Caracterização de biomassas lignocelulósicas brutas para obtenção de produtos de biorrefinarias

ISBN 978-85-85905-25-5

Área

Bioquímica e Biotecnologia

Autores

Borges, M.S. (UNIVERSIDADE FEDERAL DO TOCANTINS) ; Santana Junior, C.C. (UNIVERSIDADE FEDERAL DO TOCANTINS) ; Fernandes, R.M.N. (UNIVERSIDADE FEDERAL DO TOCANTINS) ; Viroli, S.L.M. (INSTITUTO FEDERAL DE EDUCAÇÃO, CIÊNCIA E TECNOLOGI) ; Rambo, M.K.D. (UNIVERSIDADE FEDERAL DO TOCANTINS) ; Scapin, E. (UNIVERSIDADE FEDERAL DO TOCANTINS)

Resumo

A crescente demanda por hidrocarbonetos fósseis e o aumento dos preços do petróleo têm levado a indústria química à busca de novos recursos renováveis que possam substituir os combustíveis fósseis no atual sistema de produção. Novas fontes de energia renováveis têm sido estudadas e dentre as alternativas encontradas a biomassa tem se destacado. O presente trabalho visa caracterizar biomassas residuais produzidas no Estado do Tocantins como a casca do pequi, do cupuaçu e do arroz, por meio de hidrólise ácida (NREL), normas da Sociedade Americana de Testes e Materiais (ASTM) e métodos colorimétricos. Comparando os melhores rendimentos de açúcares entre as biomassas, foi possível verificar a viabilidade de utilização dessas biomassas como matéria-prima para produção de bio-produtos.

Palavras chaves

Biorrefinaria; Cerrado; Carboidratos

Introdução

Inúmeras biomassas diferentes podem ser usadas como matéria-prima em uma biorrefinaria lignocelulósica, dos resíduos derivados da floresta ou agricultura aos resíduos agroindustriais. O consumo anual atual de biomassa lignocelulósica nas bioindústrias em comparação com a disponibilidade total de biomassa, é relativamente pequeno (HASSAN; WILLIAMS & JAISWAL, 2019). A biomassa lignocelulósica é matéria prima capaz de ser transformada em líquidos, gases, combustíveis, produtos químicos e outros produtos termoquímicos relevantes para a indústria (RAMBO et al., 2011). A fabricação de produtos com alto valor agregado a partir da utilização destas biomassas, de forma sustentável, evita prejuízos ambientais devido ao descarte inadequado desses materiais, além do avanço de uma economia sustentável (DOUMER et al., 2015; CHRISTENSEN et al., 2008). Há uma gama considerável de blocos construtores químicos derivados dos materiais lignocelulósicos (PAULA et al., 2011) e como os recursos fósseis diminuem dia a dia, o desenvolvimento de recursos alternativos torna-se um ponto chave no campo de pesquisa em química. Derivados como o xilitol, edulcorante para alimentos, etanol de segunda geração e outros inúmeros solventes e percursores de polímeros, podem ser produzidos a partir da celulose presente na biomassa lignocelulósica (SIQUEIRA, 2014). Segundo CASANOVA et al. (2010), a síntese de combustíveis e produtos químicos a partir da biomassa faz ênfase à necessidade de desenvolver uma política ambientalmente sustentável. A conversão de biomassa em produtos químicos de valor agregado é o desafio atual (DUTTA, DE e SAHA, 2013) e vários estudos já foram realizados utilizando diferentes tipos de biomassas residuais brutas, como: raízes de girassol e batata (YI et al., 2012), alcachofra de Jerusalém (SEO e HAN, 2014), palha de trigo (PRIYADHARSHINI e INFEE SHERLEY, 2015), melaço de cana (HOWARD et al., 2018), palha de milho, sorgo e gramíneas (LI et al., 2018), entre outros. Neste contexto, o Pequi (Caryocar brasiliense), o Cupuaçu (Theobroma grandiflorum) e o Arroz (Oryza sp.) são biomassas abundantes no estado do Tocantins e de papel importante na vida dos habitantes da região. Tal papel não se configura apenas do ponto de vista alimentar, mas também econômico, cultural e ecológico. O aproveitamento desses subprodutos produzidos no estado é de grande interesse por valorizar e ajudar no desenvolvimento de práticas sustentáveis dessas matérias-primas disponíveis. O objetivo do presente trabalho foi aplicar metodologias simples para caracterização e investigação de carboidratos dessas biomassas visando a produção de compostos químicos derivados a partir de hidrólise ácida.

Material e métodos

Amostras: as biomassas (casca de pequi, cupuaçu e arroz) foram limpas e secas em temperatura ambiente por 48h, e por mais 24h em estufa a 50 °C. No pré-tratamento físico, as cascas foram moídas utilizando-se moinho de facas tipo Willey (22 mesh) (Start FT 50 - Fortinox), peneiradas até o tamanho de partículas (180-850 μm) e armazenadas em frascos de vidros herméticos. Análise aproximada: os procedimentos utilizados para análise química aproximada ou imediata, como o teor de umidade (W), teor de matéria volátil (TMV), teor de cinzas (CZ) e teor de carbono fixo (CF) foram realizados seguindo os procedimentos normatizados da Sociedade Americana de Testes e Materiais (ASTM). Extrativos: a análise de extrativos foi realizada em um extrator Soxhlet, utilizando aproximadamente 3 g de cada amostra de biomassa e 190 mL de etanol (95%), onde o tempo reacional foi otimizado em 10h (Laboratório Nacional de Energia Renovável – NREL, 2011b). Após o final do refluxo, os cartuchos foram retirados e colocados em placas de Petri no balcão por 48h para secarem. Composição da biomassa: hidrólise ácida: As amostras (300 mg) foram submetidas a um processo de hidrólise ácida usando o procedimento metodológico descrito pelo Laboratório Nacional de Energia Renovável (NREL, 2011b), com ácido sulfúrico a 72% (3 mL) e transferidas para um banho-maria, mantidos a 60 °C por 1h, e agitados a cada 10min. Posteriormente, foram adicionados na amostra 84 mL de água e transferida para autoclave (autoclave vertical, Phoenix) por 1h a 120 ºC. Os tubos de pressão foram filtrados em cadinhos de porosidade média (10 a 15 μm). Os sólidos retidos nos cadinhos filtrantes foram levados à estufa a 105 ºC para posterior análise do teor de resíduo ácido insolúvel (AIR), e em seguida mantidos na mufla a 4h a 575 ºC, para obtenção da cinza ácida insolúvel (AIA). Determinação da composição do hidrolisado: a)Determinação de glicose pelo método enzimático colorimétrico O procedimento analítico consistiu em adicionar 50 µL da amostra hidrolisada de cada biomassa e 1,5 mL da solução de reagente enzimático, levadas a banho-maria a 37 °C durante 15min, juntamente com o branco, contendo somente a solução padrão glicose. Posteriormente, determinou-se a absorbância das amostras em 505 nm, em espectrofotômetro Hach Dr5000. b)Determinação de açúcares redutores totais (ART) por método colorimétrico Para dosagem de açúcares redutores foi utilizada a metodologia descrita por Miller (1959). Adicionou-se em cada tubo 1,0 mL da amostra hidrolisada e 1,0 mL do reativo DNS. Em seguida, os tubos foram aquecidos em banho fervente por 5min e posteriormente resfriados em gelo. O branco dessa reação é somente água destilada. Por fim, foram adicionados 8,0 mL de água em cada tubo e as absorbâncias lidas, individualmente, a 540 nm. c)Determinação de lignina solúvel em ácido (ASL) Em cubetas, 0,5 mL do hidrolisado com 2,5 mL de ácido sulfúrico 4% é lido em comprimento de onda de 294 nm. O branco é ácido sulfúrico 4%.

Resultado e discussão

As cascas analisadas foram coletadas em uma região típica de cerrado e durante o período chuvoso. Como estas espécies são encontradas em várias regiões do Brasil, a composição química das biomassas pode variar de acordo com a composição do solo, características climáticas e diferentes qualidades dos frutos e do cereal. A Tabela 1 apresenta a composição química das cascas analisadas após hidrólise ácida. Tabela 1 - Composição química das biomassas brutas. O teor de umidade encontrado nas biomassas analisadas é maior na casca de pequi (7,11%). Excessos de umidade podem dificultar os custos de armazenagem e manipulação bem como aumentar os custos de transporte desses resíduos (RAMBO et al., 2011). Já o teor de matéria volátil é alto em ambas as biomassas, indicando que elas podem ser bem aproveitadas na produção de energia na combustão. O baixo teor de cinzas é importante para a formação de bio-produtos. Altos teores, segundo Bruun et al. (2010), em uma hidrólise ácida, um teor de cinzas alto pode influenciar numa maior quantidade de ácido utilizada na reação, entretanto, segundo Rambo et al. (2011) devido a casca de arroz conter alto teor de sílica (80-90%) essas cinzas podem ser aproveitadas em áreas agricultáveis para correção de solo e fertilizantes. Altos teores de extrativos como na casca do pequi (34,96%) podem influenciar as tecnologias de bio-refino e a dinâmica de armazenamento da biomassa, interferindo no processo de hidrólise ácida e dando resultados imprecisos para os bio-produtos. Entretanto, os baixos valores encontrados para extrativos nas cascas de cupuaçu e arroz (5,95% e 1,97%), respectivamente, neste estudo não indicam a necessidade de remoção (BROWNING, 1967). A casca de cupuaçu por apresentar um alto teor de lignina (35,25%) apresenta grande potencial no aproveitamento de compostos aromáticos em biorrefinarias. Baixos teores de lignina observados nas cascas de pequi e arroz (25,71% e 20,88%), apresentam grande potencial em processos de hidrólise ácida (RAMBO, 2013). O teor de glicose e ART analisados neste trabalho indicam que as biomassas têm potencial para a biorrefinaria no fornecimento de bio- produtos, com destaque para a casca de arroz (23,3% de glicose), entretanto, é preciso quantificar os outros tipos de açúcares presentes nessas biomassas para melhorar aproveitamento energético.

Tabela 1

Composição química das biomassas brutas.

Conclusões

O reaproveitamento das cascas de pequi, cupuaçu e arroz, além de auxiliar na redução do custo envolvido com a produção de produtos químicos de alto valor agregado, contribui para a mitigação de passivos ambientais, tais como, controle e a redução dos impactos ao meio ambiente, bem como a diminuição com os gastos de energia e materiais. Comparando os melhores rendimentos entre as biomassas, concluiu-se que, para bons rendimentos em produção de bio-produtos, a casca de arroz apresentou melhores características. No entanto, ainda há necessidade de mais estudos visando otimizar as metodologias para um maior aproveitamento dessas biomassas.

Agradecimentos

UFT, LABQUIM, PPGCIAMB.

Referências

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