Autoignição induzida por micro-ondas: um novo método para a decomposição de materiais carbonáceos

ISBN 978-85-85905-23-1

Área

Química Analítica

Autores

Cruz, S.M. (IFRS) ; Kunz, K.M. (IFRS) ; Bizzi, C.A. (UFSM) ; Barin, J.S. (UFSM) ; Paniz, J.N.G. (UFSM) ; Flores, E.M.M. (UFSM)

Resumo

Neste trabalho é proposto um novo método de preparo de amostra baseado no efeito Maxwell-Wagner com o uso da radiação micro-ondas em sistema fechado. Esse efeito ocorre devido à interação dos materiais carbonáceos com o campo eletromagnético oscilante, na frequência das micro-ondas (Zlotorzynski,1995). Devido à essa interação um rápido aquecimento do material é observado como resultado da formação de microplasmas em pontos localizados (Menendez, 2010, Menendez, 2011). Posteriormente, a autoignição da grafite foi avaliada em um sistema fechado sob pressão de oxigênio, visando a aplicação analítica como método de preparo de amostra. Os REE foram determinados por espectrometria de emissão óptica com plasma indutivamente acoplado (ICP-OES) utilizando um sistema de nebulização ultrassônica

Palavras chaves

Micro-ondas; Autoignição; Maxwell-Wagner

Introdução

Nos últimos anos diversos estudos têm sido desenvolvidos com o objetivo de caracterizar a grafite (Cruz, 2015). Devido à combinação de propriedades como condutividade elétrica e térmica, a grafite possui muitas aplicações industriais como, por exemplo, para a síntese de nanotubos de carbono, produção de eletrodos de alta pureza, tubos e plataformas de grafite para vaporizadores eletrotérmicos, baterias, entre outros. Dessa maneira, o controle de qualidade nesse tipo de material é essencial tendo em vista que, a presença de elementos terras raras (REE) pode afetar a qualidade dos produtos como, por exemplo, diminuir o tempo de vida útil de baterias ou alterar as propriedades elétricas e térmicas do produto final. A determinação dos REE na grafite é considerada um grande desafio analítico, principalmente devido às dificuldades de decomposição deste tipo de amostra, que possui uma resistência relativamente alta a diversos agentes químicos, mesmo quando são empregadas temperaturas elevadas (Cruz, 2015). Desse modo, é difícil obter uma digestão eficiente da grafite mesmo com o uso de ácidos concentrados e em sistemas fechados. Além disso, para as técnicas convencionais de análise, a digestão completa da amostra é quase que imprescindível (Flores, 2014). Para isso, a escolha e/ou desenvolvimento de métodos analíticos mais adequados deve levar em conta alguns parâmetros importantes, como o uso de soluções diluídas, elevada frequência analítica, minimização de interferências e uso de elevada massa de amostra. Dentre os métodos mais utilizados para o preparo de amostras de grafite visando à determinação de REE, cabe destacar a combustão por via seca em forno tipo mufla, bomba de combustão e a combustão iniciada por radiação micro-ondas (MIC), além dos métodos de digestão por via úmida em sistema fechado, como a digestão por via úmida assistida por radiação micro-ondas (MWAD), e digestão por via úmida assistida por radiação micro-ondas e ultravioleta (MW-UV-AD). No presente trabalho foram avaliados três métodos de preparo de amostra: i) extração assistida por micro-ondas (MAE), ii) combustão por via seca em forno tipo mufla e iii) autoignição induzida por radiação micro-ondas (Bizzi, 2018). Após a avaliação dos métodos de preparo de amostra, a determinação dos REE foi feita por espectrometria de emissão óptica com plasma indutivamente acoplado (ICP-OES) com emprego de nebulizador ultrassônico (USN) com sistema de dessolvatação. Os parâmetros operacionais avaliados na técnica de USN-ICP-OES foram: vazão do gás de nebulização, potência do gerador de radiofrequência do plasma (RF), vazão da bomba peristáltica, além da temperatura de aquecimento e resfriamento do sistema de USN. Também foi avaliado o efeito da concentração de C e Na na determinação de REE por USN-ICP-OES, bem como o efeito da acidez residual. Os resultados foram comparados com os valores obtidos pelos métodos de referência (MAE e combustão por via seca), além dos resultados obtidos por NAA.

Material e métodos

No presente trabalho, os seguintes métodos de preparo de amostras foram avaliados para a digestão e/ou extração e determinação de REE em amostra de grafite: i) extração assistida por micro-ondas (MAE), iicombustão por via seca em forno tipo mufla e iii) autoignição induzida por radiação micro-ondas (MISI, método proposto). Nos métodos de MAE e MISI foi utilizado um forno de micro-ondas (MultiWave 3000®,AntonPaar, Áustria). Esse sistema possui capacidade para 8 frascos de quartzo com volume interno de 80 mL. Esse forno de micro-ondas pode operar em condições máximas de temperatura, potência e pressão de 280 °C, 1400 W e 80 bar, respectivamente. Este sistema possui sensores de temperatura e pressão, os quais permitem o controle em tempo real desses parâmetros durante o aquecimento. Para o método de MISI, no laboratório de Hialotecnia da Universidade Federal de Santa Maria foram desenvolvidos suportes de quartzo especiais para acondicionar grafite em pó. Um forno mufla (LF0913, Jung, Brasil) foi utilizado para a combustão por via seca. A cavidade do forno tem um volume interno de 9 L e está equipado com um controlador de temperatura e tempo (temperatura máxima de operação de 1300 °C). Foram utilizados cadinhos de platina (capacidade de 50 mL) para a digestão das amostras de grafite. Para avaliar morfologicamente os comprimidos de grafite, bem como auxiliar na caracterização das amostras, foi utilizado um equipamento de MEV (modelo Sigma 300 VP, Carl Zeiss, Alemanha), equipado com coluna Gemini (Carl Zeiss). As imagens foram obtidas com o uso do detector de elétrons secundários para pressão variável (VPSE) no modo VP. A determinação da distribuição do tamanho de partícula da grafite foi feita empregando o analisador de partícula Mastersizer 2000, Malvern Instruments, Reino Unido). O equipamento utilizado no estudo para a análise do suporte de quartzo por ablação com laser consiste em uma fonte de laser de estado sólido, composto pelo mineral de Nd:YAG, operando no comprimento de onda de 266 nm (modelo LSX- 266, Cetac Technologies, USA), o qual foi acoplado ao equipamento de ICP-MS. Para avaliação do perfil de aquecimento da grafite quando exposta a um campo eletromagnético oscilante na frequência de micro-ondas, foi utilizado um sistema de micro-ondas monomodo (2000 W, 2,45 GHz, Sairem SAS, França). A área superficial e o tamanho de poro foram determinados de acordo com a norma ASTM D6556-10. Foi utilizado um equipamento de ICP-OES (Spectro CIROS CCD, Spectro Analytical Instruments, Alemanha). Para a determinação de REE também, foi utilizado um equipamento de ICP-MS (ELAN® DRC II, PerkinElmer SCIEX, EUA) equipado com tocha equipado com uma tocha de quartzo contendo um tubo injetor de quartzo com 2 mm d.i. e nebulizador ultrassônico (U600AT+, CETAC Technologies, EUA).

Resultado e discussão

Inicialmente, uma amostra de grafite foi escolhida para ser utilizada nas otimizações dos métodos utilizados como referência (MAE e combustão por via seca em forno tipo mufla) e, também, para o método proposto (MISI) para a determinação de REE por USN-ICP-OES. Neste trabalho, o método de MAE foi avaliado para a extração dos REE da grafite e posterior determinação por USN- ICP-MS. É importante destacar que os resultados obtidos pelo método de MAE foram utilizados como valores de referência. Ao final do programa de aquecimento, os extratos foram transferidos para frascos volumétricos e aferidos a 25 mL com água. No entanto, após o programa de aquecimento, cerca de 98% da amostra de grafite permaneceu em solução. Dessa forma, a fim de minimizar os efeitos da acidez residual, HNO3 14,4 mol L-1 foi avaliada como solução extratora (após a aferição da amostra a concentração do ácido foi de 0,7 mol L-1). A exatidão foi avaliada pela determinação dos analitos por NAA. Os resultados após análise por NAA estão mostrados na Tabela 1, juntamente com os resultados obtidos após a MAE e determinação por USN-ICP-MS. Posteriormente, a autoignição foi avaliada. Nesse sentido, os experimentos iniciais foram feitos utilizando o sistema de micro- ondas sem alteração da atmosfera de gás em contato com a amostra (ar atmosférico, 1 atm). Grafite em pó foi utilizada para avaliar o efeito proveniente da interação da radiação de micro-ondas com a amostra. Esse experimento foi feito a fim de avaliar a possibilidade de ignição da amostra devido à interação da grafite e as micro-ondas. Logo após 3 s de irradiação de micro-ondas, hot spots foram observados em toda a superfície da grafite (polarização interfacial), com a formação de microplasmas (uma representação pode ser observada na Figura 1). Esse fato está de acordo com relatados da literatura. Quando a grafite em pó foi exposta à radiação micro- ondas, foi observado que houve a imediata emissão de luz (após 4 s de exposição foi usada como uma indicação visual). Parâmetros como porosidade e área superficial foram avaliados. Inicialmente, o tamanho de partícula da amostra foi determinado através da medida da distribuição média do tamanho de partícula d(0,5) = 1036 μm. Para a avaliação da área superficial e tamanho de poros, comprimidos de 50 mg e 600 mg de grafite foram feitos e analisados por microscopia eletrônica de varredura (SEM, Figuras estarão expostas no poster). Com base nas imagens obtidas, fica evidente que quando 50 mg foram prensados com 5 t, a superfície da grafite apresenta um perfil ordenado, praticamente sem a presença de poros. Além disso, a penetração de oxigênio no interior do material também é dificultada. Esse aspecto confirma o resultado de que para 50 mg (prensado a 5 t), a autoignição da grafite não foi reprodutível e, em algumas situações foi incompleta. incompleta. Adicionalmente, quando o comprimido de grafite não foi observado o comportamento de autoignição da amostra, mesmo pressurizado a 20 bar de O2. Esse fato também pode ser justificado pelas imagens obtidas por SEM uma vez que, podem ser observados poucos poros e, como consequência, a autoignição é dificultada. No entanto, quando comparamos as pressões de 1 e 5 t, é possível concluir que o aquecimento da grafite com a radiação micro-ondas é favorecido quando pressões menores foram aplicadas. Nesse caso, quando 1 t foi utilizada para a formação de comprimidos de mesma massa de amostra, o fenômeno de autoignição foi favorecido. Quando a massa de amostra foi aumentada (600 mg) e o comprimido feito com menores compressões, o tamanho de poros foi claramente maior. Isso evidencia que o aquecimento foi favorecido com menores pressões em uma elevada massa de amostra, pois a penentração de oxigênio em maiores espaços do material facilita o processo de autoignição do material. A determinação da área superficial e tamanho de poro foi feita de acordo com a norma ASTM D6556-10, através de um método baseado na isoterma de BET (método desenvolvido por S. Brunauer, P. H. Emmett e E. Teller - B.E.T.). Nesse caso, a medida da área superficial específica é feita através da determinação do volume de gás (N2) adsorvido fisicamente na superfície da amostra. Os comprimidos foram feitos utilizando massas de 50 e 600 mg de grafite e pressão de 1, 3 e 5 t. Devido ao espaço esses resultados serão mostrados no poster. Dessa maneira, é possível observar que, quando os comprimidos feitos com 50 mg prensados a 1, 3 e 5 t, praticamente não há diferença nos valores de área superficial e tamanho de poro. No entanto, quando foram utilizadas massas de 600 mg, a área superficial foi cerca de 10 vezes menor quando comparado com a área superficial para 50 mg. Com isso, podemos concluir que, com o aumento da pressão a ompactação foi maior, mas o comprimido possivelmente sofreu fissuras ou formou lâminas, que acabam por aumentar a área superficial. Entretanto, o tamanho de poro foi de cerca de duas vezes maior em relação aos comprimidos de 50 mg. Desse modo, é possível concluir que, a compactação pode ser maior com a pressão mais intensa, o poro fica mais estreito, porém tem maior profundidade. Esse fato está de acordo com as imagens obtidas por SEM, onde com o aumento da pressão para um comprimido de 50 mg, de 1 para 5 t, podem ser observadas lâminas ou fissuras. Esse resultado justifica o fato de que, quando o comprimido de 600 mg prensado a 1 t foi submetido ao processo de autoignição, a queima foi completa e não houve a presença de resíduos sólidos. Desse modo, a autoignição foi avaliada como método de preparo de amostra para fins analíticos.

Tabela 1.

Resultados obtidos para os REE por NAA e após MAE e determinação por USN-ICP-MS. Resultados expressos em média e desvio padrão (ng g-1, n = 3).

Figura 1.

Representação do efeito de Maxwell-Wagner na grafite sob ação de um campo de micro-ondas.

Conclusões

Uma das vantagens mais importantes do método proposto está relacionada com a maneira rápida e fácil como a grafite foi completamente digerida. Cabe ressaltar que a grafite é resistente ao ataque de muitos reagentes químicos, sendo difícil de converter a amostra em uma solução adequada para a posterior etapa de determinação. Além disso, a utilização de soluções diluídas é um aspecto importante, uma vez que contribuiu para a minimização da geração de resíduos de laboratório. O novo método foi proposto para a digestão completa de grafite baseado no efeito de Maxwell-Wagner. Este método baseia-se na interação entre as micro-ondas e um material à base de carbono, que resulta em um rápido aumento de temperatura. Nesse sentido, temperatura superior a 1000 °C foi obtida combinado a um sistema fechado pressurizado com O2, a fim de promover a autoignição da amostra e, em seguida, a rápida oxidação total da matéria orgânica para a posterior determinação dos REE. O método da autoignição induzida por micro-ondas proposto foi considerado seguro, mesmo quando se trabalha com massa amostra de grafite relativamente elevada (400 mg) em sistema fechado sob pressão de O2 (10 bar). Após a oxidação completa da matéria orgânica, a determinação quantitativa dos REE foi realizada utilizando apenas uma solução diluída de HNO3 (3 mol L-1), além da adição de 200 µL de HCl pipetados sobre a amostra. Além disso, o método proposto foi considerado adequado para a determinação de todos os analitos investigados por USN-ICP-OES na grafite.

Agradecimentos

À Universidade Federal de Santa Maria pela oportunidade e ao Instituto Federal do Rio Grande do Sul pelo auxílio na apresentação deste trabalho.

Referências

Cruz, S. M., Schmidt, L., Dalla Nora, F. M., Pedrotti, M. F., Bizzi, C. A., Barin, J. S., Flores, E. M. M. Microwave-induced combustion method for the determination of trace and ultratrace element impurities in graphite samples by ICP-OES and ICP-MS, Microchemical Journal 123 (2015) 28-32.

Bizzi, C. A ; Cruz, S. M. ; Schmidt, L. ; Burrow, R. A. ; Barin, J. S. ; Paniz, J. N. G.; Flores, E. M. M. Maxwell-Wagner Effect Applied to Microwave-Induced Self-Ignition: A Novel Approach for Carbon-Based Materials. ANALYTICAL CHEMISTRY, v.90, p. 4363-4369,2018.

Flores, E. M. M. Microwave-assisted sample preparation for trace element determination, Elsevier, Amsterdam, 2014, 416 p.

Zlotorzynski, A. The application of microwave radiation to analytical and environmental chemistry, Critical Reviews in Analytical Chemistry 25 (1995) 43-76.

Menéndez, J. A., Arenillas, A., Fidalgo, B., Fernández, Y., Zubizarreta, L., Calvo, E. G., Bermúdez, J. M. Microwave heating processes involving carbon materials, Fuel Processing Technology 91 (2010) 1-8.

Menéndez, J. A., Juárez-Pérez, E. J., Ruisánchez, E., Bermúdez, J. M., Arenillas, A. Ball lightning plasma and plasma arc formation during the microwave heating of carbons, Carbon 49 (2011) 346-349.

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