Estudo da hidrólise de partículas de P(VAc-co-MMA) utilizadas em processos de embolização vascular

ISBN 978-85-85905-25-5

Área

Materiais

Autores

Pinto, J.C. (COPPE/UFRJ) ; Azevedo, G.D. (UFRJ)

Resumo

Copolímeros de poli(acetato de vinila) são utilizados em algumas aplicações médicas, incluindo procedimentos de embolização vascular. Entretanto, a hidrólise desses copolímeros é fundamental no que tange o controle da hidrofilicidade do material. Neste trabalho, a hidrólise alcalina de micropartículas de P(VAc-co-MMA) foi realizada em diferentes condições de temperatura, tempo de reação e concentração de base. Foi possível observar elevadas conversões de PMMA para maiores tempos de reação, enquanto as cadeias de PVAc hidrolisam preferencialmente em tempos mais curtos. Adicionalmente, a temperatura e a concentração de base são variáveis importantes na hidrólise de cadeias de PVAc, o que não é observado para a hidrólise de cadeias de PMMA.

Palavras chaves

hidrólise; P(VAc-co-MMA); embolização vascular

Introdução

O uso de polímeros em aplicações médicas e farmacêuticas vem crescendo vertiginosamente nos últimos anos, especialmente em procedimentos de embolização vascular (EV). O desafio reside em desenvolver agentes embólicos com características morfológicas adequadas para tornar a aplicação do material segura e reprodutível. Nesse contexto, partículas de poli(álcool vinílico) (PVA) são largamente empregadas como agentes embólicos, entretanto, a morfologia irregular e a elevada hidrofilicidade do material podem causar sérios problemas durante a aplicação (MENDES et al., 2005; RASULI et al., 2008). A solução para esse problema é a produção de partículas esféricas de poli(acetato de vinila) (PVAc) através do processo de polimerização em suspensão do acetato de vinila (VAc), seguida da hidrólise alcalina parcial das partículas produzidas. A polimerização em suspensão do VAc permite a produção de partículas esféricas de PVAc, dada a solubilidade do PVAc em seu monômero (polimerização do tipo pérola) (BROOKS, 2010), enquanto a hidrólise parcial das partículas de PVAc permite a obtenção de um material com morfologia casca/núcleo, uma vez que a hidrólise restringe-se somente à superfície ("casca") das partículas, formando um material com "núcleo" de PVAc e uma "casca" de PVA. Essa morfologia é fundamental para o controle da hidrofilicidade do material e, consequentemente, do grau de inchamento das partículas quando em contato com o sangue, além de evitar aglomeração das partículas durante a aplicação (PEIXOTO et al., 2009; PEIXOTO et al., 2011). Por conta da temperatura de transição vítrea (Tg) do PVAc ser muito baixa (aproximadamente 35 °C) (BRANDRUP et al., 1974), as partículas de PVAc são formadas num estado borrachoso, facilitando sua aglomeração durante a polimerização. Uma alternativa para resolver este problema é a copolimerização do PVAc com polímeros que apresentem elevadas temperaturas de transição vítrea e, ao mesmo tempo, sejam biocompatíveis, como o poli(metacrilato de metila) (PMMA) (OLIVEIRA et al., 2011). A hidrólise alcalina do PVAc já foi estudada por diversos autores em diferentes condições reacionais (FATERPEKE e POTNIS, 1981; OLIVEIRA et al., 2015; WADSÖ e KARLSSON, 2013). Em copolímeros de poli(etileno tereftalato) (PET) graftizados com PVAc, por exemplo, a hidrólise alcalina resultou em modificações indesejadas nas propriedades do material, além de baixas conversões de grupamentos acetil (FATERPEKE e POTNIS, 1981). No que tange a produção de micropartículas para aplicações em procedimentos de EV, a hidrólise do PVAc resultou na produção de cadeias maiores de polímeros após a hidrólise devido à reticulação causada pela etapa de transferência para o polímero, característica da polimerização do VAc, e também na produção de cadeias menores por clivagem. Além disso, os autores concluíram que o tempo de reação e a concentração de base exerceram grande influência na massa molecular dos polímeros hidrolisados. Por outro lado, nas condições avaliadas, as variáveis estudadas não exerceram influência significativa no grau de hidrólise das partículas, indicando que condições mais severas devem ser avaliadas para a obtenção de elevados graus de conversão na etapa de hidrólise. Já em relação ao PMMA, diversos autores relatam a hidrólise desse polímero em meio ácido (HAN et al., 2014; BROWN et al., 2006). Embora haja diversos estudos em relação à hidrólise dos homopolímeros PVAc e PMMA, não há estudos relacionados à hidrólise de copolímeros de poli(acetato de vinila-co-metacrilato de metila) (P(VAc-co-MMA)). Nesse sentido, o objetivo desse trabalho é avaliar a hidrólise de copolímeros de P(VAc-co-MMA) em diferentes condições de temperatura, concentração de base e tempo de reação e a influência destas variáveis na conversão das cadeias de PVAc e PMMA e na massa molar dos copolímeros hidrolisados. Embora a hidrólise alcalina de PVAc seja largamente estudada na literatura, os efeitos da presença de cadeias de PMMA no material permanecem desconhecidos.

Material e métodos

Materiais: Hidróxido de potássio (KOH, 85%), ácido sulfúrico (H2SO4, 95%), peróxido de benzoíla (BPO, 25% de umidade), poli(álcool vinílico) (PVA, grau de hidrólise de 88% e massa molar ponderal média de 2,5×104 g.mol-1) e hidroquinona (HQ, 99%), metacrilato de metila (MMA, 99%), acetato de vinila (VAc, 99%), ácido clorídrico (HCl, 37%), ácido acético glacial (HAc, 99,8%) e hexano (95%), dicromato de potássio (K2Cr2O7, 99%) foram utilizados sem etapas prévias de purificação. Síntese das micropartículas de P(VAc-co-MMA): A produção das partículas de P(VAc-co-MMA) foi feita através da reação de copolimerização em suspensão do VAc e do MMA em um reator de borosilicato de 1,0 L de capacidade com uma tampa metálica na parte superior, onde um termopar, um condensador de refluxo e um agitador mecânico foram acoplados. Água foi utilizada como fluido de resfriamento, a uma temperatura de 10 °C, para evitar a perda de monômero durante a reação,enquanto uma solução aquosa de etilenoglicol (1:1) foi utilizada como fluido de aquecimento para manter o reator a uma temperatura constante de 80 ºC. Hidrólise das micropartículas de P(VAc-co-MMA) As micropartículas de P(VAc-co-MMA) foram submetidas a uma reação de hidrólise alcalina. A reação foi realizada em um reator de vidro de 100 mL de capacidade, onde aproximadamente 1,0 g das micropartículas foram suspensas em uma solução de KOH. Os parâmetros avaliados nessa etapa foram: o tempo de reação (0,5 e 1,5 horas); a concentração da solução alcalina (10 e 30% em massa) e a temperatura da reação (30 e 50 ºC). As reações foram conduzidas de acordo com um planejamento experimental fatorial com três variáveis em dois níveis, resultando em oito experimentos (23). Além disso, duas réplicas no ponto central do planejamento foram realizadas a fim de se obter os erros experimentais do procedimento, resultando num total de 11 experimentos. Determinação da conversão das cadeias de PMMA A determinação da conversão das cadeias de PMMA foi feita através da técnica de espectroscopia no ultravioleta. De acordo com o mecanismo geral proposto para a reação de hidrólise de ésteres, um dos produtos dessa reação é um álcool. No caso do PMMA, o álcool formado é o metanol, e sua presença na solução pode ser confirmada pela sua oxidação à ácido metanóico em presença de ácido sulfúrico e dicromato de potássio. A mudança na coloração indica a redução dos íons Cr+6 para Cr3+. A determinação de Cr3+ foi feita por espectroscopia UV no comprimento de onda de 352 nm. Determinação da conversão de PVAc . Como um dos produtos da hidrólise do PVAc é o íon acetato, a solução obtida após a reação foi acidificada com HCl concentrado e levada a um cromatógrafo à gás para quantificação do ácido acético formado. Uma curva de calibração foi construída utilizando hexano como padrão interno.

Resultado e discussão

A síntese das micropartículas de P(VAc-co-MMA) foi realizada em um reator de 1,0 L de capacidade. A conversão obtida na reação foi de aproximadamente 60 %. Isso se deve às reatividades dos monômeros VAc e MMA. Já é bem discutido na literatura que o MMA é cerca de mil vezes mais reativo que o VAc (DOSSI et. al., 2010; SCORAH et al, 2001; BRAR e CHARAN, 1993). Sendo assim, como a receita inicial da reação de copolimerização contem muito menos MMA que VAc (70% em massa de VAc e 30% em massa de MMA), ocorre um consumo preferencial do MMA, formando partículas mais ricas em PMMA e, consequentemente, reduzindo a conversão global do processo. A composição das micropartículas obtidas foi determinada pela técnica de ressonância magnética nuclear (H- RMN), apresentando uma composição em cerca de 86,77% de PMMA e 13,23% de PVAc (base molar). A Figura 1 traz a conversão das cadeias de PMMA após a reação de hidrólise em cada um dos experimentos realizados. É possível perceber que o meio alcalino não favorece a conversão das cadeias de PMMA, uma vez que as conversões obtidas, independente das condições avaliadas, foram todas muito baixas, inferiores à 1,0 %. Uma possível explicação para esse fato é a localização das cadeias de PMMA mais para o interior das micropartículas e menos na superfície, como resultado de uma segregação de fases. Como as micropartículas ficam suspensas na solução alcalina, sem haver dissolução, a reação é limitada por efeitos difusivos, o que dificultaria a conversão das cadeias de PMMA se as mesmas se localizassem mais no interior das partículas. Uma análise estatística mais criteriosa dos dados, a partir da construção de um modelo empírico não-linear, revela que o tempo é uma variável muito importante na hidrólise das cadeias de PMMA. Nesse sentido, quando elevados tempos de reação foram utilizados (H8), obteve-se uma maior conversão de cadeias de PMMA ligeiramente mais elevada, fruto da maior concentração de metanol no sobrenadante. Outro fato interessante observado é que a combinação de baixos tempos de reação com baixas temperaturas (30 minutos e 30 ºC, por exemplo) levaram à menores conversões de PMMA. Na realidade, o modelo empírico não-linear construído mostra que a temperatura só exerce efeito significativo na hidrólise das cadeias de PMMA se avaliado em sinergia com o tempo ou com a concentração de KOH. Quando avaliado isoladamente, a temperatura parece não exercer efeito significativo na hidrólise das cadeias de PMMA. Nesse ponto, é importante destacar que, uma vez que as conversões calculadas foram todas muito próximas, o modelo empírico não-linear é, invariavelmente, menos sensível às variáveis analisadas. A Figura 2 traz a conversão das cadeias de PVAc após a reação de hidrólise. Pode-se perceber que, diferentemente do que foi observado para as cadeias de PMMA, as cadeias de PVAc foram muito mais suscetíveis à reação de hidrólise alcalina. Do ponto de vista da aplicação desejada para o material (procedimentos de embolização vascular), esse resultado é interessante, uma vez que a a hidrólise do material deve ser limitada somente à casca do material, promovendo uma hidrólise apenas parcial para melhor controle do grau de inchamento das micropartículas quando em contato com o sangue. A análise dos resultados obtidos no gráfico, bem como uma avaliação estatística mais detalhada a partir da construção de um modelo empírico não-linear mostra que o tempo de reação mostra uma correlação inversa com o grau de conversão das cadeias de PVAc. Nesse sentido, observa-se que a temperatura e a concentração de KOH são variáveis importantes no que tange a conversão das cadeias de PVAc, apresentando efeitos sinergéticos significativos. Além disso, o tempo de reação, no modelo não-linear construído, apresentou-se com uma relação inversa à conversão de PVAc: maiores tempos de reação resultaram em menores conversões de cadeias de PVAc. Isso pode ser justificado pela ocorrência de reações laterais indesejadas durante o processo. PALMER e DRUMMOND (1986) relatam que, em meios fortemente alcalinos, os íons acetato podem ser convertidos em metano e íons carbonato. Portanto, a ocorrência de reações laterais pode levar a uma leitura incorreta da concentração de ácido acético por cromatografia gasosa e, consequentemente, numa avaliação imprecisa da conversão de PVAc.

Conversão de PMMA

Figura 1 - Conversão das cadeias de PMMA

Conversão de PVAc

Figura 2 - Conversão das cadeias de PVAc

Conclusões

A síntese das micropartículas de P(VAc-co-MMA) foi realizada em um reator de 1,0 L de capacidade. Foi possível mostrar que a conversão obtida no processo encontra-se de acordo com aquelas já relatadas previdamente na literatura, entre 50 e 60%. Isso se deve à maior reatividade do MMA frente ao PVAc e, uma vez que o MMA encontra-se em menor proporção na receita reacional, a tendência é que, ao promover um maior consumo das cadeias ativas de PMMA, as cadeias de VAc permaneçam sem reagir. Por conta disso, o copolímero formado apresentou uma maior composição em PMMA (em torno de 84% em base molar). A hidrólise das micropartículas de P(VAc-co-MMA) foi realizada em meio alcalino em diferentes condições de temperatura, tempo de reação e concentração de hidróxido de potássio. Foi possível observar que a conversão global da reação foi baixa, dado que as micropartículas eram originalmente mais ricas em PMMA e este polímero não hidrolisa com facilidade em meio básico. Além disso, a hidrólise das micropartículas restringiu-se somente à superfície da mesma, fruto das limitações difusionais existentes, o que é positivo do ponto de vista da aplicação pretendida para o material. A análise estatística também mostrou que não somente a hidrólise das cadeias de PVAc ocorreu em maiores extensões, como também a concentração de KOH e a temperatura mostraram-se particularmente importantes nesse processo.

Agradecimentos

Os autores agradecem ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) pelo apoio financeiro.

Referências

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