevale em um Microscópio Eletrônico de Varredura (MEV), Modelo JSM-6510LV, Marca JEOL. Para a realização das análises, pequenos fragmentos das argamassas contento 0%, 3%, 6% e 9% de resíduos de palmilha, nas idades de 7, 28, 63 e 91 dias, foram coletados e imersos em acetona (P.A.) por 10 minutos e posterior secagem em estufa a 50ºC por 15 minutos, para eliminação da umidade das amostras. Depois deste processo, o material foi identificado e armazenado em um dessecador com sílica-gel e removido somente no momento do procedimento de análise. Estas amostras foram inseridas em stubs (porta-amostras metálico) e após foram recobertas com ouro, a fim de aumentar a condutividade elétrica das amostras, permitindo assim, a obtenção de imagens de alta definição. Após esse preparo, as amostras das matrizes cimentícias foram inseridas no microscópio eletrônico de varredura e através deste equipamento, as amostras foram visualizadas nas resoluções de 100, 500, 1.000, 2.000 e 4.000 vezes. Para a caracterização química, foi utilizada a técnica de análise por espectroscopia na região do infravermelho com transformada de Fourier (FTIR), que teve como objetivo identificar as mudanças estruturais da massa cimentícia após incorporação de resíduo de palmilha, através da identificação dos grupos vibracionais na região do infravermelho (IV) médio (4000 a 400 cm-1). Estas análises de espectroscopia também foram realizadas no laboratório de Estudos Avançados em Materiais da Universidade Feevale, através da utilização do equipamento espectrômetro FTIR de Marca PerkinElmer, modelo Spectrum Two. Foram ensaiadas as argamassas contendo 0%, 3%, 6% e 9% de resíduos de palmilha, apenas na idade de 28 dias.

Resultado e discussão

De acordo com Sousa (2010) as argamassas são materiais que apresentam uma microestrutura porosa complexa que, pode ser caracterizada indiretamente, pelas alterações em suas propriedades macroscópicas e na análise diretamente através de diferentes métodos, tais como, a microscopia eletrônica de varredura (MEV). Na figura 1 é possível verificar a diferença entre as matrizes cimentícias da argamassa com 0% de resíduo e com 3% de resíduo, na idade de 7 dias, a partir da análise morfológica realizada. Na figura 1a, observa-se uma superfície áspera e arenosa. Já na figura 1b fica evidente a presença do resíduo de palmilha incorporado à argamassa com cimento Portland. Este mesmo comportamento foi evidenciado nas demais amostras contendo teores diferentes de RP, independente da idade. Na figura acima fica evidente a presença de resíduos de palmilha de montagem que tendem a ter o comportamento de fibras, devido a serem fabricado a partir de nãotecidos. Izquierdo (2012) afirma que as fibras contribuem para o aumento das propriedades mecânicas do compósito, retardando a propagação de fissuras e propiciando um aumento da tensão máxima. Segundo a autora, isto ocorre porque o carregamento imposto à matriz é parcialmente transferido às fibras que passam a absorver parte das tensões internas. Oliveira (1995) afirma que as fibras ampliam a capacidade de deformação do material e aumentam a sua capacidade de suporte de carga, principalmente quando submetida a esforços de tração, flexão-tração e impacto. Paliga et al (2012) também obteve resultados satisfatórios quanto a adição de fibras como reforço em concreto armado, apresentando maior desempenho na resistência à flexão. Quanto à caracterização química foi possível verificar através da figura 2 um comportamento semelhante nos espectros de todos os teores analisados, conforme mostram as posições das bandas. Ou seja, ao comparar-se o espectro da argamassa de 0% de resíduo de palmilha com os espectros dos demais teores, não identificou-se nenhuma banda diferente. Logo, o resíduo de palmilha não interferiu nos grupos funcionais da argamassa. Conforme Allahverdi et al (2010), as primeiras bandas, centradas próximo a 450 cm-1, estão relacionadas aos grupos Al-O e Si-O das cadeias de aluminossilicatos Si (Al)-O-Si e os picos próximos a 950 cm-1 são atribuídos às vibrações de alongamento simétrico das ligações Si (Al)-O-Si. Além disso, os picos de menor intensidade, localizados próximos à região de 1400 cm-1 e 850 cm-1 são atribuídos às vibrações de estiramento assimétricas de ânions de carbonato de cálcio. Portanto, a técnica de análise por FTIR, em conjunto com o MEV, proporcionou informações que contribuíram para um conhecimento mais amplo dos processos de incorporação de resíduos fibrosos em argamassas.

Figura 1

a) Argamassa com 0% de resíduo na idade de 7 dias; b) Argamassa com 3% de resíduo na idade de 7 dias.

Figura 2

Espectro das análises de FTIR realizadas na idade de 28 dias, para os teores de 0%, 3%, 6% e 9% de resíduo de palmilha com os valores das bandas

Conclusões

Com este estudo ficou evidente através dos ensaios de microscopia de varredura eletrônica que os resíduos de palmilha de montagem ao serem incorporados à matrizes cimentantes podem desempenhar o papel de fibras, tendendo a aumentar o desempenho a esforços físico-mecânicos das argamassas. Também pode-se verificar que a incorporação dos resíduos de palmilha de montagem não geraram nenhuma alteração na estrutura química da matriz cimentante, preservando os grupos funcionais já existentes. Sobretudo, sugere-se que alguns fatores sejam levados em consideração para a elaboração de trabalhos futuros, por exemplo, avaliar outros resíduos desta cadeia produtiva e estudar o comportamento das argamassas com a incorporação de resíduos de palmilha de montagem com tamanho maior, para que as fibras se mantenham mais longas.

Agradecimentos

Os autores agradecem à Universidade Feevale pela infraestrutura disponibilizada para a realização deste trabalho e à Capes pelo incentivo financeiro concebido.

Referências

ABICALÇADO, Associação brasileira das indústrias de calçados. Relatório Setorial da Indústria de calçados. Disponível em: http://www.abicalcados.com.br/relatoriosetorial/>. Acesso em 09 ago. 17.

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