Percepção da Ciência através da experimentação em espaço público de convivência

ISBN 978-85-85905-23-1

Área

Ensino de Química

Autores

Pompeu, E.V. (CUMB/UFPA) ; Chaves, A.F. (CUMB/UFPA) ; Fonseca, S.A. (CUMB/UFPA) ; Silva, E.L. (CUMB/UFPA) ; Matos, T.M. (CUMB/UFPA) ; Leal Moraes, G. (CUMB/UFPA)

Resumo

Apresentamos a percepção da Ciência no cotidiano, manifestada pelos visitantes do evento “Ciência na Praça”, ocorrido em Melgaço-PA, cujo objetivo foi contribuir para a popularização da Ciência através da experimentação. O instrumento de coleta de dados foi um roteiro de entrevista semiestruturado com perguntas fechadas. Verificou-se que os experimentos realizados despertaram o interesse dos visitantes, que conseguiram relacionar a Ciência com seu cotidiano a partir da interação e curiosidade. A experimentação é uma estratégia que pode contribuir para a sua popularização da Ciência, pois permite visualizar de forma didática fatos, processos e fenômenos viabilizando a formulação de hipóteses e reorganização de conhecimentos prévios tendo em vista uma melhor participação cidadã na sociedade.

Palavras chaves

Popularização da Ciência; Experimentação; Cotidiano

Introdução

A Ciência não está restrita apenas ao ambiente escolar ou centros de pesquisas, ela está também no cotidiano, através da liberação de gás pela dissolução de um comprimido efervescente, processos de separação, corrosão, formação da chuva, entre outros. Aliar a ciência com o cotidiano permite uma melhor compreensão da natureza. O conhecimento em Ciências estimula o raciocínio lógico e a curiosidade, ajudando na formação de cidadãos mais aptos a enfrentar os desafios da sociedade contemporânea fortalecendo a democracia. Assim, favorecendo melhores condições para à população em geral participar dos debates cada vez mais sofisticados sobre temas científicos que afetam o cotidiano (ACADEMIA BRASILEIRA DE CIÊNCIAS, 2008). Democratizar o acesso ao conhecimento científico tornou-se primordial para que os sujeitos possam compreender melhor o mundo, realizar escolhas conscientes e intervir responsavelmente no meio em que vivem (AULER; DELIZOICOV, p.126, 2001). A experimentação tem um papel fundamental no ensino de Ciências principalmente de conceitos químicos, muitas vezes aparentemente abstratos pela ausência deste tipo de atividade prática. A experimentação estabelece elos entre as explicações teóricas a serem compartilhadas e as observações possibilitadas por esse tipo de atividade, que devem valorizar o conhecimento empírico dos sujeitos em um processo de reconstrução de conhecimentos e ressignificação da realidade. Entretanto, apesar de todos os esforços, a experimentação nas aulas de ciências e de química ainda é muito mais rara do que o desejável (LISBÔA, p.202, 2015). De acordo com o autor, as explicações para este fato têm raízes profundas e incluem o incentivo durante o processo de formação. Em uma pesquisa publicada em 2015, verificou-se uma diminuição na participação de alunos de graduação e de professores da educação básica na quantidade média de artigos publicados seção “Experimentação no ensino de química”, de uma conceituada revista na área de Ensino de Química, no período de maio de 1995 a maio de 2015 (LISBÔA, p.202, 2015). Neste contexto, amparado pela Política Nacional de Extensão Universitária, a extensão universitária, tem muito a contribuir. Pois, busca favorecer ações que articulam o ensino e a pesquisa para intervenção dos estudantes na aplicação de conhecimentos na realidade social. Em cursos da área de Ciências da Natureza, se, por um lado, a extensão contribui para a formação do futuro profissional da educação incentivando a busca por estratégias de ensino que favoreçam a aplicação dos novos conhecimentos adquiridos ao longo do curso na realidade social; por outro, ajuda na popularização da ciências e democratização do conhecimento científico, favorecendo a formação cidadã. Este trabalho tem por objetivo apresentar dados referentes a uma investigação a respeito da percepção da relação do conhecimento científico com o cotidiano. Para tanto, os visitantes foram estimulados a refletir sobre o tema através de experimentos realizados durante o evento de extensão “Ciência na Praça”, ocorrido no município de Melgaço-PA.

Material e métodos

O trabalho foi desenvolvido durante o evento de extensão “Ciência na praça” realizado por estudantes do curso de Licenciatura em Ciências Naturais, do Campus Universitário Marajó – Breves (CUMB), da Universidade Federal do Pará (UFPA), no dia 13 de janeiro de 2018, na Praça João XXIII, na cidade de Melgaço-PA, Mesorregião Marajó. A ação extensionista foi realizada dentro da Atividade curricular “Estratégias para o ensino de Ciências”, que tem carga horária específica reservada a extensão universitária. Os objetivos específicos da disciplina incluem: 1. Apresentar diferentes formas de apresentar os conteúdos dos campos de conhecimento das Ciências da natureza; 2. Discutir as possibilidades e os limites de diferentes estratégias de ensino. O evento “Ciência na praça” consistiu na exposição de experimentos científicos associados ao cotidiano da comunidade local. A estratégia da experimentação a partir de materiais alternativos e de baixo custo foi escolhida por fins didáticos, pois favoreceria a relação do conhecimento científico com elementos do dia-a-dia. Os experimentos realizados foram: foguete voador, foguete movido a álcool, misturas, balão que não estoura, água que sobe, balão de hidrogênio, caneca assustadora, labirinto que espanta água, densidade da água, escala de pH e o fogo que não queima. Entre os conhecimentos científicos socializados estavam através dos experimentos pode-se citar: reações químicas, reações e processos exotérmicos e endotérmicos, transformação de energia, soluções e misturas, propriedades físicas e químicas, acidez e basicidade. Para instilar a percepção dos visitantes sobre Ciência e sua relação com o cotidiano foram apresentados os experimentos. Em seguida, para análise da percepção foram utilizados roteiros de entrevista semiestruturado com perguntas fechadas. Na amostragem por acessibilidade (LAKATOS; MARCONI, 2003), todos os entrevistados participaram espontaneamente e foram esclarecidos da importância e sua participação bem como da desistência a qualquer momento sem qualquer prejuízo ou ônus pessoal. As entrevistas ocorreram durante a realização do evento, que contou com a participação de muitos moradores da cidade com diferentes faixas etária e níveis de escolaridade. A amostra é composta por 32 indivíduos. Trata-se de um relato de experiência com a inclusão de procedimentos metodológicos de uma pesquisa de abordagem quantitativa e caráter descritivo, a qual busca resultados que possam ser quantificados, por meio da coleta de dados, uma pesquisa objetiva considerando que a realidade pode ser compreendida com base na analises de dados brutos, que foram obtidos através dos questionários (FONSECA, 2002).

Resultado e discussão

Os dados sociobiogeográficos indicam que os participantes da pesquisa apresentam idades entre 11 a 35 anos. O grau de escolaridade varia das séries finais do ensino fundamental a pós-graduação, e a maioria é residente no município de Melgaço-PA. Foi verificado que as atividades experimentais com materiais simples do dia-a-dia despertaram o interesse dos visitantes e favoreceram a interação com os expositores. Através da curiosidade os visitantes eram estimulados a tentar desvendar o motivo dos acontecimentos presenciados (Figura 01).Quando indagados se os experimentos realizados durante o evento haviam sido interessantes os 32 entrevistados afirmaram que sim (Figura 02A). A experimentação é uma estratégia de ensino muito importante para as Ciências e que pode contribuir para a sua popularização, pois permite visualizar de forma didática fatos, processos ou fenômenos fazendo relação com o cotidiano e assim formar indivíduos pensantes e críticos, capazes de formular hipóteses e reorganizar seus conhecimentos prévios tendo em vista uma melhor participação cidadã na sociedade. Assim, entende-se que ações que visam popularizar a Ciência conduziram à democratização do conhecimento científico, conforme Auler e Delizoicov, p.126, 2001. A experimentação pode constitui-se em uma estratégia eficiente para a criação de problemas reais, permitindo a contextualização e o estímulo de questionamentos de investigação (GUIMARÃES,p.198, 2009). Nesta mesma linha de pensamento, Lisbôa (p.198, 2015), afirma que “tomar a experimentação como parte de um processo pleno de investigação é uma necessidade, reconhecida entre aqueles que pensam e fazem o ensino de ciências, pois a formação do pensamento e das atitudes do sujeito deve se dar preferencialmente nos entremeios de atividades investigativas”. Quando indagados se conseguiam associar a Ciência ao seu cotidiano a partir dos experimentos realizados, todos os entrevistados responderam positivamente (Figura 02B). Segundo Carvalho, et al (2012), a educação científica deve começar por despertar a curiosidade do aluno, e cidadãos em geral, para aquilo que o rodeia, realçando a importância do que, a primeira vista, pode parecer trivial. As explicações fornecidas durante a exposição eram associadas a fatos comuns observáveis ao cotidiano local e inicialmente valorizava-se linguagem acessível evitando o uso de termos técnicos. Porém, conforme o visitante atraído pela curiosidade envolvia-se pela troca de experiências e compartilhar de conhecimentos, inicia-se o processo de reconstrução de conceitos. Por exemplo, no experimento “foguete voador”, um projétil construído com garrafa PET é impulsionado pelo aumento de energia interna do sistema a partir da formação de gás conforme a reação: CH3COOH(aq) + NaHCO3(s)→ CH3COONa (aq) + CO2(g) + H2O(l) Equação 1. Inicialmente, o visitante era indagado se ele já havia visto algo conhecido no seu dia-a-dia e que estava acontecendo e porque o foguete “voava”? Em seguida era associado o acontecimento com a dissolução de um comprimido efervescente em um pouco de água e explicado que o que estava acontecendo era uma reação química, onde os componentes iniciais estavam sendo transformados em outros, incluindo um gás, chamado gás carbônico, o qual está presente um muitas outras reações e processos do cotidiano, como as reações de combustão na queima de madeira, queima de combustíveis (gasolina, querosene, diesel), e contribui para o agravamento do aquecimento global... No foguete o gás carbônico é usado para impulsiona-lo, fazendo com que ele levante voo. Somente no final era mostrado que existe uma Ciência chamada Química, com uma linguagem própria, que a comunidade científica usava uma linguagem universal para representar a reação que ocorria dentro do foguete voador e apresentados os componentes da reação (Equação 1). Quando as explicações de cunho científico relacionadas aos experimentos eram apresentadas aos participantes eles demonstravam surpresa, pois percebiam que a Ciência estava em experiências simples de suas vidas. Assim, é possível afirmar que a experimentação com materiais comuns ao dia-a-dia contribui para aguçar a percepção da Ciência no cotidiano das pessoas, contribuindo para a popularização e democratização do conhecimento científico. Entretanto, na atual conjuntura do ensino, por exemplo, ainda tem se denotado uma aprendizagem pautada na memorização, na transmissão e recepção, sem a relação com o contexto dos estudantes e isso tem pouca significação do conhecimento científico. Essa realidade torna o currículo para o Ensino de Ciências, além de descontextualizado e sem sentido, abstrato demais, isto é, aquém da compreensão da maioria dos estudantes (BINSFELD; AUTH, 2011). Através da experimentação, é possível visualizar de forma didática conhecimentos científicos registrados pela humanidade nos livros com linguagem técnica, incompreendida pela maioria da população, para explicar fatos, processos ou fenômenos que são observáveis e aplicáveis ao cotidiano das pessoas que estão fora dos laboratórios e centro de pesquisa. A experimentação torna o invisível em visível, o complexo em simples. Ampliando a percepção de mundo através das lentes da Ciência. Também é importante ressaltar o papel da extensão universitária na popularização da Ciência e democratização do conhecimentos. Pois, o evento realizado, estrategicamente, em um espaço de convivência pública, contribuiu para aproximar a ciência do cidadão comum ao aproximar a universidade da realidade local, rompendo com qualquer forma de descriminação ou segregação do conhecimento.

FIGURA 01

Participação da comunidade. Fonte: Autores.

FIGURA 02

Os experimentos realizados foram interessantes? (A). Conseguiu associar a Ciência com o cotidiano através dos experimentos realizados? (B) Fonte: Dados da pesquisa.

Conclusões

Este trabalho ressaltou a utilização da experimentação para popularização da Ciência. Silva (p.126, 2013), assegura que colocar um sujeito em situação de experimentação significa permitir que ele questione seu conhecimento e o que o objeto do conhecimento mostra. Além de possível é necessário interligar o conhecimento científico acumulado ao cotidiano das pessoas, a Ciência não deve ser vista como algo descontextualizado ou “inútil”. A Ciência é produto da interação do homem com o mundo de forma sistematizada a partir da observação e da razão. Não depende, necessariamente, de regentes caros e aparelhagens sofisticadas. Com base nos resultados obtidos conclui-se que a experimentação é uma importante estratégia para a democratização da ciência e que ela está presente em tudo. Perceber isso e correlacionar com os eventos cotidianos contribuirá para que o indivíduo se torne cada vez mais participativo, observador, instigador e crítico. Através da experimentação o indivíduo tem seu interesse despertado pelo objeto experimentado por meio da curiosidade, independente da faixa etária ou grau de instrução. Além disso, o uso de materiais alternativos e de baixo custo favorece a associação da Ciência com o cotidiano, possivelmente por favorecer a identificação com a realidade. Neste contexto, a extensão universitária, ao ser utilizada como estratégia de ensino para conduzir os estudantes de Ciências Naturais a refletirem sobre a importância e aplicabilidade dos conhecimentos específicos adquiridos durante o curso no cotidiano e seu impacto para a transformação da realidade social a partir de uma formação para a cidadania na sociedade do conhecimento, contribuiu para a popularização da Ciência e democratização dos conhecimentos.

Agradecimentos

Ao Campus universitário do Marajó – Breves (CUMB) e a UFPA, pela oportunidade de formação em curso de nível superior e ao apoio para participar do evento.

Referências

ACADEMIA BRASILEIRA DE CIÊNCIAS. O Ensino de ciências e a educação básica: propostas para superar a crise. Rio de Janeiro: Academia Brasileira de Ciências, 2008. 56p.
AULER, D.; DELIZOICOV, D. Alfabetização científico-tecnológica para quê? Belo Horizonte, Ensaio - Pesquisa em Educação em Ciências, v. 3, n. 1, p. 126, 2001.
BINSFELD, S.C., AUTH, M.A. A Experimentação no Ensino de Ciências da Educação Básica: constatações e desafios. Faculdade de Ciências Integradas do Pontal - Universidade Federal de Uberlândia (FACIP/UFU), 2011.
CARVALHO, P. S.; SOUSA, A. S.; PAIVA, J.; FERREIRA, A. J. Ensino Experimental da Ciências: um guia para professores do ensino secundário física e química. U. Porto Editorial, 1. ed. Porto, 2012.
FONSECA, J. J. S. Metodologia da pesquisa cientifica. Fortaleza: UEC, 2002.
GUIMARÃES, C. C. Experimentação no Ensino de Química: Caminhos e Descaminhos Rumo à Aprendizagem Significativa. Química Nova Escola – São Paulo-SP, Vol. 31, N° 3, p. 198, 2009.
LAKATOS, E. M.; MARCONI, M. A. Fundamentos de metodologia científica. 2003. 5. ed. São Paulo: Atlas.
LISBÔA, J. C. F. QNEsc e a Seção Experimentação no Ensino de Química. Química Nova Escola – São Paulo-SP. Vol. 37, Nº Especial 2, p. 198, 2015.
SILVA, G. R. História da Ciência e experimentação: perspectivas de uma abordagem para os anos iniciais do Ensino Fundamental. Universidade Federal do Rio Grande-UFRG. Revista Brasileira de História da Ciência, Rio de Janeiro, v. 6, n. 1, p. 126, 2013.

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