Inibição da Enzima Tirosinase por compostos furanosídicos

ISBN 978-85-85905-25-5

Área

Bioquímica e Biotecnologia

Autores

Barros, M.J.R. (UFPE) ; Menezes, T.M. (UFPE) ; Silva, L.P. (UFPE) ; Pires, D.S. (UFPE) ; Princival, J.L. (UFPE) ; Seabra, G.M. (UFPE) ; Neves, J.L. (UFPE)

Resumo

A tirosinase (Ty) desempenha um papel fundamental na biossíntese da melanina e por isso os distúrbios da pigmentação estão diretamente ligados à ação da enzima. Aqui, foi avaliado o impacto de compostos furanosídicos (F1, F2, F3 e F4) na atividade da tirosinase de cogumelo usando técnicas espectroscópicas, teóricas, e ensaios inibitórios. Os resultados indicaram que os quatro furanos se ligam fortemente à Ty na ordem F4> F3> F2> F1, corroborados pela simulação de docking molecular. Estudos inibitórios mostraram que todas as moléculas inibem a Ty, onde F3 e F4 têm melhores resultados e inibem reversivelmente, onde F4, inibidor mais potente, segue uma inibição competitiva, com efeitos inibitórios superiores (KI = 8,13 ± 1,43μM) do que o inibidor comercial do ácido kójico (KI = 36,64μM).

Palavras chaves

Furanos; Tirosinase; Inibidores

Introdução

Os distúrbios da pele estão diretamente relacionados à ação da tirosinase (Ty), enzima chave no processo de melanogênese. Assim, a Ty é mostrada como um marcador sensível para melanomas, porque é superexpressa durante a tumorigênese (BOYLE et al., 2002) e os melanomas estão ligados à Ty (BANDARCHI et al., 2010). A alta resistência dos melanomas aos tratamentos é uma das principais preocupações, pois a alta concentração de melanina absorve a radiação da radioterapia (BUITRAGO et al., 2016). Neste contexto, a inibição da Ty têm sido objeto de vários estudos (CHEN et al., 2003, PIROUZPANAH et al., 2006, SHAO et al., 2018, XIE et al., 2016, ZHU et al. al., 2014), uma vez que a inibição da produção de melanina pode sensibilizar melanomas em tratamentos convencionais (BUITRAGO et al., 2016). Muitos inibidores naturais e sintéticos interferem na atividade da Ty usando diferentes modos de ação (CHANG, 2009). Para aplicações cosméticas, muitas moléculas já são utilizadas no clareamento da pele como hidroquinona (ARNDT; FITZPATRICK, 1965) e ácido kójico (GONÇALEZ; CORRÊA; CHORILLI, 2013). O ácido kójico tem sido amplamente utilizado como controle positivo em estudos envolvendo novos inibidores (KIM, 2005; PILLAIYAR, 2017). A fim de desenvolver inibidores com baixos efeitos colaterais e maior atividade inibitória, os inibidores reportados procuram similaridades estruturais ou funcionais com o substrato L-DOPA (KIM, 2005). Neste cenário, moléculas furanosídicas surgem como moléculas promissoras para inibir a Ty. Recentemente, alguns relatos mostraram o potencial inibitório de alguns derivados de furano na inibição da Ty (CHAI et al., 2013; SHARMA et al., 2004; XIA et al., 2014), o que motiva o desenvolvimento de compostos furanosídicos como atividade inibitória otimizada. Neste sentido, o objetivo deste trabalho foi obter furanos e avaliar seu impacto na atividade da Ty de cogumelo por meio da aplicação de uma combinação de métodos espectroscópicos, teóricos e cinéticos.

Material e métodos

O furano F1 - 2-acetilfurano (CAS 1192-62-7) foi obtida comercialmente da marca Sigma-Aldrich, F2 – furfuralacetona (CAS 623-15-4), F3 - ácido 2-furanacrílico (CAS 539-47-9) e F4 - ácido 5-metil-2-furanacrílico (CAS 14779-25-0) foram obtidos e caracterizados pelo Laboratório de Catálise e Organometálicos, do DQF - UFPE, utilizando protocolos já estabelecidos (FERREIRA, 2009a). A solução estoque da enzima tirosinase foi preparada na concentração de 24 nM em tampão fosfato 0,02 M (pH 6,2), assim como a solução de L-DOPA 6 mM. As soluções estoque dos furanos foram preparadas em etanol, nas concentrações de 0,5 mM. Posteriormente foram diluídas. Todas as soluções estoque foram mantidas a temperatura de 5 °C. Os espectros de emissão de fluorescência foram medidos em um espectrofluorímetro Jasco FP-6300, a 293 K, situado no Laboratório de Enzimologia (LABENZ), DBioq – UFPE. A excitação foi em 280 nm, e a emissão foi monitorada entre os comprimentos de onda de 300 nm e 400 nm. Os compostos foram titulados em nove concentrações (0, 2, 5, 8, 10, 12, 15, 18 e 20 μM) em uma solução de tirosinase 0,1208 μM. A constante de Stern-Volmer (Ksv) foi definida pela relação da razão entre as intensidades inicial e final do espectro, de acordo com a equação 1, ao longo do aumento da concentração dos compostos na titulação. F0/F=1+kq.τ0=1+KSV[Q] (1) As constantes de associação (Ka), bem como o número de sítios de ligação (n) foram calculados (equação 2) (LAKOWICZ, 2006, pág. 282). log(F0−F/F)=log[Ka]+ n log[Q] (2) A constante de ligação para o F3 foi analisada através de um ajuste não linear, utilizando uma equação de saturação de ligação (equação 3) (adaptado de XU et al., 2016).

Resultado e discussão

A interação entre os furanos e a Ty foi estudado pelo quenching de fluorescência. Ao titular os furanos em uma solução da enzima há a diminuição gradativa da intensidade de fluorescência. A Figura 1a-b mostra este resultado para os furanos F3 e F4, respectivamente. O Ka foi determinado ajustando a intensidade experimental a Eqs (2) e (3) e compilamos as constantes na Tabela 1. O Ka≈104 M-1, indicando que todos os quatro compostos de furano se ligam fortemente à Ty, embora os derivados carboxílicos têm uma maior afinidade com a enzima do que os derivados ceto. Para o ensaio enzimático foi observado que as quatro moléculas têm a capacidade de inibir a ação da Ty, e os composto F3 e F4 apresentaram inibição superior ao F1 e F2 (Figura 2). O segundo ensaio visou verificar a reversibilidade da atuação destes compostos na atividade enzimática da tirosinase. O gráfico resultante mostra retas com coeficientes angulares atenuados pelo aumento da concentração dos inibidores (Figura 3). Nota-se também que o aumento da concentração da enzima leva ao aumento da velocidade da reação, sendo estes comportamentos característicos de inibidores reversíveis (CHEN et al., 2003; ZHU et al., 2014). Além disso, o composto F4 foi selecionado para a determinação do tipo de inibição baseado em sua alta afinidade, apresentando atividade compatível com o modelo de Michaelis-Menten, e através da linearização de Linewaver-Burk (equação 4 e 5) foi identificado o mecanismo de inibição competitivo (Figura 4). As constantes KI e KIS foram 8,13 ± 1,43 µM e 97,5 ± 17,1 µM, respectivamente. Para fins de comparação, é possível utilizar valores de KI e KIS presentes na literatura para o ácido kójico, e para outras moléculas derivadas de furanos já reportadas como inibidores, que estão apresentados na Tabela 2. De acordo com os valores de KI, F4 inibe a Ty aproximadamente 4,5 vezes mais efetivamente do que o ácido kójico e até três ordens de magnitude do que os furanos relatados anteriormente. Isso indica que a presença da função ácido por si só não garante que a interação entre a molécula e a Ty seja suficientemente eficiente, dando indícios que ramificações e adição de grupos funcionais têm papel fundamental durante a inibição. Os ligantes foram submetidos ao atracamento molecular na cavidade do sítio ativo da tirosinase, as 100 melhores posições para cada molécula derivada de furano e para os ligantes conhecidos tropolona e ácido kójico foram salvas. As interações entre os furanos e o sítio ativo da enzima sugerem que as moléculas F1 e F2 estão fora do alcance para interagir com os íons Cu(I). Para os furanos F3 e F4, é sugerida a interação dos grupos carboxilatos com os íons Cu(I), com destaque para o furano F4. A Figura 5 evidencia o papel do grupo metila, que diferencia a molécula F4 da molécula F3. Interações hidrofóbicas entre grupo e a enzima levam a um melhor alinhamento dos grupos carboxilatos ao sítio metálico, aumentando assim número de ligações ao centro metálico.







Conclusões

Quatro compostos furanosídicos foram obtidos e caracterizados, sendo dois compostos ceto-derivados e dois carboxil-derivados. A capacidade destes compostos de interagir com a enzima Ty foi estudada através de técnicas espectroscópicas, assim como ferramentas teóricas. Resultados espectroscópicos mostraram que todos os furanos apresentam interações moderadas com a Ty e dentre os dois grupos de compostos, os dois furanos carboxil-derivado ligam-se mais fortemente a enzima Ty que os compostos ceto-derivados. Estes resultados foram corroborados pelos resultados de atracamento molecular, que mostraram o papel dos grupos químicos envolvidos na interação e seus respectivos modos de interação. Todos os compostos furanosídicos apresentaram atividade inibitória sobre a enzima Ty, sendo os compostos furanosídicos carboxil-derivados os que apresentam superior inibição quando comparados com os compostos ceto-derivados. O composto furanosídico que apresenta maior afinidade e capacidade inibição, composto F4, inibe de forma competitiva e reversível a enzima Ty e seus parâmetros termodinâmicos KI = 8,13 µM, KIS = 97,5 µM mostram que este composto inibe de forma superior a enzima Ty que o inibidor comercial ácido kójico KI = 36,64 µM, KIS = 74,35 µM.

Agradecimentos

Ao DQF e aos órgãos de fomento CNPq, e as pró-reitorias PROAES e PROPESQ da UFPE. LaGEF, (IBCCF) – UFRJ; LABENZ, DBioq – UFPE.

Referências

ARNDT, K. A.; FITZPATRICK, T. B. Topical Use of Hydroquinone as a Depigmenting Agent. JAMA: The Journal of the American Medical Association, v. 194, n. 9, p. 965–967, 1965.
BANDARCHI, B. et al. From melanocyte to metastatic malignant melanoma. Dermatology Research and Practice, v. 2010, n. 1, 2010.
BARROS, M. R.; MENEZES, T. M.; SILVA, L. P.; PIRES, D. S. P.; PRINCIVAL, J. L.; SEABRA, G.; NEVES, J. L. Furan inhibitory activity against tyrosinase and impact on B16F10 cell toxicity,
International Journal of Biological Macromolecules, V. 136, p. 1034-1041, 2019.
BOYLE, JENNY L.; HAUPT, HELEN M. ; STERN, JERE B.; MULTHAUPT, H. A. B. Tyrosinase Expression in Malignant Melanoma , Desmoplastic Melanoma , and Peripheral Nerve Tumors. Arch Pathol Lab Med, v. 126, n. July, 2002.
BUITRAGO, E. et al. Are Human Tyrosinase and Related Proteins Suitable Targets for Melanoma Therapy? Current Topics in Medicinal Chemistry, v. 16, n. 27, p. 3033–3047, 2016.
CHAI, W. M. et al. Antityrosinase and antimicrobial activities of furfuryl alcohol, furfural and furoic acid. International Journal of Biological Macromolecules, v. 57, p. 151–155, 2013.
CHANG, T. S. An updated review of tyrosinase inhibitors. International Journal of Molecular Sciences, v. 10, n. 6, p. 2440–2475, 2009.
CHEN, Q. et al. Inhibitory Effect of 4-Cyanobenzaldehyde and 4-Cyanobenzoic Acid on Mushroom (Agaricus bisporus) Tyrosinase. Journal of Protein Chemistry, v. 22, n. 7–8, p. 607–612, 2003.
FERREIRA, D. S. P. Derivados de Furano e Tiofeno 2-substituídos: Síntese, Resolução Cinética Enzimática e Aplicação na Preparação de Lactonas Bioativas. [s.l.] DQF - UFPE- Dissertação de Mestrado, 2009a.
GONÇALEZ, M. L.; CORRÊA, M. A.; CHORILLI, M. Skin Delivery of Kojic Acid-Loaded Nanotechnology-Based Drug Delivery Systems for the Treatment of Skin Aging. Medical Journal of Australia, v. 209, n. 6, p. 261–266, 2013.
KIM, Y. J.; UYAMA, H. Tyrosinase inhibitors from natural and synthetic sources: Structure, inhibition mechanism and perspective for the future. Cellular and Molecular Life Sciences, v. 62, n. 15, p. 1707–1723, 2005.
LAKOWICZ, J. R. Principles of Fluorescence Spectroscopy. 3a ed. New York: Springer, 2006.
LIU, D. M. et al. Kinetics and inhibition study of tyrosinase by pressure mediated microanalysis. Analytical Biochemistry, v. 525, p. 54–59, 2017.
PILLAIYAR, T.; MANICKAM, M.; NAMASIVAYAM, V. Skin whitening agents: Medicinal chemistry perspective of tyrosinase inhibitors. Journal of Enzyme Inhibition and Medicinal Chemistry, v. 32, n. 1, p. 403–425, 2017.
PIROUZPANAH, S. et al. Inhibitory effects of Ruta graveolens L. extract on guinea pig liver aldehyde oxidase. Chemical & pharmaceutical bulletin, v. 54, n. 1, p. 9–13, 2006.
SHAO, L. LE et al. Novel hydroxypyridinone derivatives containing an oxime ether moiety: Synthesis, inhibition on mushroom tyrosinase and application in anti-browning of fresh-cut apples. Food Chemistry, v. 242, n. September 2017, p. 174–181, 2018.
SHARMA, V. K. et al. In vitro anti-tyrosinase activity of 5-(hydroxymethyl)-2-furfural isolated from Dictyophora indusiata. Phytotherapy Research, v. 18, n. 10, p. 841–844, 2004.
XIA, L. et al. Anti-tyrosinase, antioxidant, and antibacterial activities of novel 5-hydroxy-4-acetyl-2,3-dihydronaphtho[1,2-b]furans. European Journal of Medicinal Chemistry, v. 86, n. 1, p. 605–612, 2014.
XIE, J. et al. Inhibitory effect of synthetic aromatic heterocycle thiosemicarbazone derivatives on mushroom tyrosinase: Insights from fluorescence,1H NMR titration and molecular docking studies. Food Chemistry, v. 190, p. 709–716, 2016.
XIE, L.-P. et al. Inhibitory effects of some flavonoids on the activity of mushroom tyrosinase. Biochemistry. Biokhimii͡a, v. 68, n. 4, p. 487–91, 2003.
XU, Z. Q. et al. Interactions between carbon nanodots with human serum albumin and γ-globulins: The effects on the transportation function. Journal of Hazardous Materials, v. 301, p. 242–249, 2016.
ZHU, Y. et al. Inhibitory Mechanism of Salidroside on Tyrosinase. Journal of Food and Nutrition Research, v. 2, n. 10, p. 698–703, 2014.

Patrocinadores

Capes Capes CFQ CRQ-PB FAPESQPB LF Editorial

Apoio

UFPB UFPB

Realização

ABQ