Obtenção de lipídios estruturados via catálise homogênea entre gordura saturada com óleo de carpa comum e atum bonito

ISBN 978-85-85905-25-5

Área

Alimentos

Autores

Engelmann, J.I. (FURG) ; Monte, M.L. (FURG) ; Silva, P.P. (FURG) ; Igansi, A.V. (FURG) ; Porto, F.B. (FURG) ; Silva, V.B. (FURG) ; Cadaval Jr, T.R.S. (FURG) ; Crexi, V.T. (FURG) ; Pinto, L.A.A. (FURG)

Resumo

Este trabalho teve como objetivo obter lipídios estruturados mediante a interesterificação química entre banha suína e óleos branqueados de carpa comum e atum-bonito. A banha suína foi obtida no comércio local, e os resíduos do beneficiamento de atum bonito e de carpa comum foram cedidos por unidades fabris da cidade do Rio Grande/RS e piscicultores da cidade de Teutonia/RS, respectivamente. A reação de interesterificação química foi estudada por meio de um planejamento experimental fatorial, tendo como variáveis de estudo a proporção de catalisador, a proporção da blenda (banha:óleo) e a espécie de pescado. Os resultados mostraram que as maiores modificações foram obtidas em condições de 1% de catalisador, proporção de 70:30 de banha suína:óleo e uso de óleo branqueado de atum.

Palavras chaves

catálise homogênea; lipídios estruturados; óleo de pescado

Introdução

Nos últimos anos, a crescente demanda por alimentos com propriedades nutricionais tem despertado o interesse da comunidade científica sobre o desenvolvimento de uma nova geração de lipídios, os chamados lipídios saudáveis, produzidos mediante modificação dos triacilgliceróis naturais existentes nos óleos e gorduras (ROHM et al., 2018; XIE; HU 2016).A presença de ácidos graxos de cadeia média (AGCM) e ácidos graxos de cadeia longa (AGCL) em uma mesma molécula de triacilglicerol, pode produzir um composto com propriedades nutricionais e metabólicas únicas. Desta forma, o óleo de pescado surge como uma matéria prima interessante para a produção de lipídios estruturados (PENG et al. 2008; OLIVEIRA, 2015). Entretanto, grande parte dos óleos (como o óleo de pescado) em seu estado natural possuem aplicações limitadas devido à sua composição química específica e seu baixo ponto de fusão, tendo as gorduras, como a banha suína, maior aplicação na formulação de produtos comerciais (CHIU; GIOIELLI, 2008). Entretanto em muitos casos, como o da banha suína, as propriedades desejadas (como por exemplo, ponto de fusão e cristalização) não podem ser encontradas em gorduras puras. Sendo assim, a fim de melhorar as características de óleos e gorduras e aumentar sua aplicabilidade, diversas indústrias tem se interessado por processos de modificação, como a interesterificação química, a partir da qual são produzidos os lipídios estruturados. Os lipídios estruturados são triacilgliceróis reestruturados ou modificados, com o intuito de alterar sua composição em ácidos graxos e/ou sua distribuição nas moléculas de glicerol (OSBORN; AKOH, 2002), visando modificar características físicas (polimorfismo, ponto de fusão, conteúdo de gordura sólida, viscosidade e consistência) e/ou químicas (estabilidade oxidativa) e nutricionais (presença ou ausência de ácidos graxos saturados ou insaturados de fácil absorção e digestão) dos triacilgliceróis (SILVA; GIOIELLI, 2009; XIU; HU, 2016). Com base no exposto, este trabalho teve como objetivo obter lipídios estruturados mediante a interesterificação química entre a banha suína e os óleos branqueados de carpa comum e atum-bonito.

Material e métodos

A banha suína foi obtida no comércio local, os resíduos (cabeças) do beneficiamento de atum bonito (Katsuwonus pelamis) foram cedidos por unidades fabris da cidade do Rio Grande/RS, e os resíduos (cabeças) de carpa comum (Cyprinus carpio) foram obtidos junto a piscicultores da cidade de Teutonia/RS. O processo de obtenção de óleo de pescado via processo termomecânico foi realizado de acordo com Crexi et al. (2010), sendo realizadas as etapas de cocção, prensagem e centrifugação. O refino do óleo bruto foi realizado de acordo com as metodologias descritas por Crexi et al. (2010) e Monte et al. (2015), sendo composto pelas etapas de degomagem, neutralização, lavagem e branqueamento. Para a avaliação da reação de interesterificação sobre a modificação do grau de instauração dos lipídios, as condições da reação foram estudadas por meio de um delineamento experimental fatorial completo (23) (BOX et al., 2015). Sendo as variáveis de estudo, a quantidade de catalisador (0,5 e 1%, m/m), a proporção das misturas de gordura saturada e óleo de pescado (90:10; 70:30, m/m) e a espécie utilizada para obtenção do óleo (carpa comum e atum- bonito). O efeito de cada uma das variáveis estudadas foi determinado a partir de análise de variância (ANOVA) ao nível de 95% de confiança (p<0,05). Os experimentos da matriz experimental foram realizados em duplicata. A reação de interesterificação química foi realizada mediante adição do catalisador metóxido de sódio nas diferentes misturas, mantendo-se sob agitação de 100 rpm, vácuo de 710 mmHg e temperatura de 60°C. Após 1 h, a reação foi interrompida com a adição de 10% (m/m) de água destilada aquecida (80°C). Os lipídios foram filtrados em sulfato de sódio anidro para minimizar seu escurecimento e retirar a umidade remanescente (SILVA; GIOIELLI, 2009; ENGELMANN et al., 2018). As cabeças dos pecados foram caracterizadas em relação aos seus conteúdos de umidade, cinzas e proteínas de acordo com a metodologia da AOAC (1995). O teor de lipídios foi pelo método de Bligh e Dyer (1959). Os óleos branqueados foram caracterizados em relação ao conteúdo de ácidos graxos livres (AGL) (Ca 5a–40) e índice de peróxido (IP) conforme as metodologias da American Oil Chemists’ Society (AOCS, 2017). O grau de insaturação dos lipídios, representado pelo índice de iodo (II), foi determinado por ressonância magnética nuclear (RMN), conforme metodologia proposta por Reda e Carneiro (2006). Os perfis de ácidos graxos presentes nas matérias primas (banha suína, cabeças de carpa e atum) e nos lipídios estruturados foram determinados através de cromatografia gasosa (Crexi et al., 2012). O preparo das amostras para injeção no equipamento na forma de ésteres foi realizado conforme proposto por Metcalfe et al. (1966). O ponto de fusão foi determinado por calorimetria diferencial exploratória (DSC) com sistema de resfriamento contendo nitrogênio líquido de acordo com a metodologia proposta por Huang e Sathivel (2008).

Resultado e discussão

As cabeças de carpa comum apresentaram teores (%m/m) de umidade 70,10 ± 0,01%, de cinzas de 7,98 ± 0,20%, de proteínas de 11,50 ± 0,47% e de lipídios de 10,42 ± 0,52%. As cabeças de atum bonito apresentaram 67,28 ± 0,15 % de umidade, 8,85 ± 0,45 % de lipídios, 16,37 ± 0,25 de proteínas e 7,5 ± 0,30 de cinzas. Resultados semelhantes foram apresentados por Crexi et al (2012) para cabeça de carpa comum, e por Oliveira et al (2017) para cabeças de atum (Thunnus albacares). Os rendimentos da extração de óleo bruto a partir das cabeças de carpa e atum via processo termomecânico foram de 85 e 88%, respectivamente. Já os rendimentos em óleos branqueado de carpa comum e atum-bonito no refino químico foram de 65 e 75%, respectivamente, em relação aos óleos brutos. Após o processo de refino químico, os óleos branqueados de ambos os pescados apresentaram seus níveis de acidez (1,0%) e de peróxido (10 meq/kgóleo) abaixo dos máximos exigidos pelo FDA (FDA, 2002). Da mesma forma, a banha suína utilizada, bem como os lipídios estruturados produzidos apresentaram conteúdo de ácidos graxos livres e índice de peróxido de acordo com os níveis exigidos pela legislação. Em relação ao índice de iodo, as matérias primas banha suína, óleo branqueado de atum e óleo branqueado de carpa, apresentaram valores de 76, 115, 168 cgI2/g, respectivamente. Esta diferença entre as matérias primas sugere que estas apresentavam diferenças em relação aos seus perfis de ácidos graxos. Na Tabela 1 são apresentados os valores de índice de iodo obtido para cada experimento da matriz do delineamento experimental para a reação de interesterificação realizada. Com os resultados da análise estatística foi possível verificar que apenas os efeitos principais das variáveis proporção da blenda e espécie de pescado, bem como a interação entre estas, apresentaram significância em um nível de 95% de confiança (p<0,05). A variável proporção de mistura, além de ser significativa apresentou um efeito positivo sobre a resposta, ou seja, quanto passa-se do nível inferior para o superior o grau de insaturação do lipídio estruturado é aumentado. Já a variável espécie de pescado apresentou um efeito negativo sobre o II, demonstrando que o uso de óleo de atum (nível inferior) levou a um aumento no grau de insaturação dos lipídios produzidos. A banha suína e os óleos branqueados de carpa comum e atum-bonito apresentaram em maiores quantidades os ácidos graxos palmítico (21,0% 19,4% e 20,0%) oleico (42,0%, 33,0% e 18,0%) e linoleico (19,4%, 11,7% e 5,8%), respectivamente. Cabe ressaltar que o grande diferencial observado quando se compara o óleo de carpa com o óleo de atum, deve-se a presença dos ácidos graxos EPA (eicosapentaenóico) e DHA (docosahexaenóico), que compunham 22,8% do óleo de atum e 9,1% do óleo de carpa. Segundo Nurhasan et al. (2018), devido as questões ambientais e de alimentação, os peixes de água doce são fontes de ácidos graxos C18:2 (ômega 6) e C18:3 (ômega 3), enquanto os peixes de águas marinhas são compostos por quantidades consideráveis de EPA e DHA. Estes ácidos graxos são de extrema importância, visto que o corpo humano não é capaz de sintetizá-los, sendo necessária sua ingestão através dos alimentos. No organismo, os ácidos graxos linoleico (C18:2) e linolênico (C18:3) podem se tornar precursores da síntese de EPA e DHA, entretanto, estudos revelam que apenas uma pequena fração do ácido linolênico é convertido em EPA e a síntese de DHA é limitada (NUNES et al., 2017; NURHASAN et al., 2018). Em relação ao perfil de ácidos graxos dos lipídios estruturados produzidos, pode-se observar a presença, em maiores quantidades, dos ácidos graxos palmítico, oleico e linoleico. Além das diferenças observadas em relação as quantidades de cada ácido graxo quando utilizou-se os diferentes óleos de pescados, vale ressaltar que as quantidades de EPA e DHA foram consideravelmente diferentes (p < 0,05), sendo que o ácido graxo DHA só estava presente nos lipídios estruturados produzidos a partir de óleo de atum. Na Figura 1 são apresentados os termogramas de fusão das matérias primas utilizadas, bem como dos lipídios estruturados produzidos. A partir da curva da banha suína observa-se a presença de dois picos nas temperaturas de -5 °C e 25 °C, os quais estão relacionados aos altos teores de ácido oleico, linoleico e palmítico, respectivamente. A partir do termograma do óleo de atum (Figura 1a) e de carpa (Figura 1b) pode-se observar que estes apresentaram dois picos diferentes, em torno de -45 °C, -5°C e -35 e -5°C. O primeiro pico foi atribuído ao ponto de fusão de ácidos graxos poli- insaturados, como os ácidos graxos da família ɷ-3, já o segundo refere-se ao ácido graxo oleico e linoleico. Em relação aos lipídios estruturados produzidos, pode-se observar que estes apresentaram comportamento de fusão semelhante ao da banha suína, o que é justificado pelo fato da maior parte da blenda ter sido composta por banha suína. Desta forma, as amostras apresentaram dois picos de fusão bem definidos em temperaturas em torno de -15 e -10°C, relacionados aos ácidos graxos oleico e linoleico, e os picos entre 25 e 30°C, foram relacionados ao ácido graxo palmítico. As curvas de fusão obtidas foram consistentes com os dados dispostos na literatura para óleos de pescado (HUANG; SATHIVEL, 2008).

Tabela 1 – Resultados do planejamento experimental (2³)

Valor médio ± erro padrão (em duplicata).

Figura 1- Curvas de fusão dos lipídios estruturados

(a) banha suína com óleo de atum (b) banha suína com óleo de carpa

Conclusões

Com base nos resultados obtidos pode-se afirmar que a reação de interesterificação química foi eficiente na modificação do índice de iodo e o perfil de ácidos graxos da banha suína. Sendo observado que as maiores modificações foram obtidas quando se fez uso de maiores quantidades óleo de atum e de catalisador. Em relação ao comportamento de fusão, foi observado que todos os lipídios apresentaram comportamento semelhante a banha suína, sendo que além dos picos semelhantes ao da gordura saturada, foi observado um terceiro pico que pode ser associado a presença de ácidos graxos poli- insaturados.

Agradecimentos

Os autores agradecem a CAPES, CNPq e aos projetos DCIT 70/2015 e DCIT 77/2016 da Secretaria de Desenvolvimento, Ciência e Tecnologia pelo incentivo financeiro.

Referências

AOAC - ASSOCIATION OF OFFICIAL ANALYTICAL CHEMISTS. Official Methods of Analysis, 16th ed., Arlington, VA, 1995.
AOCS - AMERICAN OIL CHEMISTS' SOCIETY. Official methods and recommended practices of the American Oil Chemist's Society. 7th ed. Illinois: Urbana, 2017.
BOX, G. E. P.; HUNTER, J. S.; HUNTER, W. G. Statistics for Experiments: Design, Innovation, and Discovery. 2nd ed. Hoboken: John Wiley and Sons Inc, 2005.
CHIU, M. C.; GIOIELLI, L. A. Lipídios estruturados obtidos a partir da mistura de gordura de frango, sua estearina e triacilgliceróis de cadeia média. II-pontos de amolecimento e fusão. Revista Química Nova, v. 31, n. 2, 238-243, 2008.
CREXI V. T.; MONTE, M. L., SOUZA-SOARES, L. A.; PINTO, L. A. A. Production and refinement of oil from carp (Cyprinus carpio) viscera. Food Chemistry, v. 119, 945-950, 2010.
CREXI, V. T.; MONTE, M. L.; MONTE, M. L.; PINTO, L. A. A. Polyunsaturated fatty acid concentrates of carp oil: chemical hydrolysis and urea complexation. Journal of the American Oil Chemists' Society, v.89, 329-334, 2012.
ENGELMANN, J. I.; SILVA, P. P.; IGANSI, A V.; POHNDORF, R. S.; CADAVAL JR, T. R. S.; CREXI, V. T.; PINTO, L. A. A. Structured lipids by swine lard interesterification with oil and esters from common carp viscera. Journal of Food Process Engineering, v. 41, n°4, 2018.
FDA- Office of food additive safety. GRAS notification. New York: New York, 2002.
HUANG, J.; SATHIVEL, S. Thermal and rheological properties and the effects of temperature on the viscosity and oxidation rate of unpurified salmon oil. Journal of Food Engineering, v. 89, n° 2, 105–111, 2008.
METCALFE, L. D.; SCHMITZ, A. A.; PELKA, J. R. Rapid preparation of fatty acid esters from lipids for gas liquid chromatography. Analytical Chemistry, v. 38, n° 3, 514–515, 1966.
MONTE, MAURÍCIO L.; MONTE, MICHELI L.; POHNDORF, R. S.; CREXI, V. T.; PINTO, L. A. A. Bleaching with blends of bleaching earth and activated can reduces color and oxidation products of carp oil. European Journal of Lipid Science and Technology, v. 117, 829-836, 2015.
NUNES, B.; PINHO, C.; SOUSA, C.; MELO, A. R.; BANDARRA, N.; SILVA, M. C. Relevance of Omega-3 and Omega-6 / Omega-3 Ratio in Preventing Cognitive Impairment. Portuguese medical acta, v. 30, n° 3, 213-22, 2017.
NURHASAN, M.; ROOS, N.; SKAU, J. K. H.; WIERINGA, F. T.; FRIIS, H.; MICHAELSEN, K. F.; DIJKHUIZEN, M. A.; STARK, K. D.; RITZ, C.; CHHOUN, C.; LAURITZEN, L. Effect of complementary food with small amounts of freshwater fish on whole blood n-3 fatty acids in Cambodian infants age 6-15 months. Prostaglandins, Leukotrienes and Essential Fatty Acids, v. 135, 92-101, 2018.
OLIVEIRA, P. D.; RODRIGUES, A. M.C.; BEZERRA, C. V.; SILVA, L. H. M. Chemical interesterification of blends with palm stearin and patawa oil. Food Chemistry, v. 215, n° 15, 369-376, 2017.
OSBORN, H. T.; AKOH, C. C. Structured lipids – novel fats with medical, nutraceutical, and Food applications. Comprehensive Reviews Food Science Food Safety, v. 3, n° 1, 93-103, 2002.
PENG, S.; CHEN, L.; QIN, J. G. Effects of replacement of dietary fish oil by soybean oil on growth performance and liver biochemical composition in juvenile black seabream, Acanthopagrus schlegeli. Aquaculture, v. 276, 154–161, 2008.
REDA, S. Y.; CARNEIRO, P. I. B. Physicochemical parameters of maize oil in natura and after heating calculated by means of the proteus rmn H1 program. UBLICATIO UEPG: Exact and earth sciences, agricultural and engineering, v. 12, 31-36, 2006.
ROHM, H.; SCHÄPER, C.; ZAHN, S. Interesterified fats in chocolate and bakery products: a concise review. LWT - Food Science and Technology, v. 87, 379-384, 2018.
SILVA, R. C.; GIOIELLI, L. A. Lipídios estruturados: alternativa para a produção de sucedâneos da gordura do leite humano. Revista Química Nova, v. 32, n° 5, 2009.
XIE, W.; HU, P. Production of structured lipids containing medium-chain fatty acids by soybean oil acidolysis using SBA-15-pr-NH2-HPW catalyst in a heterogeneous manner.
Organic Process Research and Development, v. 20, 637–645, 2016.

Patrocinadores

Capes Capes CFQ CRQ-PB FAPESQPB LF Editorial

Apoio

UFPB UFPB

Realização

ABQ