Os elétrons continuam incrustados? Uma análise do modelo atômico de Thomson nos livros didáticos de Química aprovados no PNLD 2018

ISBN 978-85-85905-23-1

Área

Ensino de Química

Autores

Régis Campos Silva, R. (CEFET-MG) ; Lethicya Silva Sousa, B. (UFMA)

Resumo

É conhecida toda a relevância dos livros didáticos no processo de ensino- aprendizagem, sendo esse na maioria das vezes, protagonista e única fonte de pesquisa de professores e estudantes. Assim, é de suma importância a qualidade e o constante estudo sobre o conteúdo destes livros. Neste âmbito, o presente trabalho visa analisar a maneira que os livros didáticos de química aprovados pelo PNLD 2018 representam o modelo atômico de Thomson e confrontar com as publicações de 1904 do cientista inglês. Divergências e inconsistências entre o originalmente proposto e o que é apresentado nesses livros foram citados, como características gerais do átomo, ano de publicação e se os elétrons, denominados corpúsculos pelo cientista, realmente estavam incrustados ou em movimento.

Palavras chaves

Modelo Atômico; Livro Didático; História da Química.

Introdução

Desde meados da década de 1960, trabalhos que versam sobre a investigação de analogias são desenvolvidos no contexto do ensino de Ciências. Não obstante, o desenvolvimento científico e tecnológico, ao longo dos anos, tem utilizado de ferramentas linguísticas e visuais no processo de divulgação e popularização científica. Considerando as dificuldades de compreensão dos termos científicos utilizados na descrição de teorias, as analogias se constituíram ferramentas essenciais neste processo, sendo utilizadas inclusive, na proposição de teorias científicas, como as propostas por Maxwell, Rutherford, Einstein, Thomson, dentre outros. (JUNIOR, 2009) No entanto, mesmo com toda a relevância da utilização de analogias para a comunicação científica e o ensino de disciplinas como Matemática, Física e Química, autores como Ferraz e Terrazzan (2002), Bozzeli e Nardi (2006), Silva e Terrazan (2008) destacam que somente no início dos anos de 1980, estudos com foco no uso de analogias ganham respaldo, e passam a compor reflexões e debates sobre a sua inserção e utilização no ensino de Ciências. No decorrer da década de 1990 e anos seguintes, nomes tais como Duit (1991), Harrison e Treagust (1993), Thiele e Treagust (1995), Glynn e Takahashi (1998), Godoy (2002), Silva e Terrazzan (2008), Junior (2009) e Monteiro e Justi (2016), trabalharam nesta linha, apontando além das potencialidades da ferramenta linguística para o ensino científico, os aspectos a serem levados em consideração por autores de livros didáticos e professores na utilização e inserção de analogias no contexto educacional. A natureza abstrata da Química, atribui à área, caráter propício para a utilização frequente de recursos linguísticos que facilitem o entendimento de conceitos e teorias, sendo possível identificar com facilidade o uso de analogias para o ensino da disciplina (MONTEIRO; JUSTI, 2000). Considerando o estudo das analogias e conceitos relacionados aos modelos atômicos, podemos citar os trabalhos de Monteiro e Justi (2000), Ferry e Nagem (2008) e Ramos e Mozzer (2018). Dominguini e Ortigara (2010) analisaram a problemática das metáforas e analogias, formas de apresentação e representação de teorias e modelos nos livros didáticos, inclusive para o modelo atômico de Thomson. Nesta perspectiva, temos como foco analisar e caracterizar os conceitos e analogias utilizados nos livros aprovados pelo PNLD 2018 para a apresentação e representação do modelo atômico de Thomson.

Material e métodos

O ponto de partida para a coleta de dados foi a seleção do objeto de análise, os livros didáticos de Química aprovados pelo PNLD 2018, que se caracterizam como um material de acesso público e uma importante ferramenta em sala de aula, tornando-se em muitas situações, o único material didático de professores e alunos. Posteriormente, foi realizada a análise e caracterização dos conceitos e analogias utilizados nos livros didáticos. Para esta classificação foram utilizados os seguintes questionamentos: Os novos livros didáticos aprovados possuem melhorias no uso de analogias? O modelo atômico apresentado realmente se assemelha ao modelo proposto pelo cientista inglês? Os elétrons continuam representados com caráter estático, incrustados, tendo em vista o modelo dinâmico apresentado por Thomson? Para tanto, realizamos uma leitura investigativa dos capítulos respectivos ao conteúdo de modelos atômicos, conteúdo disposto no programa curricular para a primeira série do ensino médio. Especificamente, analisamos como o modelo atômico de Thomsom é apresentado e representado pelos livros didáticos. Depois, confrontamos as informações com o modelo atômico publicado por J. J. Thomson em 1904.

Resultado e discussão

Com a leitura e análise dos livros, podemos destacar inicialmente, divergências em relação às datas de apresentação do modelo atômico de Thomson. Os anos de 1897, 1898 e 1903 são citados nos livros didáticos analisados. Segundo Lopes (2009), Thomson publicou em 1897, um artigo sobre raios catódicos, intitulado On the Cathode Rays, que lhe valeu o prêmio Nobel de Física em 1906. Após esta data, outros artigos foram publicados por Thomson, mas somente em 1904, Thomson publicou no Philosofical Magazine o artigo “On the structure of atom: an investigation of the stability and periods of oscillation of a number os corpuscles arranged at equal intervals around the circumference of a circle; with application of the results to the theory of atomic structure”, que entrou para a história dos modelos atômicos. Em um dos trechos do artigo, Thomson afirma: “A ideia de que os átomos dos elementos consistem de em um número de corpúsculos eletricamente negativos englobados numa esfera uniformemente positiva, sugere, dentre outros problemas matemáticos interessantes, o único discutido neste artigo – o movimento de um anel com n partículas eletricamente negativas localizado numa esfera eletrificada uniformemente.” (Thomson, 2004 apud Lopes, 2009). Podemos observar neste trecho do artigo de Thomson, que o mesmo cita os corpúsculos em movimento, bem diferente do caráter estático citado em alguns livros didáticos. Em seu estudo sobre a história dos modelos atômicos, Lopes (2009) afirma que as ideias de J. J. Thomson foram se transformando com o passar do tempo, mas em todas elas, apresentou concepções de um átomo dinâmico, com corpúsculos em movimento. A própria palavra incrustado nos dá a ideia de algo fortemente grudado, não sendo fiel ao conceito original de átomo apresentado por Thomson. Em relação aos elétrons estarem ou não incrustados, podemos notar que três dos seis livros didáticos analisados, L1, L5 e L6 retratam um caráter dinâmico dos elétrons. Os livros L3 e L4 não citam efetivamente o caráter dinâmico ou estático, apenas citando que os elétrons estão distribuídos na esfera positiva. Somente o livro L2 usa a expressão incrustado para designar o caráter estático dos elétrons no átomo. Neste mesmo artigo, Thomson fala sobre a distribuição dos corpúsculos nos átomos: “Temos, portanto, em primeiro lugar uma esfera com carga elétrica positiva uniforme, e dentro dessa esfera, um número de corpúsculos dispostos em uma série de anéis paralelos. O número de corpúsculos em um anel varia de anel para anel: cada corpúsculo está viajando em alta velocidade em torno da circunferência do anel em que está situado, e os anéis estão organizados de forma que aqueles com um grande número de corpúsculos estão próximos da superfície da esfera, enquanto aqueles em que há um menor número de corpúsculos estão mais para o interior”. (Thomson, 1904 apud Lopes, 2009). Podemos notar que Thomson comenta sobre a distribuição dos elétrons nos anéis, fato relatado até com certa profundidade de detalhes no livro Química Cidadã, de Wildson Santos e Gerson Mól (L6). Observa-se também, entre os autores dos livros didáticos analisados, uma discordância em relação a esfera positiva ser maciça, como citado nos livros L3 e L6, ou não maciça, como no livro Química, de Martha Reis (L2). Vale destacar também que, ao contrário do que se pensa e muitas vezes se difunde, a analogia do “Pudim de Passas” não foi feita por Thomson. Há indícios que a primeira ocorrência da expressão “Pudim de Passas” foi em um diário de um repórter anônimo que acompanhava uma palestra de Thomson em 1906. Assim, sugere-se que esta analogia foi criada pelo repórter a partir de sua percepção do então modelo de átomo proposto por Thomson. (Hon e Goldstein, 2013 apud Ramos e Mozzer, 2018).

Quadro 1

Caracterização dos livros didáticos aprovados pelo PNLD 2018.

Quadro 2

Fragmentos que descrevem o modelo de Thomson nos livros analisados

Conclusões

Devido à importância do livro didático no processo de ensino-aprendizagem, e pelo fato deste material se tornar na maioria das vezes a única fonte de pesquisa e informações de professores e estudantes, trabalhos que tenham como foco a investigação da veracidade aos conceitos científicos e fatos históricos, possuem relevância e são potencialmente viáveis para reflexões referentes à prática docente no que tange o ensino de Ciências em geral. O presente trabalho apresentou considerações e relata que ainda é possível verificar nos novos livros didáticos aprovados pelo PNLD 2018, discordâncias entre a utilização de analogias e representações e os conceitos científicos originalmente apresentados por Thomson.

Agradecimentos

Ao CEFET-MG, UFMA, CAPES e FAPEMIG.

Referências

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DUIT, R. Sobre o papel das analogias e metáforas na ciência da aprendizagem. Educação em Ciências , v. 75, n. 6, p. 649-672, 1991.
HARRISON, A. G.; TREAGUST, D. F. Teaching with analogies: A case study in grade‐10 optics. Journal of Research in Science Teaching, v. 30, n. 10, p. 1291-1307, 1993.
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MONTEIRO, I. G.; JUSTI, R. S. Analogias em livros didáticos de química brasileiros destinados ao ensino médio. Investigações em ensino de ciências, v. 5, n. 2, p. 67-91, 2016.
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MONTEIRO, I. G.; JUSTI, R. S. Analogias em livros didáticos de Química brasileiros destinados ao ensino médio. Investigações em Ensino de Ciências, v. 5, n. 2, p. 67-91, 2000.
FERRY, A. S.; NAGEM, R. L. Analogias e contra-analogias: Uma proposta para o ensino de Ciências numa perspectiva bachelardiana. Experiências em Ensino de Ciências, v.3, n.1, p. 7-21, 2008.
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DOMINGUINI, L.; ORTIGARA, V. O Modelo Atômico de Thomson nos livros didáticos do PNLEM. Resumos do XV Encontro Nacional de Ensino de Química. Brasília-DF, Brasil, 2010.
LOPES, C. V. M. Modelos atômicos no inicio do século XX: da física clássica à introdução da teoria quântica. Tese (Doutorado em História da Ciência) - Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, 2009.

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