Liofilização na produção de sólido em pó, a partir de extrato de plantas não comestíveis, para uso como indicador de ácido e base em aulas contextualizadas de química

ISBN 978-85-85905-23-1

Área

Ensino de Química

Autores

Faria, A.G.V. (INSTITUTO FEDERAL DE MATO GROSSO DO SUL) ; Rosa, B.K.P. (INSTITUTO FEDERAL DE MATO GROSSO DO SUL) ; Recena, M.C.P. (2UNIVERSIDE FEDERAL DE MATO GROSSO DO SUL – PPG EM)

Resumo

Procurando identificar espécies vegetais, não comestíveis, que apresentassem a capacidade indicadora para ácidos e bases, coletamos algumas espécies de plantas, preparamos extratos aquosos a partir das plantas coletadas, testamos esses extratos diante de soluções ácidas e básicas, foi feita a classificação das espécies conforme os resultados apresentados nos testes, foi selecionada a espécie de melhor característica indicadora, que teve o seu extrato crio-dissecado em aparelho liofilizador, originando um pó indicador desidratado que foi utilizado em aulas de Química. Nossos resultados apontam que o pó indicador produzido não sofreu degradação por ação energética natural e passa a ser uma boa ferramenta pedagógica em aulas contextualizadas.

Palavras chaves

Ensino de química; indicador natural; contextualização

Introdução

A Química é uma ciência que investiga conceitos submicroscópicos e a compreensão desses conceitos exige fazer uso de abstrações, e isso pode ser um dos motivos que provoca a falta de interesse em estudantes do ensino médio em aulas de química. Conceitos que envolvem essa ciência, muitas vezes são compreendidos com dificuldades, e essas dificuldades podem fazer com que os alunos não percebam a importância dos conhecimentos químicos. Uma maneira de aproximar fenômenos submicroscópicos com a realidade macroscópica é a utilização de aulas experimentais relacionadas a temas vistos em sala. Relacionar a prática com a teoria, pode também ajudar na construção do aprendizado (MERÇON, 2003). Um dos conteúdos que fazem parte do currículo de alunos do primeiro ano do ensino médio são os conceitos de ácidos e bases. Juntamente com esse tema, pode ser trabalhado também assuntos que envolvem escala de pH e indicadores. Uma forma de tornar a aula mais atrativa é a realização de atividades práticas sobre temas vistos em sala. Com aulas experimentais, é possível despertar o interesse de alunos que de outra forma poderiam não se motivar. O uso de extratos de vegetais como indicadores naturais pode ser uma maneira eficiente de apresentar o conteúdo de ácido e base, pois se utiliza de materiais acessíveis e de baixo custo, além de poder contextualizar com o cotidiano do aluno, e assim, facilitar a compreensão dos conceitos químicos envolvidos. Quando se trata de indicadores naturais, Peruzzo e Canto (2006) mencionam o uso do extrato do repolho roxo e Santos e Mól (2013) até mostra um roteiro de como fazer os testes de acidez e basicidade utilizando esse extrato. Essa questão é discutida também em alguns artigos como o de Silva et al (2009) e Marques et al (2011), que além do repolho roxo, testaram outros vegetais, usados na alimentação que também apresentavam a capacidade indicadora. Porém, utilizarmos alimentos para outros fins pode não ser uma medida apropriada, uma vez que os extratos são usados com outros compostos químicos, que mesmo sendo de uso cotidiano, não permitiria o seu reaproveitamento, restando somente o descarte ao fim das atividades. Utilizar vegetais não comestíveis em aulas que envolvem esses conceitos evita desperdício de alimentos, é fácil de ser utilizado e permite conhecer novas aplicações para plantas e flores encontradas no cotidiano dos estudantes. Objetivando uma maneira de uso de materiais acessíveis para a realização de aulas práticas envolvendo os conceitos de ácidos, bases, indicador e escala de pH, investigamos algumas espécies vegetais não comestíveis, que pudessem apresentar a capacidade indicadora. Os testes consistiam na produção de extratos aquosos de partes desses vegetais, para verificar se ocorreria variação de cor em presença de soluções de ácidos e bases. Entre as analisadas a flor que apresentou o melhor resultado nos testes foi a azul feijão borboleta (Clitoria ternatea), pois em diferentes pH ela apresentava cores distintas, possibilitando indicar se a substância testada apresentaria caráter ácida, neutro, básico, além de poder indicar a força desse caráter. Extratos indicadores naturais sofrem degradação por exposição à luz e calor e esse costuma ser um impeditivo para o seu uso contínuo em aulas experimentais de Química. A produção desses extratos precisa ser feita todas as vezes que necessitar de seu uso e consumido imediatamente a pós a sua produção, pois sua degradação é muito rápida. Nesse trabalho procuramos produzir indicadores para ácidos e bases, de baixo custo e fácil produção, que não fossem preparados a partir de alimentos e que não sofressem degradação por processos energéticos. Para isso utilizamos a crio-dissecação de extratos aquosos de espécies vegetais. O processo de liofilização ou crio-dissecação consiste em retirar a água de substâncias congeladas. Para acontecer essa desidratação, as substâncias são mantidas em um liofilizador, aparelho que possibilita a dissecação, a temperatura inferior ao seu ponto de solidificação e a baixa pressão. Nessas condições, acontece a sublimação da água presente na amostra (VIEIRA; NICOLETE; TELIS, 2012). Esse é um processo muito utilizado na indústria alimentícia, pois é uma maneira de conservar os alimentos por mais tempo sem ter grande perda do seu valor nutricional (OLIVEIRA et al., 2013). Sabendo disso, optamos por liofilizar os extratos indicadores, pois assim como nos alimentos, nós queríamos aumentar seu tempo de conservação. O processo de liofilização de nossos extratos produziu um sólido pulverizado que, assim, poderia ser reidratado sempre que necessitássemos seu uso como indicador ácido e básico. Além de retardar o processo de degradação, a desidratação dos extratos não afetou o desempenho da substância indicadora presente no extrato.

Material e métodos

Buscando encontrar plantas que apresentassem a capacidade indicadora para ácidos e bases, foram realizadas coletas de espécies vegetais, preparação de seus extratos, testagem diante de soluções ácidas e básicas, classificação das espécies de acordo com os resultados apresentados, seleção da espécie de melhor característica indicadora, produção de seus extratos, crio-dissecação em aparelho liofilizador, produção de pó indicador desidratado e seu uso em aulas de Química. Entre as plantas coletadas foi escolhida, para a preparação do pó indicador, a flor azul feijão borboleta, pois apresentou o melhor resultado como indicadora para ácido e base. Essa é uma planta comumente encontrada na região em que a pesquisa foi realizada é espécie típica de regiões tropicais, principalmente do Nordeste semiárido brasileiro, porém, possui grande facilidade em se adaptar a solos e climas diferentes. Essa planta é uma leguminosa, suas flores são de coloração azul bastante chamativa (Figura 1) e, por ser uma espécie trepadeira que floresce o ano todo, ela é utilizada como planta ornamental (BRAGA et al., 1989). Após a coleta, as espécies foram identificadas de acordo com seus nomes comuns e científicos, as flores foram separadas em função de sua cor predominante e levadas ao laboratório de Química do Instituto Federal de Mato Grosso do Sul - IFMS campus Coxim para produção de seus respectivos extratos aquosos. Os extratos foram classificados de acordo com os resultados obtidos. A primeira parte do procedimento laboratorial consistiu na separação de suas partes por cor, que após pesagem foram maceradas em água, dessa forma extraindo a substância indicadora presente. Os extratos produzidos foram filtrados, tendo os seus resíduos sólidos descartados, e testados em solução ácida de pH igual a 1 e solução básica de pH igual a 13. Todo o processo necessitou ser realizado ao menor tempo possível para diminuir os efeitos da degradação do extrato em decorrência da luz e do calor. Os extratos, assim que produzidos, foram protegidos da luz e imediatamente congelados a - 8°C. O recipiente em que se encontravam foram escolhidos de forma a terem ampla área de abertura superficial, o que possibilita maior eficiência no processo de crio-dissecação. Depois de congelados, os extratos são colocados no liofilizador por um período de 48 horas, mantidos em ambiente sem luz. Após o tempo de crio-dissecação o produto liofilizado formou um pó cristalino que foi retirado do liofilizador, sua massa foi verificada, posteriormente armazenado em eppendorf, protegido de luz e mantido em refrigeração à temperatura de -8°. Esse pó foi reidratado e posto em solução de ácido e de base como forma de verificação de sua capacidade indicadora.

Resultado e discussão

Na realização de nosso trabalho foram coletadas dezessete espécies de flores, encontradas na região em que a pesquisa foi executada. Todas as espécies coletadas foram levadas ao laboratório e extratos de suas partes foram preparados em água destilada para testagem de suas capacidades indicadoras. Para verificar essa capacidade os extratos foram testados em solução de ácidos de pH 1 e solução de base de pH 13. Após essas etapas as plantas foram identificadas de acordo com sua espécie e classificadas quanto a sua capacidade de indicadora em ácida ou base. Durante os testes foi possível observar quatro tipos de resultados: extratos indicadores de ácido; extratos indicadores de base; extratos não indicadores; extratos indicadores de ácido e de base. Os extratos indicadores de ácido são os que só modificaram a sua coloração quando colocados em soluções ácidas, não modificando a sua coloração quando em solução básica. As espécies vegetais que apresentaram essa característica, foram a flor perpetua brava branca (Gomphrema celosioides) e o espinho da casca do urucum (Bixa orellana) Os extratos indicadores de base são os que só modificaram a sua coloração quando colocados em soluções básica, não modificando a sua coloração quando em solução ácida. As espécies vegetais que apresentaram essa característica, foram a flor crista de galo (Celosia argentea), flor de cera (Hoya publicalix), flor vinca branca (Catharanthus roseus) e a flor do cacto palma (Opuntia ficus-indica) Os extratos não indicadores são os que não modificaram a sua coloração quando colocados em soluções ácidas e não modificaram a sua coloração quando em solução básica. As espécies vegetais que apresentaram essa característica, foram a flor do pequi (Caryocar brasiliense), casca do fruto do urucum (Bixa orellana), flor margarida mexicana (Tithonia rotundifolia) e a flor perpetua brava rosa (Gomphrema celosioides) Os extratos indicadores de ácido e base são os que só modificaram a sua coloração quando colocados em soluções ácidas e também quando colocados em solução básica. As espécies vegetais que apresentaram essa característica, foram a casca e o interior vermelho da flor de monguba (Pachira aquática), flor corda-de-viola (Ipomoea cairica), planta tapete (Episcia cupreata), flor feijão de borboleta (Clitoria ternatea), flor perpétua brava roxa (Gomphrema celosioides), terramicina (Alternanthera dentada), trapoeraba roxa (Tradescantia pollida). Dentre as espécies analisadas chama a atenção da Gomphrema celosioides que na sua versão branca se mostro boa indicadora para ácidos, versão rosa não apresentou características indicadoras e a versão roxa poderia ser utilizada tanto como indicadora de ácidos como de bases. Tendo selecionada a flor azul feijão borboleta, por ter apresentado um bom resultado, algumas amostras dessa espécie foram coletadas e 3,688 g de suas pétalas foram pesadas e utilizada no prepara de extrato. Após a filtração e liofilização do extrato foi verificado que a massa do resíduo sólido liofilizado era de 0,302 g o que indicaria um rendimento de 8,189%. Esse procedimento foi repetido outras cinco vezes, sempre com a massa de pétalas próximo de 3,688 g e o rendimento do pó indicador produzido se manteve na casa de 8 %. O processo de liofilização foi realizado várias vezes até conseguirmos achar o tempo certo em que o extrato ficasse totalmente liofilizado. Em primeiro momento fizemos durante um período de 24 horas, e observamos que os extratos não resultavam em pó, ficavam com um aspecto pastoso, ou seja, ainda estaria úmido. Repetimos o procedimento aumentando o tempo de liofilização por um período de 30 horas, e observamos que o extrato ainda continuou com um aspecto pastoso. Depois foi testada liofilização durante um período de 38 horas e observamos que alguns extratos resultaram em pó e outros ainda com o aspecto pastoso. E por fim utilizamos a liofilização por um período de 48 horas, e então todas as amostras resultaram somente em pó. Durante a execução do trabalho percebemos que tanto as flores depois de coletadas e os extratos depois de produzidos sofriam degradação em pouco tempo. Na literatura encontramos vários exemplos de indicadores naturais que sofrem o mesmo problema. Durante a execução do projeto algumas amostras foram perdidas e tivemos que as reidratar e liofiliza-las novamente. Pois quando tiramos as amostras do liofilizador, elas entram em contato com o ar e automaticamente absorviam umidade. Foi então que percebemos que tirar a amostra do liofilizador e colocar no eppendorf deveria ser feita de maneira rápida, pois se ela adquirisse muita umidade teria que ser liofilizada novamente. O extrato liofilizado e guardado de maneira correta pode ser utilizado até seu fim. Durante oito meses o pó liofilizado produzido foi testado em soluções ácida e sua coloração correspondia a mesma coloração obtida quando do primeiro teste, ainda como extrato recém produzido. Esse resultado se manteve quando o teste foi feito com solução básica. Essa questão indica que a degradação, própria dos extratos indicadores naturais, não mais ocorreu. Esse fato possibilita o seu uso a qualquer momento sem a preocupação com a degradação natural, provocada por questões energéticas. O pó indicador, produzido a partir dos extratos, foi reidratado e utilizado em aulas de Química. Os estudantes tiveram contato com a planta, utilizada no seu preparo, e aprenderam a preparação do extrato, em seguida o pó reidratado e o extrato produzido a partir da planta foram testados em soluções de ácido e base e na comparação de seus resultados não foi percebida diferenças na coloração. Estudantes na aula foram instruídos sobre as etapas do processo de preparo do pó indicador e conheceram uma nova aplicabilidade para a flor azul feijão borboleta o que permitiu contextualizar a aula e tornar alguns conteúdos de química mais próximos do cotidiano do estudante.

Figura 1: Flor azul feijão borboleta.

Espécie Clitoria ternatea que faz parte da família Fabaceae e é uma planta comumente encontrada na região em que a pesquisa foi realizada

Conclusões

O uso de extratos indicadores naturais é comum em aulas de química do ensino básico, porém costumam ser preparados com espécies vegetais utilizadas como alimentos e sofrem rápida ação de degradação. Nosso trabalho conseguiu resolver esses dois problemas, uma vez que utilizou plantas não comestíveis nos testes e nossos indicadores se conservaram por vários meses sem que o tempo afetasse o resultado de sua utilização. Sendo assim, nosso pó indicador, produzido a partir de extrato aquosos da flor azul feijão borboleta, pode ser utilizado em aulas de química do ensino básico, quando envolver conteúdos sobre ácidos, bases, pH e indicadores. O pó indicador produzido passa a ser uma boa maneira de contextualização dessas aulas, permitindo que o professor aproxime os conceitos submicroscópicos, próprios da Química, com o macroscópico verificado em experimentos laboratoriais, tornando as aulas mais atraentes e relacionando os conteúdos trabalhados com o cotidiano dos estudantes.

Agradecimentos

Instituto federal de Mato Grosso do Sul - PROPI/IFMS edital nº 035-2017, CNPq e PPEC - Doutorado em Ensino de Ciências UFMS

Referências

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