PARTICIONAMENTO DA LACTOSE DO SORO DO LEITE ATRAVÉS DE UM SISTEMA AQUOSO DE DUAS FASES COMPOSTO POR POLÍMERO E SAL.

ISBN 978-85-85905-25-5

Área

Bioquímica e Biotecnologia

Autores

Santos, J.L.C.B. (UNIT) ; Souza, R.L. (ITP) ; Soares, C.M.F. (ITP) ; Pereira, M.M. (UNIT) ; Lima, A.S. (ITP)

Resumo

Neste trabalho analisou-se o particionamento da lactose utilizando um ATPS constituído por polietilenoglicol (de massas 300, 400, 600 e 1000 g.mol-1) e sais diferentes, em uma matriz real de soro do leite. O ponto de mistura escolhido foi de 60% de soro de leite, 20% de Polietilenoglicol (PEG) e 20% de sal, onde houve testes iniciais com o PEG400 e consequente otimização utilizando os demais PEG’s. Após a formação dos sistemas, as fases foram analisadas através da metodologia Lane-Eynon, onde verificou-se um particionamento preferencial da lactose para a fase de fundo, alcançando até 92% de eficiência de extração para esta fase. O presente sistema mostra-se uma metodologia barata e simples para extração da lactose do soro do leite podendo ser aplicada para o seu beneficiamento.

Palavras chaves

Lactose; ATPS; Particionamento

Introdução

Atualmente o Brasil é o terceiro maior produtor mundial de leite, conseguindo a produção de mais 24,4 bilhões de litros inspecionados no ano de 2018. Deste montante, aproximadamente 33,98% são utilizados para a produção de queijos (EMBRAPA, 2019). Para produzir um quilo de queijo, a indústria láctea utiliza aproximadamente 10 litros de leite, onde também são gerados cerca de 9 litros de um resíduo denominado soro do leite. Como subproduto, o soro do leite contém cerca de 50% dos nutrientes do leite, apresentando uma cor amarelo-esverdeada, com composição centesimal variada, mas que gira em torno de 93% de agua, 4,3-5,0% de lactose, 0,9% de proteínas e 1,6% de vitaminas, sais minerais e outros componentes (GONZÁLEZ, 1996). Devido ao elevado conteúdo de substâncias orgânicas presentes, apresenta um alto poder poluente, com uma demanda bioquímica de oxigênio (DBO) que varia de 27 a 60 kg·m-3 (PRAZERES et al, 2012). Desta forma, as instituições e pesquisadores tem efetuado esforços para criar alternativas eficientes e sustentáveis de aproveitamento do soro do leite e seus constituintes, pois a utilização industrial desse subproduto contribuirá para o enriquecimento e desenvolvimento de novos produtos alimentícios, ingredientes nutrifuncionais, farmacêuticos e bioquímicos (PELEGRINI et al, 2008). Um dos constituintes do soro do leite é a lactose, um dissacarídeo formado por galactose e glicose com nome cientifico de Galactose-β-1,4-glucose e massa molar de 343,2 g.mol-1. É um açúcar de sabor aprazível, que industrialmente é utilizado na produção de vários produtos, como pães, biscoitos, sorvetes, enlatados, fermentados; é empregado também como excipientes em medicamentos e na indústria químico-farmacêutica é precursora da lactulose, ácido láctico, polilactato, etanol, ácido lactobiônico, lactitol, β-galactosidases e outros (COLOGNESI et al, 2013). Devido a estes potenciais usos, faz-se necessário o aproveitamento da biomolécula presente no soro do leite e um adequado protocolo de extração que consiga um alto grau de pureza, agregando um maior valor econômico à mesma. Desde a década de 50 a comunidade cientifica estuda e utiliza Sistemas aquosos de duas fases (ATPS – Aqueous Two-Phase Systems, em inglês) para a extração e recuperação de compostos químicos, bioquímicos e materiais biológicos; as vantagens desta técnica incluem potencial de expansão, operação contínua, facilidade de integração de processos, baixa toxicidade de fase e biocompatibilidade (ASENJO et al, 2011). ATPS são formados quando compostos hidrofílicos, tais como alguns tipos de polímeros (polietilenoglicol - PEG, dextrano - DEX, polipropilenoglicol - PPG, etc.), sais (fosfatos, sulfatos, citratos, etc.), carboidratos ou líquidos iônicos (ILs) são combinados em certas concentrações críticas, resultando na formação de duas fases hidrofílicas. Estas fases hidrofílicas traduzem a potencialidade dos sistemas aquosos de duas fases em extração de biopotenciais, pois a maioria dos biocompostos necessitam de meios hidrofílicos para manterem suas propriedades intactas (BENAVIDES et al, 2008). Além disto, existe a possibilidade dos ATPS formarem um particionamento trifásico (TPP), onde além das duas fases usuais do sistema, temos a criação de uma fase adicional (interface), onde algum precipitado desejado se formará (VENTURA et al, 2017). Sistemas aquosos de duas fases compostos por PEG e sal já foram aplicados para recuperação de íons metálicos de soluções aquosas (ROGERS et al, 1996), recuperação de corantes alimentares de resíduos de plantas têxteis (HUDDLESTON et al, 1998), extração e recuperação da ovoalbumina da clara do ovo (PEREIRA et al, 2016), recuperação do plasmídeo pDNA. (TRINDADE et al, 2005). ATPS têm sido amplamente utilizados para a separação e recuperação de produtos biológicos como proteínas, anticorpos monoclonais, DNA, células e compostos de baixo peso, entre outros, com altas porcentagens de recuperação preservando a atividade dos bioprodutos (TORRES-ACOSTA et al, 2018). O presente estudo teve como objetivo analisar o particionamento da lactose oriunda do soro do leite, através de um sistema aquoso de duas fases, com o intuito do desenvolvimento de uma técnica alternativa barata e eficiente para o beneficiamento da molécula, de maneira sustentável, rápida e com potencial de uso industrial.

Material e métodos

Para a formação dos ATPS foram utilizados os sais de Citrato de Sódio dihidratado (‎C6H5Na3O7.2H2O), Fosfato de Potássio dibásico (K2HPO4), da Neon; Sulfato de Amônio ((NH4)2SO4), da Vetec; Sulfato de Sódio anidro (Na2SO4) e Carbonato de Sódio anidro (Na2CO3), da Synth; e Fosfato de Potássio tribásico (K3PO4), da Dinâmica. Polietilenoglicol de diferentes massas molares, sendo o de 300 g.mol-1 (PEG300) proveniente da Dinâmica, 400 g.mol-1 (PEG400) da Synth, 600 g.mol-1 (PEG600) e 1000 g.mol-1 (PEG1000) da Sigma Aldrich. O soro do leite foi obtido de um produtor da cidade de Nossa Senhora da Glória, Sergipe, e utilizado sem nenhum pré-tratamento. O experimento ocorreu a 25°C e 1 atm. Os sistemas foram montados com uma massa total de 10 gramas, distribuídos em 60% de soro de leite, 20% de PEG e 20% de sal, misturados em tubo centrífuga tipo falcon de 15mL. Após, houve a homogeneização utilizando um agitador de tubos Phoenix Ap-56 por 2 minutos; consequentemente os sistemas foram centrifugados por 20 minutos a 2000 rpm em uma CentriBio 80-2B para acelerar e completar a separação das fases. As fases foram separadas, pesadas e analisadas quanto a presença de lactose em açucares redutores utilizando a metodologia oficial do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA, 2014; LANE-EYNON, 1923). O soro do leite in natura também foi analisado segundo esta metodologia. Cada sistema foi analisado em duplicata e cada fase de cada sistema foi analisada também em duplicata. O particionamento da lactose foi mensurado utilizando a eficiência de extração, de acordo com a Equação 1, onde EE indica a eficiência da extração para a fase de fundo, mLT é a massa de lactose quantificada na fase de topo, mLI é a massa quantificada na interface e mLF a massa quantificada na fase de fundo. Equação 1: EE% = [(mLF)/∑(mLT, mLI, mLF)] X 100

Resultado e discussão

Os primeiros experimentos foram realizados utilizando o PEG400 e os sais listados. A escolha do PEG400 ocorreu, pois, o mesmo já apresenta inúmeros estudos de particionamento envolvendo matrizes reais e complexas (PEREIRA et al, 2016; DE SOUZA et al, 2013). Estes testes ocorreram com fim de testar o ATPS e notar se haveria particionamento da lactose. Os sistemas dividiram-se em três fases: uma fase de topo, rica em PEG; uma interface fina, ou fase de meio; e uma fase de fundo rica em sal. Estes primeiros experimentos permitiram mensurar a massa, em mg, da lactose em cada fase. Os dados iniciais mostraram que há uma maior migração da molécula alvo para a fase de fundo dos sistemas. Com os valores encontrados, pôde-se aplicar a Equação 1 para encontrar a eficiência de extração para a fase de fundo, pois ela foi a fase de maior preferência da lactose em todos os sistemas estudados, como pode-se observar na Figura 1 (Gráfico A). Para o PEG 400, o sistema que apresentou o particionamento mais preferencial foi o formado com carbonato de cálcio, onde dos 269,92 mg (desvio padrão de 0,40) de lactose presentes, 246,66 mg (desvio padrão de 6,26) foi para a fase de fundo; 7,78 mg (desvio padrão de 0,87) foram para a fase de topo e 11,72 (desvio padrão de 6,41) mg para a interface. O sistema de menor preferência da lactose para a fase de fundo foi o constituído por fosfato de potássio dibásico, onde 270,13 mg (desvio padrão de 0,69) da molécula foram adicionados e 162,12 mg (desvio padrão de 4,50) foram para a fase de fundo. Os resultados iniciais mostraram-se pertinentes para a aplicação dos ATPS no particionamento da lactose. Seguiu-se então os testes com os demais PEG’s (300, 600 e 1000 g.mol-1). Para estas avaliações, utilizou-se apenas os sais de citrato de sódio e sulfato de sódio pois apresentaram melhor facilidade de preparo do sistema, maior interface, fases mais definidas e o fato de um ser orgânico e outro inorgânico. Foram feitos os sistemas e analisadas as fases quanto a massa da biomolécula presente em cada. Da mesma forma que anteriormente, notou-se a preferência do particionamento da molécula alvo para a fase de fundo. A Figura 1 (Gráfico B) evidencia a eficiência da extração para a fase de fundo. Todos os dados obtidos mostraram um particionamento preferencial da lactose para a fase de fundo no sistema PEG/sal testados. Verifica-se valores que estão entre 47,69% ± 1,62 (PEG300/Citrato de sódio) até 92,77% ± 2,69 (PEG400/Fosfato de potássio) em eficiência de extração. Esta preferência para fase de fundo pode ser explicada, essencialmente, por dois motivos. O soro do leite contém proteína, que particiona prioritariamente para a fase oposta a fase rica em sal (neste estudo, a fase de topo), decorrência do efeito salting-out advindo dos sais utilizados (ZASLAVSKY et al, 1982; MICHEL et al, 2015). Desta forma, a fase de topo já está congestionada de moléculas, diminuindo o potencial químico da fase; em contrapartida, a fase de fundo está com um potencial químico maior, facilitando a alocação da lactose. O outro motivo apontado como determinante para a extração da lactose para a fase de fundo é que a biomolécula tem uma solubilidade menor em soluções de PEG, migrando para a fase rica em sal (BRITO, 2007). De modo sustentável, este processo pode ser parte de um protocolo maior, onde além da formação dos ATPS, pode-se fazer o reciclo dos itens formadores e a recuperação da lactose e demais biomoléculas através de operações unitárias especificas, conseguindo assim um maior grau de aproveitamento do soro do leite, conforme propomos na Figura 2.

Figura 1

Eficiência de extração da lactose para a fase de fundo nos ATPS PEG/sal testados.

Figura 2

Protocolo conceitual de reuso dos itens formadores do ATPS e recuperação das biomoléculas.

Conclusões

O estudo teve como objetivo o aproveitamento da lactose advinda de um resíduo agroindustrial, o soro do leite, utilizando um sistema aquoso de duas fases composto de polietilenoglicol e sal. O particionamento preferencial da molécula para a fase de fundo dos ATPS estudados demonstra que o protocolo avaliado pode ser utilizado para este fim. O uso do sistema aquoso de duas fases para a extração neste caso foi validado através de técnica oficial do MAPA, com resultados satisfatórios e grande leque de opções, o que autentica a técnica para o caso. O protocolo mostrou-se de baixo custo, de fácil operação e com materiais com toxicidade baixa. A eficiência de extração majoritária para a fase rica em sal mostra-se promissor, com valores obtidos de até 92%. Um estudo posterior faz-se necessário para avaliar os parâmetros de aumento de escala e operações unitárias necessárias para o isolamento e cristalização da lactose.

Agradecimentos

Agradecemos a Unit/SE por o incentivo empreendido; ao Instituto de Tecnologia e Pesquisa – ITP por fornecer espaço e materiais; e à FAPITEC/SE por o apoio financeiro alocado.

Referências

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