A TÉCNICA E O PROCESSO DE PRODUÇÃO DOS DERIVADOS DA MANDIOCA (MANIHOT ESCULENTA) COMO FORMA DE ABORDAR A QUÍMICA NUMA PERSPECTIVA ETNOGRÁFICA NO PROCESSO DE FORMAÇÃO INICIAL

ISBN 978-85-85905-25-5

Área

Ensino de Química

Autores

Santos, C.L. (UEA) ; Eleuterio, C.M.S. (UEA)

Resumo

Este trabalho foi realizado no Laboratório de Educação Química e Saberes Primevos (LEQSP), Centro de Estudos Superiores de Parintins (CESP). Foram realizadas três Oficinas para demonstrar a técnica e o processo de produção dos derivados da mandioca (Manihot esculenta) numa perspectiva dialética, etnográfica e dialógica. Esta prática se constituiu uma estratégia didática viável que possibilitou diálogos entre o Ensino de Química e os saberes tradicionais. Participaram das Oficinas estagiários, acadêmicos do Curso de Química, alunos da Educação Básica, membros da comunidade e outras pessoas que dominavam esta prática tradicional. Os resultados foram apresentados na 15ª Semana Nacional de Ciência e Tecnologia, nas aulas de regência e na Feira do Conhecimento da escola campo-estágio.

Palavras chaves

Técnica e processo; Mandioca; Formação inicial

Introdução

Este Trabalho de Conclusão de Curso (TCC) evidencia a técnica e o processo de produção dos derivados da mandioca (Manihot esculenta), com a perspectiva de abordar conteúdos presentes na Proposta Curricular de Química do Ensino Médio e nos livros didáticos utilizados por professores e alunos na escola campo-estágio. Esta prática tradicional está fortemente presente na cultura do boi-bumbá e no imaginário popular na Amazônia. A mandioca é portadora de tradições que vão dos mitos indígenas às diferentes formas de expressão e linguagem. Nesta sessão foram evidenciados alguns aportes teóricos que serviram de base para o estudo e reflexão sobre a formação inicial de professores de Química e sobre o estágio supervisionado. A abordagem etnográfica utilizada neste TCC amparou a construção da estratégia teórico-metodológica (etonometodologia). A formação inicial de professores de Química na Amazônia tem estimulado professores-formadores e acadêmicos estagiários a buscar novas formas de ensinar os conteúdos disciplinares na universidade e em escolas de educação básica. Os instrumentos didático-metodológicos no ensino de química se configuram elementos essenciais e indispensáveis para demonstrar, articular e mediar não somente o conhecimento científico como também, evidenciar outros tipos de saberes, presentes no cotidiano dos alunos. Na perspectiva de Broietti e Barreto (2011), a formação profissional docente não se inicia apenas no curso de licenciatura nem se limita a ele, mas se constrói ao longo da trajetória profissional e vida cotidiana. Esse fragmento é corroborado por Eleutério (2015), Souza, Jófili e Amaral (2010), quando destacam que os saberes docentes podem ser estabelecidos na família, na convivência diária, na experiência vivenciada na escola e na cultura pessoal. Podem ser também provenientes das instituições responsáveis pela formação escolar e acadêmica, a partir de seus programas, de seus projetos políticos pedagógicos que determinam as finalidades. Para Tardif (2014), Pimenta (2000) e Freire (2009), os saberes docentes não se constituem e nem se encerram no processo de formação inicial. É durante a formação inicial que os saberes docentes requerem um intenso investimento, contribuindo para preparar o futuro professor, de modo que este consiga começar a atuar na profissão, ampliando gradativamente seu grau de autonomia para lidar com as situações que permeiam a escola de modo geral. Investir na apropriação de saberes na formação inicial não garante o sucesso ao exercer a profissão da docência, mas, proporcionará ao futuro professor um referencial de base que atenda as demandas que a profissão exige. De acordo com Tardif (2014), há um grande descompasso entre o conhecimento adquirido na formação inicial e os saberes da prática docente. Cada professor desenvolve e amplia o conhecimento específico adquirido na graduação à sua maneira (saber da experiência) e sem desconsiderar a cultura, a natureza e o cotidiano do aluno. A docência é uma profissão que se constrói cotidianamente e os saberes da formação, do currículo, da disciplina de ensino, da experiência, são mobilizados e construídos na ação do professor. É nesse contexto que o Estágio Supervisionado Curricular se apresenta como uma disciplina importante, pois é nesse momento que o conhecimento e as concepções construídas ao longo da formação inicial são colocados a prova. Segundo Pimenta e Lima (2004, p. 123), “o estágio é o eixo central na formação de professores, pois é através dele que o profissional conhece os aspectos indispensáveis para a formação da construção da identidade e dos saberes do dia-a-dia”. As disciplinas de Estágio Supervisionado e de Práticas Pedagógicas na concepção de Tardif (2014), ainda se apresentam como unidades autônomas fechadas em si mesmas e de curta duração, onde a lógica disciplinar é altamente fragmentada e especializada, tendo assim pouco impacto sobre a formação do professor. A disciplina de Estágio Supervisionado na perspectiva de Pimenta e Lima (2008) dá novas possibilidades de ensinar e aprender a profissão docente, inclusive para os professores formadores, convidando-os a rever suas concepções sobre o ensinar e o aprender. Para direcionar as atividades de ensino que envolviam a técnica e o processo de produção dos derivados da mandioca (Manihot esculenta), optou-se pela etonometodologia que segundo Dumont e Pinheiro (2015), investiga as propriedades racionais de expressões de indexação e outras ações práticas sociais contínuas e organizadas na vida cotidiana. Esta metodologia nos ajudou a compreender como são desenvolvidas as práticas cotidianas que envolvem os saberes tradicionais e que auxiliam no entendimento do significado e o sentido dessas práticas para os atores sociais investigados. Para os futuros professores de Química esta metodologia visa incentivar o uso dos postulados etnometodológicos na linha Educação/Ensino de Química no processo de formação inicial de professores na Amazônia.

Material e métodos

Para abordar o tema “A técnica e o processo de produção dos derivados da mandioca (Manihot esculenta) na perspectiva etnográfica no processo de formação inicial”, elegemos como método de abordagem o dialético, subsidiado pela pesquisa qualitativa, com o propósito de conduzir a investigação. De acordo com Marx e Engels (2007), a dialética visa suprimir a imediaticidade e a pretensa independência com que o fenômeno surge, incluindo a sua essência. Nessa perspectiva os elementos cotidianos deixam de ser naturalizados e eternizados, passando a ser encarados como sujeitos da práxis social. Para Guerra (2014), a perspectiva histórica e dialética são extremamente relevantes, pois são elas que revelam as vinculações concretas dos objetos em estudo, valorizando a historicidade e a relação entre a base material e a representações da realidade. A pesquisa qualitativa de acordo com Silva (2010) considera valores, crenças, representações, hábitos, atitudes e opiniões. Através da observação, aprofunda a complexidade dos fenômenos, fatos e processos e vai além dele ao estabelecer inferências e atribuir significados ao comportamento. Para atender aos objetivos propostos, elegemos a pesquisa descritiva que na visão de Vergara (2000), apresenta as características de determinada população ou fenômeno [...] e não têm o compromisso de explicar os fenômenos que descreve, embora sirva de base para tal explicação. O procedimento metodológico foi amparado pelo método etnográfico que possibilita a abordagem de conceitos químicos tomando como ponto de partida a técnica e o processo de produção dos derivados da mandioca (Manihot esculenta). De acordo com Mól (2017), este método permite além da descrição de determinados povos ou culturas, estuda os sujeitos investigados no seu próprio contexto, isto é, no lugar onde exerce plenamente sua identidade. Para Eleutério (2015), o método etnográfico permite olhar com outras lentes, fatores imbricados nas práticas produtivas a partir do ponto de vista dos caboclos da Amazônia. Daí a importância da imersão do investigador no espaço cultural do sujeito investigado. As Oficinas realizadas foram supervisionadas pela professora orientadora do Trabalho de Conclusão de Curso (TCC), contou com a colaboração de uma senhora agricultora, que há anos trabalha na produção dos derivados da mandioca e a participação dos alunos da escola campo-estágio e de outras escolas da rede pública de ensino. As aulas de regências foram preparadas com base na Proposta Curricular de Química do Ensino Médio (SEDUC-AM) (2012) e nos livros didáticos (LDs) utilizados pelos professores da escola campo-estágio. Ressalta-se a necessidade da selecionar os conteúdos que permitissem o diálogo entre o saber acadêmico e escolar com o conhecimento das populações tradicionais da Amazônia. Os resultados foram divulgados nos espaços acadêmico e escolar, nos meios de comunicação (rádio, tv e mídias sociais como Facebook e WhatsApp).

Resultado e discussão

A coleta de dados deste Trabalho de Conclusão de Curso (TCC) se deu através de três Oficinas, duas foram realizadas no Laboratório de Educação Química e Saberes Primevos (LEQSP), localizado no Centro de Estudos Superiores de Parintins (CESP), vinculado à Universidade do Estado do Amazonas (UEA) e a terceira foi desenvolvida na Casa de Saberes da escola campo-estágio durante a Feira do Conhecimento que defendia o tema “Conhecimentos que transforma vida e reduz desigualdades”. Na primeira Oficina participaram estagiários e acadêmicos do Curso de Química que estavam tendo aulas de Didática ministrada pela professora coordenadora do Estágio Supervisionado. Na segunda além dos acadêmicos da escola campo-estágio, foram envolvidos alunos da rede estadual de ensino que participavam da 15ª Semana Nacional de Ciência e Tecnologia “Ciência para redução das desigualdades” em concomitância com a 10ª Semana Acadêmica do Curso de Química do CESP/UEA. A terceira Oficina contou com a participação de professores, funcionários, pais e alunos da escola campo-estágio. Durante a apresentação da técnica e do processo de produção dos derivados da mandioca foram demonstrados conceitos químicos com as etapas do processo: limpeza da matéria-prima (Manihot esculenta), descasque, limpeza, trituração, prensagem, peneiração, torração e armazenamento. Para atender a proposições metodológicas deste estudo foram selecionados alguns conteúdos (estados físicos da matéria, fenômeno físicos e químicos, substâncias químicas e misturas) da Proposta Curricular que possibilitavam o diálogo com o processo de produção dos derivados da mandioca. Ressaltamos que nos livros didáticos de química pouco se vê a contextualização de conteúdos disciplinares, partindo de uma situação ou um processo produtivo como este que envolve os derivados da mandioca. Nos livros didáticos (LD’s) do 1º ano do Ensino Médio, por exemplo, os autores definem substâncias e misturas com base nas diferenças das propriedades, conceituam fase de um material, classificam as misturas em homogêneas e heterogêneas. Destacam que a separação de uma substância pode ocorrer de diferentes maneiras, dependendo das características do material. Mostram que algumas substâncias químicas encontradas na natureza estão sob a forma de misturas, tais como: rochas, solo, gases da atmosfera, água do mar, minerais, alimentos, água dos rios etc. O processo de reciclagem do lixo, de tratamento de água e exploração de minério, são exemplos mais comuns nos LD’s utilizados pelos autores para evidenciar alguns processos de separação de misturas. Apresentam a torre de fracionamento de petróleo para destacar a separação fracionada que se baseia na diferença da temperatura de ebulição dos componentes da mistura. Para falar de decantação (separação das partículas suspensas mais pesadas formadas durante a floculação no meio líquido) destacam as estações de tratamento de água. Nessa mesma literatura, os autores apresentam o limão e o vinagre como exemplos de substâncias ácidas (sabor azedo). O grupo ácido é evidenciado a partir desses produtos e a banana verde para demonstrar a sensação adstringente (travoso) e o efeito cáustico (apertar, unir, comprimir) do grupo das bases (alcalino). Para evidenciar o processo de separação de misturas, a acidez e a basicidade das substâncias presentes na mandioca (Manihot esculenta), essa técnica de produção se apresenta como uma alternativa viável. O professor tem a possibilidade de mostrar esses processos a partir da trituração da mandioca, prensagem, filtração e peneiração. Para demonstrar a acidez e a basicidade das substâncias, o professor poderá utilizar a fita de pH para verificar o nível de acidez no tucupi (manipueira) e de basicidade na tapioca (amido). Nos LD’s do 2º ano, os autores mostram a escala de pH que serve para determinar o grau de acidez ou de basicidade de uma substância, varia de 0 a 14. Para pH 7 a substância é neutra, pH inferior a 7 é ácida e pH maior que 7 é básica. Os resultados encontrados na manipueira in natura estão acima dos apresentados em diferentes literaturas (entre 3,0 e 4,0 de pH). Ressalta-se que a amostras analisadas por Chisté, Cohen e Oliveira (2007) haviam sido adquiridas em feiras e mercados isto é, passado pelo processo de cocção. Outra informação relevante obtida durante o estudo bibliográfico é que a medida do pH se caracteriza como um parâmetro importante para a determinação de uma provável e rápida deterioração do produto, provocando o crescimento de microrganismos nocivos á saúde (CHISTÉ, COHEN e OLIVEIRA, 2007). Nas Oficinas (Figura 1) e nas aulas de regência foram abordados conteúdos relacionados aos carboidratos para que os alunos da escola compreendessem a importância dessa biomolécula para o funcionamento do organismo, pois, alimentos fonte de carboidratos (farinha) fornecem energia, preservam as proteínas, protegem o organismo contra corpos cetônicos e se apresenta como combustível para o sistema nervoso central. Para ampliar esse estudo foi demonstrada aos alunos a reação que ocorre durante o processo de produção dos derivados da mandioca (Manihot esculenta). Segundo Eleutério (2015) e Amorim (2005), a reação que ocorre nesse processo é a hidrólise nos glicosídeos cianogênicos que produz a glicose e alfa-hidroxinitrilas, que ao ser catalisada por uma hidroxinitrila liase, transforma-se em ácido cianídrico e na acetona (Figura 2): De acordo com Francisco Jr (2008), conteúdos relacionados às biomoléculas não são comumente debatidos no Ensino Médio. Os LDs de Química geralmente abordam a Bioquímica de forma superficial, às vezes, apresentando sérios equívocos conceituais, inclusive acerca dos glicídios, além de não sugerirem atividades experimentais. Por se tratar de uma temática complexa, exige do professor de química uma preparação mais sólida e abrangente, esses conteúdos quase sempre são abordados superficialmente. É fato, que alguns professores propõem aos alunos que esses conteúdos sejam apresentados em forma de seminários ou trabalho de pesquisa.







Conclusões

Este estudo nos fez perceber que os livros didáticos de Química do ensino médio e superior nem sempre fazem a relação dos conteúdos disciplinares com as práticas desenvolvidas nos aldeados indígenas ou nas comunidades tradicionais, lugar de vivência da maioria dos alunos. É importante destacar que a epistemologia da práxis, as tendências socioculturais e as proposições das Diretrizes Curriculares Nacionais para os cursos de Química propõem a leitura de mundo. Os estudantes precisam compreender o seu contexto, localizar-se no espaço social mais amplo, a partir de diferentes tipos de linguagens. Deseja-se que este estudo estimule os professores a promover uma educação química que contemple e valorize a cultura local, que sejam capazes de vincular os conteúdos disciplinares à experiência extraescolar, com o trabalho e as práticas sociais que compõe a realidade regional.

Agradecimentos

A Escola Estadual Senador João Bosco - escola campo-estágio e à Coordenação do Curso de Licenciatura em Química do CESP/UEA.

Referências

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