A SÉRIE GAME OF THRONES NO ENSINO DE QUÍMICA: ESTUDO DAS PROPRIEDADES FÍSICAS E QUÍMICAS DOS COMPOSTOS ORGÂNICOS E INORGÂNICOS A PARTIR DA SUBSTÂNCIA “LÍQUIDO INFLAMÁVEL”

ISBN 978-85-85905-21-7

Área

Ensino de Química

Autores

Azevedo, W.H.C. (UEPA) ; Fortuna, K.A.V. (UEPA) ; Santiago, J.C.C. (UFPA)

Resumo

É premente, no ensino de Química, a necessidade de adoção de novas metodologias, as quais se mostrem capazes de responder às pressões da sociedade, que tornem mais acessíveis os conceitos químicos e que tornem o aprendizado em Química mais prazeroso e significativo. Por uma sucessão de fatores, porém, nota-se que as atuais metodologias empregadas não estão atingindo tais objetivos, levando os estudantes a um desinteresse crescente pelo estudo da Química. Pela adoção de uma metodologia que buscou integrar contextualização e experimentação, aliando-se a isso o uso da Série Game of Thrones, foi possível observar uma maior motivação dos alunos para o estudo das propriedades físicas e químicas de duas classes de compostos químicos, assim como uma melhor assimilação e aprendizado das mesmas.

Palavras chaves

Estratégias Metodológicas; Game of Thrones; Compostos Orgânicos

Introdução

É bastante comum, na prática docente, o seguinte questionamento por parte dos alunos: “Por que estudar Química?” Pode-se afirmar que o gênese de tal descontentamento reside no fato de que as aulas de Química, sobremaneira, pouco relacionam esta ciência com o cotidiano do aluno, e que uma resposta coerente para tal questionamento surge da real compreensão do papel da Química na sociedade, papel este essencial para a construção de uma visão crítica do mundo no qual o homem está inserido, assim como para o entendimento dos desafios que permeiam o futuro da humanidade (CARDOSO; COLINVAUX, 2000). Esta visão crítica, entretanto, pouco é desenvolvida nas situações de ensino, tampouco se exploram os desafios que estão por vir. Na realidade, o Ensino de Química, de acordo com os estudos desenvolvidos por Guimarães (2009), ainda está baseando-se nos moldes tradicionais, segundo os quais o papel desempenhado pelo aluno é o papel de ouvinte. Ademais, pouco esforço faz para se relacionar o que está se ensinando com aquilo que o aluno já sabe, ou seja, com seus conhecimentos prévios. A respeito de tais conhecimentos prévios, é oportuno descrevê-los como sendo oriundos de elementos que fazem parte da vivência do aluno; esses elementos, vale ressaltar, não se restringem unicamente ao ambiente no qual o aluno vive, ou seja, ao seu entorno mais imediato, mas sim a tudo aquilo que lhe é familiar, inclusive aquilo que lhe é tornado familiar por meio da mídia, tão presente na vida dos alunos, e que infelizmente acaba contribuindo na disseminação de uma visão distorcida acerca da Química (BRASIL, 1999). Os elementos acima ressaltados, porém, são frequentemente desprezados pelas diversas metodologias de ensino empregadas na Química. Ineficazes, não contribuem para a compreensão dos conceitos químicos, já complexos por natureza. Tais metodologias – seja pela falta de tempo, seja pela falta de vontade, ou mesmo pela pressão externa exercida pela sociedade, personificada sobretudo pelo vestibular –, reduzem a aprendizagem a um processo de acumulação de conhecimentos, reflexo também de um ensino tipicamente tradicionalista, já citado. Nesse sentido, é oportuno ressaltar que os resultados obtidos pelas pesquisas em Educação, de uns anos para cá, refletem a necessidade de uma urgente mudança nas metodologias empregadas no Ensino de Química. O método tradicional, no qual o aluno possui um papel passivo na aquisição do conhecimento, e no qual o professor é a figura central durante todo o processo, apenas contribui para o simples repasse de conhecimentos, caracterizando um ensino de Química totalmente desvinculado da realidade dos alunos (BRASIL, 1999). Por esse motivo, faz-se essencial a adoção de metodologias de ensino que explorem mais os conhecimentos prévios trazidos pelos alunos, principalmente por meio de elementos que façam parte de sua vivência. Indo além, é preciso que o ensino desenvolvido conduza à uma aprendizagem capaz de permiti-los identificar a presença de conceitos químicos estudados na escola em elementos do seu dia-a-dia, visando-se chegar à uma aprendizagem mais significativa (CARDOSO; COLINVAUX, 2000). O emprego, assim, de estratégias metodológicas que se preocupem em articular o Ensino de Química com o cotidiano dos alunos, promovendo uma maior participação dos mesmos em seu processo de aprendizagem, deve ser encarado como um dos primeiros passos para se mudar a realidade preocupante que se instaurou no cenário educacional. Compreendendo a necessidade de renovação do Ensino de Química na Escola Básica, pode-se ter esperanças de elevar os estudantes ao nível de protagonista em seu processo de aprendizagem, possibilitando, com isso, que possam desenvolver sua capacidade cognitiva de forma satisfatória (LIMA, 2012). Sob esta ótica, o presente trabalho teve por objetivo investigar o emprego de novas metodologias no Ensino de Química, tendo em vista analisar a eficácia do ensino das propriedades físicas e químicas dos compostos orgânicos e inorgânicos a partir de situações-problemas. Para tal, utilizou- se a série televisa Game of Thrones, dando-se atenção especial à substância fictícia “Líquido Inflamável” e sua possível viabilidade, de acordo com os pressupostos científicos atualmente vigentes.

Material e métodos

Decidiu-se adotar uma metodologia dividida em três momentos principais, objetivando-se melhor desenvolver a atividade planejada. Tal atividade se deu em apenas um dia, 14/06/2017, em uma escola particular localizada no município de Santa Izabel do Pará, na Região Metropolitana de Belém, tendo participado 34 alunos. No primeiro momento, foram mostrados, em Data Show, fragmentos de cenas previamente selecionados da segunda temporada da série Game of Thrones (Guerra dos Tronos), exibida pela Netflix e disponível para venda em DVD (de onde os autores conseguiram tais fragmentos). Os fragmentos escolhidos referiam-se, todos, ao conflito que está se desenrolando na segunda temporada da série pela disputa do “Trono de Ferro” e, em especial, à substância “Líquido Inflamável” (também chamada de “Fogo Vivo”), foco desta atividade. Foi levantado, então, o seguinte problema: Seria possível existir uma substância química com as características do líquido inflamável?, o qual, nesta etapa, ainda não precisou ser respondido. No segundo momento, foi realizada uma aula expositiva sobre as principais propriedades físicas e químicas dos compostos orgânicos e inorgânicos, tendo em vista oferecer aos alunos argumentos necessários à defesa ou não da existência do “Líquido Inflamável”. Encerrou-se esse momento com a demonstração de dois experimentos: “água que pega fogo” (visando-se demonstrar a combustão de um composto orgânico) e teste de chamas (visando- se demonstrar a coloração da chama provocada por cátions presentes em sais inorgânicos), esperando-se que os alunos conseguissem identificar semelhanças e diferenças com o “Líquido Inflamável”. Por fim, já no terceiro momento, foram exibidos novamente os fragmentos de cenas mostrados no início da atividade, e foi solicitado, então, uma produção textual na qual os alunos tiveram que argumentar, com base em seus conhecimentos e nos conhecimentos adquiridos ao longo da atividade, acerca da possível existência da substância “Líquido Inflamável”. Tais produções textuais serviram de instrumento para avaliar se foram atingidos ou não os objetivos almejados.

Resultado e discussão

Devido o “líquido inflamável”, na Série Game of Thrones, apresentar densidade menor do que a da água, não se dissolver na mesma e possuir alta combustibilidade – características comuns a diversos hidrocarbonetos –, porém queimar exibindo uma chama esverdeada – comum aos compostos de bário e cobre –, imaginou-se que os alunos não iriam defender a existência de tal substância. Todavia, notou-se que 100% dos presentes decidiram defender a existência do “líquido inflamável”, mesmo que, nos argumentos de alguns, tenha sido dado o devido cuidado a essas características dúbias, as quais poderiam constituir um entrave à viabilidade de existência da substância, tal como se pode perceber no seguinte argumento: “Um contraponto que mostra um erro no roteiro da série é a coloração das chamas, nesse caso esverdeadas, sendo que é informado ao longo do episódio que a substância é orgânica” (Aluno A). Sob esse mesmo contexto, notou-se que mais de 70% dos alunos preocupou-se em explicar o porquê da coloração esverdeada das chamas, apesar do “líquido inflamável” possuir características físicas e químicas próprias dos compostos orgânicos. Para tal, supuseram uma mescla de características de compostos orgânicos e inorgânicos, por meio de uma possível adição desses aqueles: “Seria possível a existência do líquido inflamável, de natureza orgânica, caso nele haja compostos inorgânicos (isso explicaria a coloração verde)” (Aluno B). “[...] e para explicar aquela coloração eles utilizaram sulfato de cobre [...]” (Aluno C). Tais argumentos demonstram que os estudantes puderam compreender as transformações químicas de uma forma abrangente e integrada, empoderando-se de fundamentos para julgar informações que foram advindas da mídia, e que nem sempre estão de acordo com o conhecimento científico (BRASIL, 1999). Notou-se, ademais, que durante todo o processo de produção escrita da argumentação, já no fim do terceiro momento da atividade, os alunos interrogaram de forma constante os mediadores, buscando formas de concatenar os conteúdos ensinados ao longo da atividade com a defesa de seu ponto de vista, ou mesmo para tirar dúvidas sobre alguns pontos não muito esclarecidos em sua estrutura cognitiva. O maior interesse em tentar apreender os conceitos repassados ilustra a premente necessidade de elaborar estratégias metodológicas capazes de instigar a curiosidade e criatividade dos estudantes, o que é essencial para torná-los protagonistas de seu próprio processo de aprendizagem (LIMA, 2012). O conceito de polaridade das ligações e das moléculas e, consequentemente, o de solubilidade, foi muito bem interpretado por todos, conseguindo os alunos utilizarem-se desse conhecimento para argumentar a favor de seu ponto de vista, tal como se pode observar nos seguintes trechos: “[...] uma substância, devido a não diferença de eletronegatividade entre seus átomos, é chamada de apolar, e não pode ser dissolvida pela água, que é polar” (Aluno D). “[...] para formar esse líquido inflamável é imprescindível que a substância seja apolar para que, em contato com a água, que é polar, não se dissolva [...]” (Aluno E). “O líquido inflamável é apolar, enquanto a água é polar, explicando porque a água e o líquido não se dissolvem, mas formam uma mistura heterogênea” (Aluno F). Mais do que demonstrar um bom entendimento dos conceitos de polaridade e solubilidade, os comentários acima arrolados deixam claro que houve a ressignificação de enganos trazidos pelo senso comum, tal como o errôneo emprego do verbo misturar como sinônimo de dissolver. Isso, contudo, só foi permitido a partir das análises das produções textuais efetuadas, sendo estas importantes ferramentas pedagógicas, na medida em que permitem ao professor dimensionar o quanto foi aprendido pelos alunos e, se possível, ressignificar os conceitos assimilados (GUIMARÃES, 2010). Também observou-se um satisfatório entendimento do conceito de densidade, sem dúvidas já estudado pelos alunos, visto que estão no último ano do ensino médio, mas agora usado para a resolução de uma situação-problema, o que torna sua aprendizagem mais significativa (CARDOSO; COLINVAUX, 2000). Sabe-se, pois, que “o mundo atual exige mais do que a interpretação de informações. Exige também competências e habilidades ligadas ao uso dessas interpretações nos processos investigativos de situações problemáticas”, escopo da atividade então desenvolvida (BRASIL, 1999, p. 34-35). A execução demonstrativa dos experimentos “Água que pega fogo” (queima do butano sobre a água – Figura 1) e Teste de chamas (queima de sais inorgânicos – Figura 2), após a explicação teórica do conteúdo abordado, influenciou de forma determinante nas argumentações, como se pôde observar nas respostas escritas (100% fizeram menção ao butano e 85% ao sulfato de cobre), o que confirma que “a prática comprovando a teoria” também se mostra fundamental quando se trata de estimular a motivação (CARDOSO; COLINVAUX, 2000). Diante disso, nota-se a grande importância de se levar em conta – ao decidir se adotar novas estratégias metodológicas para o Ensino de Química –, situações presentes no cotidiano do aluno, sempre entendendo cotidiano não somente como o seu entorno imediato, mas sim como tudo aquilo que faz parte de sua vivência. Articular essas situações com o saber científico ajuda de forma central na aprendizagem deste, na medida em que estabelece uma relação de “utilidade dos conhecimentos escolares na vida dos estudantes e de suas comunidades” (LEAL; MORTIMER, 2008, p. 222).

Figura 1

Mediador realizando o experimento "Água que pega fogo".

Figura 2

Realização do "Teste de chamas" dos sais Cloreto de Sódio, Cloreto de cálcio e Sulfato de cobre.

Conclusões

O papel de ouvinte, lugar ocupado pelos alunos quando se decide adotar metodologias tradicionais, pouco ou nada contribui para a aprendizagem significativa do saber científico. O abandono de tais metodologias, a partir da adoção de estratégias metodológicas mais eficazes, as quais tornam os alunos protagonistas em seu próprio processo de aprendizagem, e que tomam o devido cuidado de não inovar por inovar, mostra-se de crescente necessidade em um cenário educacional cada vez mais preocupante. Tal fato, contudo, dependerá decisivamente da força de vontade dos profissionais que atuam em sala de aula. A existência de adversidades advindas de uma rígida estrutura burocrática, da mesma forma que a falta de recursos humanos ou materiais, jamais podem constituir impedimentos para a execução de estratégias metodológicas que estimulem mais a compreensão, assimilação, criatividade e interpretação dos conteúdos estudados, ao invés da simples memorização.

Agradecimentos

A George R. R. Martin, autor da obra Game of Thrones, e cuja criatividade possibilitou o desenvolvimento deste trabalho.

Referências

BRASIL. Ministério da Educação e do Desporto. Parâmetros Curriculares Nacionais do Ensino Médio: Ciências da Natureza, Matemática e suas Tecnologias. Brasília: MEC, 1999.

CARDOSO, S. P.; COLINVAUX, D. Explorando a Motivação para Estudar Química. Química Nova, v. 23, n. 2, p. 401-404, 2000.

GUIMARÃES, C. C. Experimentação no Ensino de Química: Caminhos e Descaminhos Rumo à Aprendizagem Significativa. Química Nova na Escola, v. 31, n. 3, p. 198-202, 2009.

LEAL, M. C.; MORTIMER, E. F. Apropriação do Discurso de Inovação Curricular em Química por Professores do Ensino Médio: Perspectivas e Tensões. Ciência e Educação, v. 14, n. 2, p. 213-231, 2008.

LIMA, J. O. G. Perspectivas de novas metodologias no Ensino de Química. Revista Espaço Acadêmico, n. 136, p. 95-101, 2012.

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