Estudo da Estabilidade Oxidativa de Blendas Diesel/Biodiesel Para Uso Automotivo.

ISBN 978-85-85905-23-1

Área

Química Tecnológica

Autores

Almeida, J.S. (UFRN) ; Oliveira, J.F.S. (UFRN) ; Araújo, H.A.L. (UFRN) ; Nunes, B.R.F. (UFRN) ; Fernandes Junior, V.J. (UFRN) ; Araújo, A.S. (UFRN) ; Silva, J.B. (UFRN)

Resumo

Visando contribuir com o estudo do aumento percentual da adição do biodiesel em óleo diesel automotivo, estudou-se a estabilidade oxidativa para misturas de 5%, 10%, 15%, 20%, 30% e 50% em volume de biodiesel em óleo diesel A. As blendas foram submetidas às análises de estabilidade oxidativa e calorimetria exploratória diferencial de alta pressão (P-DSC). Através dos resultados obtidos pode-se notar que com o aumento da adição de biodiesel reduz-se a estabilidade oxidativa da blenda de forma gradativa, sendo a diminuição mais acentuada para blendas acima de 10%. Combustíveis com baixa estabilidade oxidativa requerem uma rápida utilização, visto que os compostos resultantes da oxidação geram problemas associados a corrosão e entupimentos em diversos sistemas mecânicos.

Palavras chaves

Estabilidade oxidativa; Blendas diesel/biodiesel.; Biocombustíveis

Introdução

Devido a problemáticas ambientais que sugiram desde o final do século XX, tais como a poluição atmosférica e a emissão de gases responsáveis pelo efeito estufa, cada vez mais se busca substituir, integral ou parcialmente, a utilização de combustíveis fósseis por outras fontes de energia renováveis e limpas. Como exemplo a essas substituições temos a utilização do etanol e do biodiesel. O primeiro é um biocombustível proveniente em grande maioria da cana-de- açúcar, sendo possível a sua utilização na forma hidratada ou anidra (ANP, 2018). O segundo, o biodiesel tem origem em óleos vegetais ou gordura animal, e sua maior aplicação encontra-se na adição ao óleo diesel rodoviário em um percentual que hoje se encontra em 10% v/v (BIODIESELBR, 2006). O biodiesel foi inserido na matriz energética brasileira através do Programa Nacional de Produção e Uso de Biodiesel (PNPB), programa este implementado pelo Governo Federal cujo objetivo foi a consolidação da produção e do uso do biodiesel de forma sustentável, visando também diminuir a dependência de importação do óleo diesel. Desde então, o uso do biodiesel vem crescendo ao longo dos anos, apresentando como principais vantagens em relação ao óleo diesel a baixa emissão de enxofre, de compostos aromáticos e de monóxidos e dióxidos de carbono, além de ser um combustível biodegradável e uma fonte de energia renovável (APROBIO, 2017). A Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis, através da Resolução ANP nº 30/2016, regulamentou as especificações para o óleo diesel com misturas de até 30% em volume de biodiesel. Características físico químicas tais como a massa específica, viscosidade, número de acidez e estabilidade à oxidação foram estabelecidas de forma a garantir a qualidade do produto durante o armazenamento por longos períodos. Contudo, a principal problemática na utilização de misturas de óleo diesel com concentrações elevadas de biodiesel (misturas acima de 5% em volume) se refere à oxidação. Quando o biodiesel presente no combustível começa a sofrer o processo oxidativo, tem início a formação de ácidos orgânicos corrosivos, gomas insolúveis e depósitos de sedimentos, os quais podem influenciar a operabilidade do veículo, devido principalmente ao aumento do desgaste nas bombas de combustível e nos bicos injetores (WAHNFRIED, 2007). De acordo com o artigo 3° da Resolução ANP Nº 30, de 23 de junho de 2016, o biodiesel é definido como combustível composto de alquil ésteres de ácidos carboxílicos de cadeia longa, produzido a partir da transesterificação ou esterificação de materiais graxos, de origem vegetal ou animal. Outra definição mais sucinta, dada pela mesma agência reguladora, afirma que o biodiesel é um combustível renovável obtido a partir de um processo químico denominado transesterificação. Por meio desse processo, os triglicerídeos presentes nos óleos vegetais e gordura animal reagem com um álcool primário, metanol ou etanol, gerando dois produtos: o éster e a glicerina. O primeiro somente pode ser comercializado como biodiesel, após passar por processos de purificação para adequação à especificação da qualidade, sendo destinado principalmente à aplicação em motores de ignição por compressão - ciclo Diesel (ANP, 2016). Por ter uma origem orgânica de natureza lipídica, o biodiesel apresenta alguns dos mesmos problemas de sua matéria-prima, sendo o principal referente à estabilidade oxidativa. De acordo com Matos (2013), a estabilidade oxidativa se refere à tendência de um combustível de sofrer oxidação. O processo de oxidação gera subprodutos que interferem na qualidade do combustível e, consequentemente, no desempenho das máquinas que utilizam tal fonte de energia. Esta estabilidade oxidativa do biodiesel é determinada a partir do número de sítios ativos que o composto é capaz de formar, pois esses sítios reagem com o oxigênio via mecanismo de auto- oxidação, a partir da reação clássica em cadeia de radicais: iniciação, propagação e terminação (MCCORMICK et al, 2007). A presença de ligações insaturadas nos ésteres das moléculas do biodiesel favorece a degradação oxidativa do biocombustível, e quanto maior a concentração destas ligações, maior a facilidade que o combustível apresenta à oxidação (CHUCK; et al, 2012). Inicialmente, o processo de oxidação gera peróxido de hidrogênio, que posteriormente formam ácidos que também desempenham um papel importante na aceleração da oxidação. Embora o óleo diesel mineral possua uma elevada estabilidade oxidativa quando comparada ao biodiesel, nas misturas entre estes dois combustíveis a instabilidade à oxidação do biodiesel predomina, o que se torna um problema agravante quando ocorre período de armazenamento prolongado, abastecimentos de primeiro enchimento (veículos parados em pátios) e maquinário de uso descontínuo, tais como geradores de energia (WAHNFRIED, 2007). Através do exposto, este trabalho visa avaliar a estabilidade à oxidação de blendas diesel/biodiesel com altas concentrações.

Material e métodos

3.1 Preparação das blendas Os materiais necessários para a preparação das blendas diesel/biodiesel, que consiste em uma amostra de óleo diesel A (isento de biodiesel) e uma amostra de biodiesel, foram fornecidas pela Refinaria Potiguar Clara Camarão, localizada no município de Guamaré/RN. Para a preparação das blendas, primeiramente foi determinada a concentração em gramas por litro da mistura correspondente a concentração volumétrica de interesse. Este procedimento foi adotado visto que uma diluição massa/volume gera um menor um erro de medição. Para este cálculo, utilizou-se a seguinte equação: C(g/L) = C(BX) x (883 g/L / 100%) onde C(BX) é a concentração em porcentagem volumétrica, C(g/L) é a concentração em gramas por litro e o valor de 883 g/L corresponde a massa específica do biodiesel. Após encontrar a concentração em g/L desejada, determinou-se a massa de biodiesel a ser pesada: m(g) = Volume balão x C(g/L) 3.2 Análises no Rancimat As blendas foram analisadas no equipamento Rancimat, modelo 843, do fabricante Metrohm, conforme metodologia descrita na norma europeia EN 15751. Para todas as amostras, utilizou-se uma massa de 7,5 g ± 0,01 g, sendo as amostras submetidas à temperatura constante de 110 °C em um vaso de reação com 25 mm de comprimento e a um fluxo de ar isento de umidade com vazão igual a 10 L/h. O período de indução foi determinado como sendo o ponto de inflexão na curva condutividade (micro siemens/cm) x tempo (h). 3.3 Análises no P-DSC Para as análises no P-DSC, as blendas foram analisadas no equipamento de modelo DSC 204 HP do fabricante Netzsch conforme metodologia descrita na norma ASTM E2009, sendo submetidas as seguintes condições de ensaio pelo método dinâmico: Massa de amostra: B5 = 9,5 mg; B10 = 15,6 mg; B15 = 19,9 mg; B20 = 10,8 mg; B30 = 8,2 mg; B50 = 13,5 mg. Programação de temperatura: Temperatura inicial de 40 °C, razão de aquecimento linear de 20 K/min, até a temperatura final de 500 °C. Atmosfera oxidante: O2(g) com vazão de 35 mL/min. Pressão de ensaio: 35 bar (aproximadamente 3500 kPa). A opção pela escolha do método dinâmico neste trabalho deve-se ao fato de que o procedimento de análise isotérmica levar a resultados de tempo de indução baixos, menor que 5 minutos, mesmo se a temperatura for reduzida para aproximadamente 170 °C, conforme norma ASTM D6186. Além disso, quanto menor a temperatura de ensaio, menor será a intensidade do sinal para o pico analisado, dificultando assim o tratamento dos dados. (CERNÝ; ZELINKA, 2004). Para todas as blendas foram plotados gráficos do fluxo de calor (W/g) x temperatura (°C). Os picos referentes aos eventos exotérmicos de oxidação das blendas foram obtidos e analisados, procurando-se estabelecer as temperaturas iniciais dos eventos exotérmicos de oxidação e a correlação entre a temperatura inicial do evento de oxidação versus aumento na concentração de biodiesel.

Resultado e discussão

4.1 Resultados - Rancimat Os resultados para as análises de estabilidade a oxidação obtidos pelo Rancimat demonstraram que, conforme o percentual de biodiesel aumenta para as blendas, menor é o período de indução para a mistura. Esta conclusão está de acordo com a literatura, visto que, embora o óleo diesel seja muito estável a oxidação, a presença do biodiesel mesmo para baixas concentrações (B5, por exemplo) faz com que a estabilidade oxidativa da mistura decaia de maneira significativa. O período de indução, que é definido como o tempo decorrido entre o início da análise e o momento em que a formação dos produtos de oxidação começam a aumentar rapidamente, diminuiu com o aumento da concentração de biodiesel, uma vez que na blenda haverá uma concentração maior de ésteres presentes. Estes compostos orgânicos, ao serem submetidos a uma temperatura elevada durante um longo período, irão se degradar termicamente, formando como produtos de oxidação intermediários os peróxidos, os quais por sua vez irão formar ácidos orgânicos voláteis de baixo peso molecular, sendo estes os responsáveis pela oxidação da mistura. Na Tabela 1 encontra-se os resultados obtidos para as análises de estabilidade oxidativa pelo Rancimat paras as blendas analisadas. A figura 1 demonstra graficamente a determinação do período de indução para todas as misturas. Nos gráficos, o tempo em que este evento ocorre é representado pela inflexão na curva condutividade elétrica x tempo. Para os resultados obtidos, pode-se verificar que as blendas B5 e B10 apresentaram uma boa estabilidade à oxidação, devido ao fato que o biodiesel presente nessas duas misturas ainda não se encontra em uma quantidade relativamente alta. Porém, para as blendas B15, B20, B30 e B50, a estabilidade à oxidação decaiu de maneira mais acentuada em comparação com as anteriores, sendo um indício de que para blendas acima de 10% em volume a oxidação ocorrerá de forma mais acelerada. 4.2 Resultados – P-DSC Através dos resultados obtidos pelo P-DSC também verificou-se que o aumento da concentração de biodiesel nas blendas diminui a estabilidade à oxidação. A temperatura de início da oxidação (oxidation onset temperature – OOT), obtida pela interseção da extrapolação do sinal DSC referente ao evento exotérmico de oxidação pela linha de base, diminuiu conforme as concentrações em volume de biodiesel aumentavam. Na Tabela 2 constam os resultados obtidos pela análise P-DSC paras as blendas analisadas. Analogamente aos resultados apresentados para o Rancimat, para os resultados obtidos no P-DSC, pode-se verificar que as blendas B5 e B10 apresentam uma elevada temperatura inicial de oxidação, sendo desta forma mais estáveis que as blendas B15, B20, B30 e B50. Conforme esperado, para as blendas B15, B20, B30 e B50 a temperatura inicial de oxidação decaiu de maneira acentuada em comparação com blendas as anteriores, sendo uma evidência de que para blendas acima de 10% em volume será necessária uma menor temperatura para que o processo de oxidação se inicie, sob as mesmas condições de ensaios. A figura 2 demostra graficamente os resultados obtidos pela análise P-DSC paras as blendas analisadas. Analisando as duas metodologias, pode-se observar que ambos os resultados no Rancimat e no P-DSC refletem a mesmas propriedades oxidativas para as blendas: as blendas B5 e B10, por terem uma concentração de biodiesel relativamente baixa, apresentam uma boa estabilidade a oxidação. Com isso pode-se pressupor que a alta estabilidade do óleo diesel predomina na mistura. Porém para as blendas com concentrações mais elevadas, a instabilidade à oxidação do biodiesel passa a predominar na mistura, diminuindo assim tanto o período de indução como a temperatura inicial de oxidação.

Resultados do Período de Indução pelo Rancimat



Resultados da temperatura inicial de oxidação através do P-DSC.



Conclusões

Através dos resultados obtidos pelas análises no Rancimat e no P-DSC pode-se concluir que existe uma rápida diminuição da estabilidade à oxidação para as blendas com teores de biodiesel acima de 10% em volume. Para as blendas com teores de 5% e 10% em volume de biodiesel em óleo diesel A, os resultados de período de indução e temperatura inicial de oxidação mostraram que essas misturas ainda são estáveis em termos de oxidação, podendo ser submetidas a longos períodos de armazenamento desde alguns fatores sejam controlados, tais como temperatura e exposição a atmosfera. Já para as blendas com teores de 15%, 20%, 30% e 50% em volume de biodiesel em óleo diesel A, os resultados de período de indução e temperatura inicial de oxidação demonstraram que essas misturas não possuem uma boa estabilidade à oxidação, sendo necessário a tomada de algumas medidas para contornar esse problema. Uma alternativa economicamente viável seria a utilização de antioxidantes para misturas acima de 10% em volume de biodiesel, podendo este ponto ser objeto de estudo para trabalhos futuros.

Agradecimentos

Ao Laboratório de Combustíveis e Lubrificantes da UFRN.

Referências

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______. ASTM E2009: Standard Test Methods for Oxidation Onset Temperature of Hydrocarbons by Differential Scanning Calorimetry. Pensilvânia-EUA, 2014e.

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AGÊNCIA NACIONAL DO PETRÓLEO, GÁS NATURAL E BIOCOMBUSTÍVEIS. Resolução ANP nº. 30, de 23 de junho de 2016. Dispõe sobre a regulamentação das especificações dos óleos diesel de uso automotivo. Diário Oficial [da] República do Brasil. Brasília, DF, 13 jan. 2017.

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