ÁREA: Química Tecnológica

TÍTULO: Hidrólise ácida de bagaço de cana de açúcar incentivada por microondas

AUTORES: JERMOLOVICIUS, L. A. (CEUN-IMT) ; NASCIMENTO, R. B. (CEUN-IMT) ; SENISE, J. T. (CEUN-IMT)

RESUMO: Foi realizado um experimento exploratório visando verificar se a hidrólise de bagaço de cana de açúcar sob campo de microondas permite um processamento mais rápido que o praticado com hidrólise enzimática. Para tanto, executou-se uma otimização, pelo método Simplex, das condições de potência de microondas aplicada e de concentração de ácido do meio hidrolítico. Na região de ótimo, obteve-se, em 15 minutos de irradiação a 450 – 550 W de microondas de 2,45 GHz, a conversão total da hemicelulose e celulose, além de parte da lignina do bagaço.

PALAVRAS CHAVES: biomassa, hidrólise, microondas

INTRODUÇÃO: Os combustíveis alternativos, especificamente do etanol, são um marco tecnológico e um grande trunfo para o progresso do Brasil. A demanda por álcool etílico promoveu a necessidade da melhor utilização da sua matéria prima, a cana de açúcar, pois de 1 tonelada de cana se extrai apenas 0,25 t de caldo com os açúcares fermentáveis, restando 0,47 t de bagaço a 50 % de umidade e 0,28 t de palha a 15 % de umidade (KITAYAMA, 2007). Como estes resíduos são constituídos majoritariamente por celulose, surgiu o desafio de transformá-los em açúcares fermentáveis.
Há processos de hidrólises ácida e enzimática para tanto (EPO, 2009). Os mais numerosos são os enzimáticos, devido à sua habilidade de hidrolisar frações cristalinas da celulose que é dificilmente hidrolisada por agentes hidrolíticos ácidos (ZHAO, 2006). A hidrólise ácida ainda apresenta o problema da decomposição dos carboidratos em furfural e 4-hidroximetilfurfural (SUN. 2002).
O processamento com enzimas requer que as hemiceluloses sejam removidas. Tal remoção é feita por hidrólise ácida (GAMÉZ, 2006; GRIFFIN, 2004; TURGET, 2001). Esta etapa preliminar, com concentração de ácido da ordem de 0,001 a 0,3M demora de 2 horas (GRIFFIN, 2004) a 5 horas (GÁMEZ, 2006, TURGET, 2001, HERNÁNDEZ-SALA, 2009) para conversões de cerca de 60 % da hemicelulose presente (TURGET, 2001). Já a hidrólise enzimática é mais demorada, cerca de 40 horas (SCOTT, 2009; LEVIE, 2008), 56 horas (HILL, 2008) e até mais de 100 horas (GUSAKOV, 2007; TOLAN, 2007).
Com a produção brasileira de 400 milhões de toneladas anuais de bagaço e palha de cana de açúcar (ANÁLISE, 2008), necessita-se de um processo mais ágil que a hidrólise enzimática para hidrolisar toda esta biomassa. Como as reações químicas processadas sob campo de microondas são mais rápidas que nas condições convencionais (SENISE, 2004), idealizou-se o presente estudo preliminar.


MATERIAL E MÉTODOS: O estudo exploratório, mais especificamente a aplicação do método Simplex (BARROS, 1995) à hidrólise ácida de bagaço de cana de açúcar incentivada por microondas foi realizado em um forno para digestão de amostras Milestone ML 1200. Trata-se de um forno comercial de microondas especialmente dimensionado para resistir às exigências de segurança de trabalho em laboratório químico. Além da câmara de irradiação e gerador de microondas de 2,45 GHz de potência regulável até 1200W, possui um rotor em polipropileno no qual se posicionam e se comprimem por meio de parafusos seis vasos de digestão, permitindo a pressurização destes até 100 bar. Estes vasos são de 100 mL, em Teflon, contidos em uma armadura de resina poli (eter-eter cetona) – PEEK – e fechados por uma tampa de Teflon com fecho de pressão em PEEK.
Cada vaso de Teflon foi carregado com 0,40±0,01 g de bagaço de cana seco ao ar, 5,00±0,01 g de solução de ácido clorídrico 0,07 M (pontos 3, 4, 6 e 8) ou 0,11 M (demais pontos) de forma a obter a concentração de ácido definida na tabela I. Devidamente fechados e acomodados no rotor, os seis vasos foram irradiados com microondas, durante 15 minutos, nas condições da tabela I. Após resfriados, os hidrolisados foram filtrados e os resíduos sólidos secos em estufa a 100 oC. Com o valor da massa residual calculou-se a conversão de bagaço em hidrolisado. Na tabela I, são apresentados os valores desta conversão obtida e a evolução do Simplex até atingir a região de ótimo (pontos 7 a 9).
Considerando que o bagaço foi processado com extrema compressão e lavagem com água para extração de seu sumo, admitiu-se, a nível exploratório, a hipótese simplificadora de que os extrativos estejam presentes em proporções irrisórias. Assim, caracterizou-se o bagaço pelo teor de lignina (HALWARD, 1975), cujo complemento seria, nesta simplificação, o teor de holocelulose. O teor de lignina determinado foi de 34,0 % em base seca.


RESULTADOS E DISCUSSÃO: Na tabela I estão reunidos os dados de evolução do Simplex e as conversões de bagaço de cana em hidrolisado obtidas em 15 minutos de irradiação nas condições acima descritas.
Observa-se que há uma tendência da incerteza da conversão aumentar quando o valor da potência aplicada é elevado. Este fato pode ser atribuído à heterogeneidade da distribuição da energia de microondas dentro da cavidade de irradiação, que, consequentemente, submete alguns vasos de digestão a uma densidade energética maior.
Considerando que o bagaço utilizado apresentava 34 % de lignina, a hidrólise total de sua hemicelulose e celulose (holocelulose) resultaria em uma conversão de bagaço no valor de 66 %. Na tabela I, constata-se que esta conversão foi ultrapassada nos pontos 7 a 9. Fato que permite afirmar que todo a hemicelulose e celulose foram hidrolisadas em apenas 15 minutos de irradiação por microondas. Mais precisamente, nos pontos 7, 8 e 9 houve até uma hidrólise da lignina, no valor de 21,0 % , 67,1 % e 66,0 %, respectivamente.

Tabela I: Simplex para hidrólise ácida incentivada por microondas de bagaço de cana.




CONCLUSÕES: Demonstrou-se que a hidrólise ácida incentivada por microondas é útil para a hidrólise de bagaço de cana de açúcar. Em apenas 15 minutos de irradiação sob um campo de microondas de 2,45 GHz, com potência aplicada de 450 a 550 W, foi possível hidrolisar toda a holocelulose e parte da lignina do bagaço. Note-se que nos processos de hidrólise enzimática, tal situação é atingida em dezenas de horas. O trunfo que as microondas apresentaram foi a facilidade de hidrolisar a celulose cristalina, que é uma estrutura difícil de hidrolisar de forma convencional.
Este experimento nos permite inferir três vantagens fundamentais: reação rápida, baixo consumo de ácido para catálise e processamento simples sem equipamentos complexos.


AGRADECIMENTOS: Os autores agradecem a colaboração de E. R. de Castro e L. F. B e Silva e o suporte financeiro do Instituto Mauá de Tecnologia – IMT e da FAPESP.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICA: ANÁLISE, 2008. Análise Energia – Anuário 2008, Brasil, pp 274.
BARROS NETO, B. B.; SCARMINIO, S.; BRUNS, R. , 1995. Planejamento e Otimização de Experimentos. Campinas, SP, Editora da UNICAMP, cap. 7.
EPO - EUROPEAN PATTENT OFFICE, 2009. http://v3.espacenet.com/searchResults?loc ale=en_EP&TI=lignocellulosic+hydrolysis, acessado em 18 de junho de 2009.
GÁMEZ, S.; GONZÁLES-CABRIALES, J. J.; RAMÍREZ, J. A.; GARROTE, G.; VÁZQUEZ, M. 2006. Study of the Hydrolysis of Sugar Cane Bagasse Using Phosphoric Acid. Journal of Food Engineering, 74, pp 78-88.
GRIFFIN, R.; NICHOLSON, C.; MOTT, C.; TOLAN, J. S., 2004. Method of Processing Lignocellulosic Feedstocks for Enhanced Xylose and Ethanol Production. US2004/0231661.
GUSAKOV, A. V.; SALANOVICH, T. N.; ANTONOV, A. I.; USTINOV, B. U.; OKUNEV, O., N., 2007. Construction of Highly Efficient Cellulase Compositions for Enzymatic Hydrolysis of Cellulose. US 2007/0238155.
HALWARD, A.; SANCHEZ, C, 1975. Métodos de Ensaios nas Indústrias de Papel. São Paulo, SP, Ed. Brusco, pp 96-98.
HERNÁNDEZ-SALAS, J. M.; VILLA-RAMÍREZ, M. S.; VELOZ-RENDÓN, J. S.; RIVERA-HERNÁNDEZ, K. N., GONZÁLEZ-CÉSAR, R. A.; PLASCENCIA-ESPINOSA, M. A.; TREJO-ESTRADA, S. R., 2009. Comparativr Hydrolysis and Fermentation of Sugarcane and Agave bagasse.Bioresource Technology, 100, pp1238-1245.
HILL, C.; SCOTT, B., TOMASEK, J., 2008. Process for Enzymatic Hydrolysis of Pretreated Lignocellulosic Feedstocks. Iogen Energy Co., US 2008/0057541.
KITAYAMA, O., 2007. Tecnologia e Operação de Unidade de Bioeletricidade a Partir de Biomassa de Cana-de-Açúcar – Condições Operacionais. Palestra proferida na Assembléia Legislativa de São Paulo.
LEVIE, B. E.; NEOGI, A. N.; DUFF, S. J. B; MAYOVSKY, J. E., 2008. Methods for Producing Hydrolysate and Ethanol from Lignocellulosic Materials. Weyerhaeuser Co., US 2008/0227161.
SCOTT, B. R.; HILL, C.H.; TOMASHEK, J.; LIU, C., 2009. Enzymatic Hydrolysis of Lignocellulosic Feedstocks Using Acessory Enzymes. Iogen Energy Co., US 2009/0061484.
SENISE, J. T.; JERMOLOVICIUS, L. A., 2004. Microwave Chemistry – A Fertile Field for Scientific Research and Industrial Applications. J. Microwave and Optoelectronics, 3, pp 97-112.
SUN, Y.; CHENG, J., 2002. Hydrolysis of Lignocellulosic Materials for Ethanol Production: a Review. BioresourceTechnology, 83, pp1-11.
TOLAN, J.; WHITE, T.; TOMASHEK, J., 2007. Enzyme Compositions for the Improved Hydrolysis of Cellulose and Methods of Using Same. Iogen Energy Co., WO 2007/147264.
TURGET, R. W., 2001. Aqueous Fractionation of Biomass Based on Novel Carbohydrate Hydrolysis Kinetics. Midwest Research Institute, US 6228177.
ZHAO, H.; KWAK, J. H.; WANG, Y.; FRANZ,J. A.; WHITE, J. M.; HOLLADAY, J. E., 2006. Effects of Crystallinity on Dilute Acid Hydrolysis of Cellulose by Cellulose Ball-Milling Study. Energy and Fuels, 20, pp 807-811.