ÁREA: Bioquímica e Biotecnologia

TÍTULO: Determinação da biointeração entre o peptídeo anticongelante Pa-MAP1 e membrana lipídica automontada

AUTORES: Nascimento, J.M. (UFPE) ; Oliveira, M.D.L. (UFPE) ; Franco, O.L. (UCB) ; Migliolo, L. (UCB) ; de Melo, C.P. (UFPE) ; Andrade, C.A.S. (UFPE)

RESUMO: Neste trabalho visamos decifrar o possível mecanismo de ação do peptídeo homólogo Pa-MAP1 presente no peixe antártico Pleuronectes americanus, através do estudo de modelos de membranas lipídicas por espectroscopia de impedância elétrica (EIE). A adição de Pa-MAP1 resultou numa diminuição drástica da resistência e numa mudança da heterogeneidade da membrana. Esses dados sugerem que o mecanismo de ação segue o modelo carpete. Assim, o Pa-MAP1 tem um enorme potencial de destruição da membrana, podendo ser utilizando como um novo agente microbiano.

PALAVRAS CHAVES: peptídeo anticogelante; mecanismo de ação; antimicrobiano

INTRODUÇÃO: Nos últimos anos, vários estudos têm sido direcionados aos peptídeos antimicrobianos (antimicrobial peptides – AMPs), os quais têm como alvo as membranas microbianas. A ação dos AMPS é devida a estrutura catiônica anfipática que possibilita a atração eletrostática por lipídios aniônicos presentes nos microorganismos, seguida pela penetração na membrana, formando poros e levando a morte celular (HALL et al., 2003). Outra classe de peptídeos multifuncionais que tem sido estudada, porém com menor intensidade, são os peptídeos anticongelantes (antifreeze peptides – AFPs). Estes são encontrados no sangue e/ou nos tecidos de organismos que vivem em ambientes congelados, inibindo o crescimento de cristais de gelo em seus fluidos. A família de AFPs tipo I tem sido comumente caracterizada a partir do peixe Pleuronectes americanus. A estrutura tridimensional deste peptídeo demonstra a semelhança com os AMPs, consistindo de uma α-hélice rica em alanina composta por 11 aminoácidos com três motivos de repetições imperfeitos (KUIPER et al., 2002). Estudos revelam que os AFPs podem interagir com membranas biológicas, sendo esta interação dependente da composição lipídica da membrana (TOMCZAK et al., 2002). Estas características tornam-se importantes para o desenvolvimento de novas moléculas eficientes contra uma ampla variedade de microorganismos patogênicos. Desta forma, este trabalho tem por objetivo decifrar o possível mecanismo de ação de um peptídeo análogo ao extraído do peixe antártico Pleuronectes americanus, chamado de Pa- MAP1, através do estudo com modelos de membranas lipídicas por Espectroscopia de Impedância Elétrica (EIE), monitorando a integridade da membrana em tempo real e fornecendo importantes contribuições para os tipos de danos celulares induzidos pelo AFP.

MATERIAL E MÉTODOS: As medidas de impedância elétricas foram realizadas em um analisador de impedância 1260 (Solartron,UK), variando-se a frequência de 1Hz-1MHz. Foram utilizados diferentes potenciais (0V, 0.5V e 1V) e uma amplitude de 100mV. Para a determinação das partes real e imaginária da impedância foi utilizado um sistema de placas paralelas, composto por duas placas de aço inoxidável com dimensões de 64 mm x 21 mm dispostas paralelamente a uma distância de 10 mm, as quais serviram como eletrodos. A limpeza do eletrodo foi realizada, sequencialmente, em clorofórmio e água deionizada imersos em banho ultrassônico. A formação das membranas de lipídica foi feita por auto-montagem com o fosfolipídio 1,2-dipalmitoil-sn-glicero-3-fosfatidilcolina (DPPC) pelo método de “dipping coating”. O sistema foi imerso em um béquer contendo 5 mL da solução de interesse para a realização das leituras. Inicialmente, o eletrodo foi imerso em uma solução de DPPC (1 mg/mL), onde foram realizadas medidas em um intervalo de tempo de 5 minutos. Após chegar ao tempo máximo da deposição (30 minutos), o eletrodo com a membrana foi transferido para um béquer contendo 5 mL da solução de AFP (0.1 mg/mL), onde foram realizadas medidas elétricas também a cada intervalo de 5 minutos. Antes da deposição da membrana lipídica foi realizada uma medida do eletrodo limpo (sem modificações) em água deionizada, a qual serviu como padrão para quantificar cada etapa de modificação. Todas as etapas de experimentação foram realizadas em triplicata à temperatura ambiente. As imagens de microscopia eletrônica de varredura (MEV) foram obtidas a partir de um microscópio JSM 5900 (JEOL Instruments, Japão) a uma voltagem de aceleração de 5 kV e uma distância de trabalho de 5 µM.

RESULTADOS E DISCUSSÃO: Dentre os mecanismos propostos para descrever os modos de ação dos AMPs, quatro modelos clássicos merecem destaque: os modelos barril, poro toroidal, carpete e detergente (HALL et al., 2003). A Figura 1a mostra a curva da resistência da membrana (Rm) versus o tempo de ação do Pa-MAP1. A adição de Pa-MAP1 resultou numa diminuição drástica da resistência da membrana no primeiro minuto de exposição, mantendo-se constante até o final do tempo de permanência (~50 minutos). Além disso, é possível observar que não houve variação aparente em relação à resistência da membrana na resposta impedimétrica sob os diferentes potenciais aplicados. Por outro lado, a ação do Pa-MAP1 induz a heterogeneidade da membrana com os valores de n apresentando mínimos entre 0,67 a 0,79 durante o período de exposição, onde os valores mais positivos causam uma maior alteração na homogeneidade da membrana (Fig. 1b). De acordo com o modelo carpete, os peptídeos se agregam após a ligação à bicamada, diminuindo assim a homogeneidade e resistência da membrana (CHANG et al., 2008). A recuperação na homogeneidade da membrana observada nos nossos experimentos pode ser explicada pela formação de “pequenos tapetes” dentro do primeiro minuto em alguns locais da membrana, causando a desestabilização, seguida pela redistribuição lateral de lipídios/peptídeos, uma vez que a membrana como um todo permanece intacta e ainda exibe uma resistência mensurável (CHANG et al., 2008). A superfície da membrana antes e após a exposição a Pa-MAP1 foi observada através de MEV (Fig. 2). A camada de lipídio aparece como uma superfície plana e lisa (Fig. 2a). Após a exposição a Pa-MAP1 a membrana tornou-se bastante heterogênea, aparentando a formação de um “carpete” com algumas falhas (Fig. 2b).

Figura 1

Resistência – Rm (a) e homogeneidade – n (b) da membrana em função do tempo sob diferentes potenciais. O Pa-MAP1 foi adicionado no 30º minuto.

Figura 2

Microfotografias da camada de DPPC antes (a) e após (b) a exposição de Pa-MAP1.

CONCLUSÕES: Através dos resultados obtidos podemos concluir que o peptídeo Pa-MAP1 possui um grande potencial em desestabilizar membranas, o que pode explicar sua atividade antimicrobiana observada in vitro. As respostas obtidas através de EIE sugere que mecanismo de ação de Pa-MAP1 segue o modelo carpete, tendo a desestabilização ocorrida no primeiro minuto de exposição ao peptídeo. Em adição, a destruição da membrana ocorre localmente, podendo ser reparada por redistribuição dos lipídios/peptídeos. Os dados obtidos indicam que Pa-MAP1 pode ser utilizado como um novo agente antimicrobiano.

AGRADECIMENTOS: Os autores agradecem à Rede Nanobiotecnologia/CAPES.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICA: CHANG, W.K.; WIMLEY, W.C.; SEARSON, P.C.; HRISTOVA, K.; MERZLYAKOV, M. 2008. Characterization of antimicrobial peptide activity by electrochemical impedance spectroscopy. Biochimica et Biophysica Acta-Biomembranes, 1778(10):2430-2436.

HALL, K.; MOZSOLITS, H.; AGUILAR, M. I. 2003. Surface plasmon resonance analysis of antimicrobial peptide-membrane interactions: affinity & mechanism of action. Letters in Peptide Science, 10(5-6): 475-485.

KUIPER, M.J.; FECONDO, J.V.; WONG, M.G. 2002. Rational design of alpha-helical antifreeze peptides. Journal Peptide Research, 59: 1-8.

TOMCZAK, M.M.; HINCHA, D.K.; ESTRADA, S.D.; WOLKERS, W.F.; CROWE, L.M.; FEENEY, R.E.; TABLIN, F.; CROWE, J.H. 2002. A mechanism for stabilization of membranes at low temperatures by an antifreeze protein. Biophysical Journal, 82: 874-881.