O ENSINO DE OXIRREDUÇÃO E AS VISÕES DE LICENCIANDOS SOBRE A ABORDAGEM DESTE CONTEÚDO: IMPLICAÇÕES NO ENSINO SUPERIOR

ISBN 978-85-85905-25-5

Área

Ensino de Química

Autores

Venturi, G. (UNIVERSIDADE DO ESTADO DE SANTA CATARINA) ; Junckes, E.S. (UNIVERSIDADE DO ESTADO DE SANTA CATARINA) ; Oliveira, B.R.M. (UNIVERSIDADE DO ESTADO DE SANTA CATARINA)

Resumo

Diante da complexidade da eletroquímica, os alunos no ensino médio apresentam dificuldades conceituais e criam aversão à química, e isso pode influenciar suas aprendizagens no ensino superior. A fim de conhecer a visão sobre a eletroquímica e seu ensino aplicou-se um questionário com 25 licenciandos em química. As respostas foram categorizadas pela análise de conteúdo. A maioria relatou inseguranças e dificuldades de compreensão do conteúdo e o considerou difícil de aprender e ensinar. Parte disso advém das abordagens ineficazes de seus professores de ensino médio. Portanto, é fundamental que resultados como estes sejam considerados para elaborar e implementar as intervenções didáticas no ensino superior para auxiliar significativamente os estudantes na melhoraria de seu aprendizado.

Palavras chaves

Eletroquímica; Formação de Professores; Ensino de Química

Introdução

Um dos obstáculos ainda enfrentados nas salas de aula da atualidade é a dificuldade relacionada ao processo de ensino e aprendizagem na área de ciências, que envolve tanto os alunos quanto os professores. Na disciplina de química, por exemplo, o uso de fórmulas, equações, macetes e memorizações pode levar o aluno a ter uma visão simplista e equivocada do conteúdo ensinado pelo professor. Cabe salientar, que tais equívocos podem ser provenientes das metodologias e estratégias ineficientes que o professor utiliza em suas aulas, mas também de alguma dificuldade particular do aluno. Situações como essas são verificadas nos mais diversos níveis de ensino, perpassando o ato de ensinar desde o ensino infantil, a educação básica e, inclusive, o ensino superior. Ao ingressar na graduação, o estudante pode trazer consigo lacunas na aprendizagem e concepções sobre os conteúdos estudados, que impactarão diretamente na continuidade de seus estudos no ensino superior. Por outro lado, os professores do ensino superior se deparam com alunos que, muitas vezes, não possuem os conhecimentos prévios necessários para acompanhar os novos estudos, ou ainda, que apresentam visões acerca dos conteúdos e disciplinas, que são baseadas em rótulos do tipo “esse assunto é difícil” ou “Não vou conseguir aprender isso”. Dessa situação é imposto aos professores do ensino superior o desafio de conhecerem as dificuldades e visões de seus alunos sobre os conteúdos que serão ensinados, para que possam atuar de forma criativa e eficaz na organização e proposição de seu ensino durante as aulas a fim de tornar a aprendizagem dos estudantes efetiva e estimulante. Na química, um exemplo de assunto que causa grande dicotomia no ensino e aprendizagem, tanto no ensino médio quanto no ensino superior é o da eletroquímica. Embora ele possua uma gama de possibilidades, especialmente no tocante a contextualização de seu ensino para os estudantes e a experimentação, a realidade revela que é um conteúdo considerado complexo por professores e alunos. Alguns autores já relataram as dificuldades enfrentadas pelos alunos no ensino médio (GARNET e TREAGUST, 1992; POSADA, 1997; SANGER e GREENBO­WE, 1997; LIMA e MARCONDES, 2005; BARRETO, BATISTA e CRUZ, 2017), dentre as quais ressalta-se a compreensão de conceitos como o de corrente elétrica gerada em solução, reações de oxirredução, número de oxidação e potencial padrão, identificação. De acordo com Caramel e Pacca (2011), muitas vezes é no ensino médio que os estudantes acabam construindo concepções alternativas acerca dos conceitos que estão relacionados aos fenômenos de oxirredução na eletroquímica. Ao ingressarem na graduação, esses estudantes levam consigo essas concepções alternativas, de modo que é de fundamental relevância compreender e identificar a visão dos estudantes no ensino superior e evitar que tais erros sejam propagados. Nesta perspectiva, o presente trabalho tem como objetivo analisar as ideias dos estudantes de um curso de licenciatura em química acerca do ensino e da aprendizagem sobre o conteúdo de eletroquímica e refletir sobre possíveis caminhos a serem explorados no ensino superior.

Material e métodos

Como instrumento de pesquisa, foi elaborado um questionário com questões objetivas e discursivas sobre o conteúdo de eletroquímica, que investigava as ideias sobre o conteúdo especificamente, bem como sobre o ensino do mesmo. O questionário foi aplicado à uma turma de 25 alunos do primeiro semestre de um curso de Licenciatura em Química de uma universidade pública de Santa Catarina. Essa turma foi escolhida uma vez que os alunos ainda não haviam tido esse conteúdo nas disciplinas da graduação e suas ideias viriam especialmente das etapas anteriores (ensino médio e/ou cursos pré- vestibulares). Dessa forma, os dados poderiam dar indícios da aprendizagem dos estudantes sobre eletroquímica e de como a mesma se deu nas experiências passadas. A primeira parte do questionário buscou caracterizar o público e resgatar algumas de suas experiências com a eletroquímica anteriormente, buscando informações pessoais como idade, se frequentou escola pública ou privada durante a educação básica, há quanto tempo concluiu o ensino médio, se fez curso pré-vestibular, se aprendeu sobre eletroquímica na educação básica e como eram as aulas e os recursos didáticos usados pelo professor. A segunda parte do questionário investigou as dificuldades conceituais de aprendizagem dos alunos acerca dos processos de oxirredução a partir de uma questão sobre o funcionamento de uma pilha de Daniell e outra sobre o processo de eletrólise. As duas questões exploravam também a representação em desenhos. A terceira parte do questionário teve como finalidade verificar as ideias dos licenciandos sobre o ensino e aprendizagem dos processos redox. Para isso, foi solicitado aos estudantes que avaliassem de 0 à 10 o nível de dificuldade para aprender e para ensinar eletroquímica. Além disso, os mesmos deveriam ressaltar quais os conteúdos químicos julgavam ser necessários como conhecimento prévio para aprender sobre o processo de oxirredução, e quais as dificuldades em aprender e ensinar esse tema. As respostas dos estudantes foram agrupadas e categorizadas a partir da análise de conteúdo, proposta por Bardin (2011). Para o presente trabalho foi realizado um recorte das respostas analisadas e apresenta-se uma análise parcial dos resultados obtidos na primeira e na terceira parte do questionário.

Resultado e discussão

Após a análise dos dados coletados na primeira parte do questionário, nota- se que a maior parte dos acadêmicos (8) aprendeu sobre eletroquímica no 2º ano do Ensino Médio. Porém, percebeu-se que não há muita discrepância na distribuição do conteúdo entre os três anos do ensino médio: 7 alunos afirmaram ter aprendido o assunto no 1º ano e 6 afirmaram terem aprendido o assunto no 3º ano. Dentre os vinte e cinco participantes, 6 deles não responderam essa questão e 3 afirmaram não terem aprendido eletroquímica no Ensino Médio. Os livros didáticos normalmente apresentam os conteúdos relacionados a eletroquímica nos três anos do ensino médio, sendo que no primeiro ano é dada uma maior ênfase ao conceito de número de oxidação, no segundo ano as reações redox e os processos de oxirredução nas pilhas e eletrólise, enquanto que no terceiro ano são abordadas as reações de oxirredução dentro da química orgânica. No entanto, a maior ênfase dada ao conteúdo no segundo ano pode justificar a maioria das respostas dos alunos. Os dados da Figura 1 revelaram alguns aspectos sobre as aulas que os alunos tiveram sobre o conteúdo de eletroquímica no ensino médio. Em relação ao uso de recursos didáticos durante as aulas de química, o livro didático foi o recurso mais utilizado por seus professores, sendo citado por 16 respostas. Depois do livro, o quadro negro foi o segundo recurso mais utilizado, sendo citado por 10 alunos. Em terceira posição, foi citado o uso de vídeos (5 alunos) e 2 alunos citaram o uso de projetor. Em relação ao uso de jogos, apenas 1 aluno citou o uso desse recurso. A maioria dos alunos descreveu que em suas aulas de química eram apenas teóricas e com provas pontuais para avaliar a aprendizagem do conteúdo. Além disso, segundo os mesmos alunos, a abordagem do conteúdo era feita de forma superficial e com pouco dinamismo. Houve relatos de que as aulas eram focadas apenas na resolução de exercícios com foco no ENEM e em vestibulares, explorando excessivamente o uso de macetes, fórmulas e textos decorados. Apenas dois estudantes relataram que tiveram aulas práticas de química. Ou seja, pode-se observar que as a abordagem com aulas teóricas prevalece às que exploram atividades experimentais. A experimentação é de suma importância no processo de aprendizagem por parte do aluno, pois o ato de visualizar na prática aquilo que foi (ou será) estudado contribui de forma efetiva na compreensão, especialmente na química em que a os níveis fenomenológico, simbólico e representacional estão muito presentes. Não se pode afirmar os motivos pelos quais os professores desses alunos não exploraram outras estratégias didáticas em suas aulas, mas em alguns casos é possível constatar que os professores justificam não ser possível realizar uma boa aula prática sem ter uma estrutura física de laboratório na escola. Em contrapartida, sabe-se que existem alternativas para balizar esses desafios, utilizando recursos simples e materiais alternativos. Ainda em relação aos seus professores, alguns alunos comentaram também que suas explicações não eram muito claras, atribuindo isso ao despreparo de seus professores. Nesse sentido, cabe ressaltar que muitos professores de química não possuíram uma formação adequada e tampouco sabem implementar práticas que estejam de acordo com as atuais tendências de ensino. Muitas vezes, alguns não são formados na área ou sequer são licenciados. Disso surge a falta de domínio do conteúdo ou até mesmo uma dificuldade evidente em tornar o conteúdo ensinável. Silva et al. (2002, p.243), comentam que: “É muito nítido que, em muitas instituições de ensino no Brasil, os professores encarregados de conduzir o processo de ensino em Ciências no ensino fundamental têm formação em Biologia, sem grande entusiasmo em relação ao ensino de Química ou Física.” Perante tal cenário, percebe-se que em muitos casos a ciência é ensinada de forma superficial, sem contextualização com o cotidiano do aluno, de tal forma que ele não se sente motivado a aprender e seu interesse pelo assunto vai declinando progressivamente. A análise dos dados coletados na terceira parte do questionário permitiram verificar algumas das ideias dos estudantes sobre o ensino e aprendizagem acerca do conteúdo de eletroquímica (Figura 2). Nota-se que a maioria dos alunos – cerca de 12 alunos dentre os 18 que responderam – classificou o nível de dificuldade em aprender o conteúdo como 7 e 8 na escala, ou seja, esses acadêmicos afirmam que o conteúdo de oxirredução é algo difícil de se aprender. Além disso, cerca de 6 alunos classificaram o nível de dificuldade como 5, ou seja, o nível de dificuldade é intermediário. Os demais acadêmicos atribuíram notas menores a 4, simbolizando o julgamento de que aprender tal conteúdo é algo considerado fácil. Em relação ao nível de dificuldade em ensinar o conteúdo, cerca de 14 alunos, dentre os 24 que responderam essa questão, classificaram na escala entre 6 e 10, denotando que consideram difícil ensinar o conteúdo de oxirredução. Dos que responderam essa questão, 6 estudantes consideraram um nível médio de dificuldade ao pensar sobre ensinar o conteúdo redox. Os demais (4 alunos) consideram que seja fácil ensinar sobre a oxirredução. Ao serem questionados sobre quais conteúdos consideravam importantes como pré-requisitos para a aprendizagem de oxirredução, somente 17 responderam. As respostas consideraram principalmente o estudo sobre as reações químicas, a interpretação da tabela periódica e o conhecimento das propriedades dos elementos, justificando que tais conhecimentos servem como base para uma melhor aprendizagem sobre oxirredução. Em relação às dificuldades que os acadêmicos tiveram durante a aprendizagem do conteúdo de oxirredução, 4 afirmaram não ter o conhecimento suficiente para responder essa questão e apenas 1 não respondeu. Outros 18 alunos relataram algumas dificuldades, dentre as quais ressalta-se a dificuldade em diferenciar ânodo de cátodo, oxidação de redução, de compreender a movimentação dos elétrons em uma pilha, além da dificuldade em saber interpretar figuras e esquemas. Apenas 2 alunos relataram não ter tido dificuldades em aprender eletroquímica. Um dos participantes da pesquisa escreveu ao final das questões que: “Acho importante trabalhar o assunto, pois tentando fazer as questões acima (do questionário) percebi que não lembro nada sobre o assunto. Pode ter sido devido às aulas serem o mais rápido possível devido à pressa em aprender para passar no vestibular”. Esse relato, juntamente com os demais resultados encontrados neste trabalho revela como o ensino de eletroquímica durante o Ensino Médio está longe de ser o ideal, uma vez que grande parte dos alunos mostrou dificuldades para aprender tal conteúdo. Perante este cenário, ressalta-se a importância da inclusão de estratégias didáticas alternativas no ensino superior, de modo que essas sejam diferentes das aulas meramente expositivas (com uso excessivo de memorização, quadro e livro) para auxiliar os alunos a ressignificarem os conteúdos de uma forma mais eficaz. O uso de atividades experimentais, simuladores, atividades dinâmicas de discussão a partir de situações concretas e cotidianas em que o conteúdo pode ser verificado podem simbolizar uma alternativa interessante para potencializar a aprendizagem dos estudantes. Além disso, essas estratégias também estimulam o interesse dos estudantes, fazendo com que os pré-conceitos sobre a química e seus conteúdos sejam desconstruídos pelos estudantes, abrindo caminhos para uma nova visão acerca dos mesmos.

Figura 1

Relação de uso dos recursos didáticos

Figura 2

Distribuição das classificações por nota

Conclusões

Como foi verificado neste trabalho, vários alunos saem do ensino médio e ingressam no ensino superior sem um conhecimento básico suficiente sobre alguns conteúdos, especialmente sobre a eletroquímica. Alguns, inclusive, criam uma certa aversão de alguns conteúdos ou até mesmo da química no geral. Em partes essas lacunas podem ser consequência das metodologias e abordagens ineficazes utilizadas por seus professores no ensino médio. Perante essa situação, reforça-se a importância de tomar conhecimento dessas concepções e da visão dos alunos no ensino superior, para que a partir da reformulação das aulas, com abordagens mais inovadoras, os alunos consigam superar tais dificuldades, criando maior familiaridade com a química e superando as dificuldades de aprendizagem. Cabe ressaltar que é fundamental conhecer quais são essas dificuldades dos estudantes, investigando especificamente as lacunas e/ou concepções alternativas para então planejar as estratégias didáticas adequadas para auxiliá-los. Neste sentido, nosso trabalho continua com a análise das respostas dos estudantes e a categorização das mesmas em relação a quais dificuldades conceituais os acadêmicos apresentaram. Portanto, conhecer os acadêmicos que estão ingressando na graduação, suas ideias e dificuldades conceituais é algo de suma importância para os professores do ensino superior, pois é a partir desta sondagem e dos conhecimentos prévios dos estudantes que as intervenções do professor se tornarão mais eficazes.

Agradecimentos

À Universidade do Estado de Santa Catarina por permitir a realização dessa pesquisa.

Referências

BARDIN, L. Análise de conteúdo. São Paulo: Edições 70, 2011.

BARRETO, B. S. J.; BATISTA, C. H.; CRUZ, M. C. P. Células Eletroquímicas, Cotidiano e Concepções dos Educandos. Química Nova na Escola, vol. 39, n. 1, p. 52-58, Fev. 2017.

CARAMEL, N.J.C.; PACCA, J.L.A. Concepções alternativas em eletroquímica e circulação da corrente elétrica. Caderno Brasileiro Ensino de Física, n. 28, p. 7-26, 2011.

GARNETT, P.J.; TREAGUST D.F. Conceptual difficulties experienced by senior high school students of electrochemistry: electric circuits and oxidation-reduction equations. Journal of Research in Science Teaching, v. 29, n. 2, p. 121-142, 1992.

LIMA, V.A.; MARCONDES, M.E.R. Atividades experimentais no ensino de química. Reflexões de um grupo de professores a partir do tema Eletroquímica. Enseñanza de las Ciencias, v. extra, p. 1-4, 2005.

POSADA, J.M. Conceptions of high school students concerning the internal structure of metals and their electric conduction: structure and evolution. Science Education, v. 81, n. 4, p. 445-467, Jul. 1997.

SANGER, M.J. e GREENBOWE, T.J. Common student misconceptions in electrochemistry: galvanic, electrolytic and concentration cells. Journal of Research in Science Teaching, v. 34, n. 4, p. 377-398, Apr. 1997.

SILVA, R. C; COPETTE, M. C; SILVA, A; LIMA, R. P. de; SILVA, J. S. A; MACHADO, S. da S. L. Um higrômetro de vagem e a física no ensino fundamental. Caderno Brasileiro de Ensino de Física, Florianópolis, v. 19, n. 2, p. 242-252, ago. 2002.

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