OLIMPÍADAS DE QUÍMICA & REPRESENTAÇÕES SOCIAIS: UM ESTUDO DE CASO

ISBN 978-85-85905-25-5

Área

Ensino de Química

Autores

Chagas, P. (IFRJ)

Resumo

Um dos eventos mais marcantes do Ensino Médio na área da Química é a Olimpíada Brasileira de Química (OBQ), evento organizado pela ABQ em todos os estados da federação. Ela tem um coordenador geral, o prof. Sergio Melo e os coordenadores estaduais, que programa, direciona, prepara, aplica e corrige as provas anuais. Entre seus objetivos, a descoberta de novos talentos para a academia e para indústria é o principal. A visão da OBQ por parte de seus coordenadores é fundamental para a sua execução. O presente trabalho procura investigar essa visão, a partir da Teoria das Representações Sociais.

Palavras chaves

Olimpiadas de Química; Representações Sociais; Reações Químicas

Introdução

A Olimpíada Brasileira de Química completa, nesse ano, sua 24ª edição. É um evento que reúne alunos do Ensino Médio de todo o país e é organizado pela Associação Brasileira de Química (ABQ) e têm apoio e patrocínio de instituições federais de ensino, indústrias químicas e conselhos regionais e federal de Química. Ela é organizada e coordenada por professores e professoras, a partir das coordenações estaduais. Os coordenadores são majoritariamente do sexo masculino (77%); formados em Química (88% Licenciatura e Bacharelado); doutores (63%), mestres (23%); 90% têm mais de 10 anos de magistério (45% têm mais de 20 anos; entre 15 e 20, 28%); 88% vinculados a instituições públicas de ensino. Ou seja, possuem experiência acadêmica vasta e profícua e esses dados apontam uma real preocupação com o Ensino da Química e o seu desenvolvimento. Baseado nas ideias de Durkheim, Serge Moscovici propõe a Teoria das Representações Sociais (TRS), no campo da Psicologia Social, em meados da década de 50. Para Moscovici (1961), as Representações Sociais são um fenômeno das sociedades contemporâneas e têm, como característica diferenciadora, ser passível de mudanças intragrupos, reelaborando as representações, a partir de como os indivíduos podem interagir com elas, recriá-las e as reinterpretar. Essas participações dos indivíduos acabam sendo fundamentais, já que a perspectiva do indivíduo não se perde quando se analisa o grupo e suas práticas sociais, mas se torna preponderante. Assim, as opiniões e atitudes individuais acabam convergindo para uma ação coletiva, trazendo as representações sociais como um potencial crítico e transformador. Talvez a ideia mais básica sugerida por Moscovici, é que a Representação Social poderia ser entendida como “a versão contemporânea do senso comum” (1981), que é uma forma específica de pensamento social. Esse senso comum, gerado pelos grupos, se apresenta como uma realidade social única, não vislumbrando a dicotomia entre o individual e o social (isto é, o indivíduo e a sociedade), visto que na TRS, o indivíduo e a sociedade não existem separadamente, mas são uma só entidade. As próprias contradições que daí podem surgir são, na verdade, possíveis transformações. Portanto, as representações sociais não são estáticas, mas trazem em si informações, crenças, opiniões, posturas, comunicações, ações do grupo, que são construídas coletivamente (MAZZOTTI, 1997). Na história das ciências verifica-se a passagem do senso comum ao científico, ou seja, enunciados usuais foram o ponto de partida para a elaboração dos conceitos científicos, mas em nossa época isso se inverteu, pois agora, por meio da divulgação, o "senso comum é a ciência tornada comum" (MOSCOVICI, 2010, p. 60), o que se faz por meio de modificações relevantes dos conceitos científicos, os quais são adaptados aos valores, às necessidades e interesses dos grupos sociais. Como as representações sociais podem ser consideradas com um conjunto de noções, valores, preposições e definições no viver diário das pessoas, em face às suas comunicações interpessoais, o conjunto de conhecimentos de um determinado objeto é compartilhado pelos membros do grupo. Por que usar a TRS em pesquisas sobre Ensino de Química? De uma forma geral, conhecendo-se a estrutura da Representação Social existe a possibilidade de entender e conhecer como um determinado grupo social pensa e age em relação à sua prática. O fato de conhecer a sua prática, ela pode ser repensada e modificada, consolidada ou, até mesmo, descartada, uma vez que, analisando os dados, percebemos sentidos, significados e processos. Essas informações são capazes de dar um sentido de entendimento e pertencimento do grupo em relação a si mesmo e ao seu entorno, ao mundo. É nessa identificação que Moscovici (2010) afirma que os sujeitos constroem a partir do objeto que é possível entender o objeto em si. Assim, pretendemos conhecer e entender as representações sociais dos coordenadores das olimpíadas de Química do Brasil, que formam o grupo social pesquisado, no intuito de contribuir para o Ensino de Química, através de estratégias alternativas extraclasse abrangentes e entender o que motiva esses mesmos coordenadores, já que essas práticas podem ser (re)orientadas pelas representações sociais mediante conjuntos organizados, significações sociais e processos educativos. As representações sociais em um grupo social, como o dos coordenadores das olimpíadas de Química, podem prover um diagnóstico dos conhecimentos, expectativas e estruturas dos coordenadores e, com isso, direcionar as práticas docentes e, como será visto, a pesquisa e a gestão das próprias olimpíadas, além de sua própria prática no ensino/aprendizagem.

Material e métodos

A técnica utilizada para a coleta de dados foi a aplicação de um questionário, via entrevista (ao vivo, com gravações, ou por e-mail), semi-estruturado, baseado na TRS de Moscovici (2012). Assim, os termos evocados pelos sujeitos da pesquisa podem apresentar uma representação social, conduzindo a uma possível análise É interessante notar que Jodelet (2001) aponta que coleta de informações, via questionários ou entrevistas é importante para analisar e explicar as representações sociais, uma vez que é possível identificar conjuntos de significações por meio de associação de palavras. Sendo as palavras uma mensagem, um discurso, é possível buscar o sentido e a representação por detrás dessas palavras. Gil (2008) afirma que a entrevista é uma das técnicas de coletas de dados mais utilizada nas ciências sociais, considerando que a técnica tem valor similar ao tubo de ensaio na Química (GIL, 2008; p.109). Assim, as entrevistas foram individuais, e com todo o cuidado para não induzir respostas, com o tempo aberto, sem restrição de horários. As entrevistas foram concluídas de tal forma que foi deixada a “porta aberta”, para futuros contatos e novas entrevistas seguindo aquilo que é chamado “efeito Zeigarnik”, que é manter o interesse mesmo com a interrupção ou finalização da entrevista . O questionário aplicado é constituído por questões objetivas e por questões semiestruturadas, sendo respondidas ou ao vivo, com gravações, ou por escrito, em uma única etapa. As questões objetivas, de natureza fechada, foram feitas para identificar o perfil dos sujeitos. Já as semiestruturadas foram fundamentadas por uma livre expressão de ideias, mas sempre voltadas para três grandes temas: A Química, O Ensino de Química e as Olimpíadas de Química, sendo que, para o presente trabalho consideramos somente o primeiro tema. As respostas das questões foram espontâneas, sem controle ou estímulo por parte do entrevistador, procurando a liberdade total dos sujeitos da pesquisa (GIL, 2008) As questões objetivas tinham o objetivo de identificar o perfil dos sujeitos entrevistados para se verificar a relevância do contexto sociocultural em que estão imersos. Os dados obtidos se demonstraram importantes para a pesquisa, uma vez que muitas respostas são estruturadas a partir da experiência pessoal do Coordenador/Sujeito da Pesquisa. A questão sobre a associação da OBQ com uma reação química está imersa no universo acadêmico dos sujeitos da pesquisa e proporcionou uma ligação imediata da pesquisa com as suas vivências acadêmicas. Em geral, ela causou um momento de reflexão e descontração, levando todos os sujeitos da pesquisa à uma busca crítica dessa associação. Embora existisse uma gama enorme de formação na área (i.e., Química Inorgânica, Físico Química, Química Orgânica etc.), as respostas foram associadas à Química básica, que tem um caráter mais inicial nessa ciência.

Resultado e discussão

A pergunta introdutória da entrevista foi respondida após um breve momento de reflexão. É interessante notar que os sujeitos da pesquisa sabiam que a entrevista seria sobre olimpíadas de química, mas o impacto da pergunta inicial criou um clima agradável nas entrevistas. Alguns sorriram, outros se mostraram agradavelmente impactados por ela. Foram dados 11 tipos de respostas, explicitados no quadro 01 O Gráfico 02 apresenta as respostas reagrupadas, onde as de menor frequência foram reagrupadas sob o nome “Outras”. Assim, é possível verificar a existência de três grandes grupos de reações, a saber, reações de síntese, exotérmica (ou combustão) e dupla troca. A estruturação do discurso dos coordenadores parte das ideias principais que abrangem reações químicas básicas da Química. Embora de diferentes formações e experiências, a livre associação da maioria dos sujeitos da pesquisa não foi relacionar reações complexas, do tipo Síntese de Whöler, Alquilação de Friedel- Crafts, Hidrogenação de Sabatier-Senderens, mas associar às reações mais elementares, que são a base de estudos de reações químicas. A associação imediata aponta para uma simplificação que possa atrair e não criar dificuldades a partir de uma linguagem tipicamente hermética. Categoria: Reação de Síntese A reação de síntese, apontada nessa evocação por 39% dos sujeitos da pesquisa, caracteriza-se pela interação dos reagentes com a formação de um único produto. A ideia de síntese emerge de método (ou operação) que consiste em reunir coisas (concretas – como na Química, abstratas – como em relacionamentos) diferentes e fundi-las num todo, que apresente coerência. Assim, embora possam apresentar diferenças, existem afinidades que promovem a formação de um produto final. Assim, os reagentes (que são a prova, os alunos, os professores, os coordenadores) apresentam diferenças entre si, mas guardam afinidades para que possam não apenas interagir, mas formar um produto de interesse. Esse produto não é, necessariamente o prêmio ou a medalha. Cândido Silva (2016), em sua dissertação de mestrado, observou que existe um aspecto competitivo nas olimpíadas. No entanto, apesar da objeção de alguns educadores, “é importante para a formação, pois a empolgação dos alunos (...) os incentiva a se prepararem melhor para os exames”, de uma forma geral e não apenas para a Química. Desta forma, essa reação significa um congraçamento de esforços para produzir algo novo ou diferente, mediante movimentos de ação e reação. Além disso, pensando quimicamente, os elementos em uma reação química não desaparecem, não deixam de existir, mas são transformados e adquirem novas propriedades e características no produto final. Assim, ao se referirem à Reação de Síntese, os sujeitos da pesquisa mostram que as olimpíadas de Química promovem uma transformação, que pode ser no aluno, na escola, no professor, no coordenador, que ganham novas características, mas mantém sua(s) essência(s). Reações Exotérmicas As reações exotérmicas são aquelas em existe uma diferença energética entre os produtos e os reagentes e essa diferença energética é liberada para o entorno (meio ambiente), aquecendo-o. Essa evocação foi feita por 26% dos sujeitos da pesquisa. A associação com energia liberada transmite a ideia que algo que é feito de forma mais discreta e transmitida ao meio, como uma metáfora de algo que é alardeado após o resultado do processo, uma vez que essa energia liberada é capaz de mudar o seu entorno. Um dos sujeitos da pesquisa expõe isso ao afirmar que “libera bastante ‘calor’ e incentiva o estudo da Química”, indicando que o ‘calor’, isto é, energia em trânsito, é capaz de gerar o incentivo a outros alunos participarem, evocando um possível ‘contágio’ entre colegas e professores, levando-os à participação nas olimpíadas de Química. Assim, a ‘energia’ produzida é transmitida ao entorno, promovendo um maior interesse pelas olimpíadas e, por conseguinte, pela própria Química. Reações de Dupla Troca Com 18% de evocação, as reações de dupla troca são sugeridas como “uma via de aprendizado nos dois sentidos” (P13), ao se referir a estudantes e professores que aprendem com as olimpíadas e as utilizam para seus estudos. Ao se referir à reação de esterificação, um tipo de reação dupla troca que ocorre na Química Orgânica, a versatilidade é lembrada (P17), pois “possibilita a obtenção de diferentes produtos, com diferentes gradações, garantindo o acesso à uma ampla gama de mercados”. A olimpíada não é, por si só, o acesso a mercados. No entanto, a participação nelas está sendo considerada como pontuação extra em universidades brasileiras. Muitas universidades estrangeiras utilizam esse critério para fornecer bolsas. Portanto, a ideia de dupla troca emerge do fato de ser um aprendizado mútuo e não mais centrado apenas no professor detentor do conhecimento que o reparte para o aluno.

Grafico 01

Distribuição de tipos das reações químicas, associadas às olimpíadas de Química.

Grafico 02

Distribuição de tipos das reações químicas, associadas às olimpíadas de Química, reagrupadas

Conclusões

O que se desprende com essas evocações é que os elementos da representação, isto é, reações químicas vinculam-se diretamente à condições históricas e culturais do grupo. Nesse caso, sendo um grupo formado, essencialmente, por professores de Química, a vinculação com processos químicos e processos educativos é natural, adequada e auto reflexiva. As três respostas mais prontamente evocadas apontam para algumas considerações: 1. Para se atrair um público maior para a Química (e esse é um dos objetivos da OBQ), é deixada de lado uma linguagem hermética e adotada uma mais simplificada possível, de maneira a conquistar e não afastar os alunos; 2. As evocações surgem das experiências de ensino/aprendizagem dos professores/coordenadores. Essas experiências tendem a reforçar a ideia de causa/efeito, ou seja, a participação numa olimpíada de Química (causa) pode produzir a formação de uma massa crítica de estudantes de Cursos Superiores de Química e afins (efeito); 3. O dinamismo adotado nessas evocações associa ao fato que algo acontecerá. Usando-se os reagentes corretos, a reação não deixará de ocorrer; usando-se a metodologia correta, a divulgação da Química ocorrerá; De posse dessas análises, o grupo constituído pelos coordenadores estaduais da OBQ pode refletir sobre suas ações “olímpicas” e promover mudanças que julguem necessárias e, ao mesmo tempo, procurar aperfeiçoar a metodologia utilizada. O diagnóstico pode direcionar as práticas docentes e a própria olímpiada, tornando-a ainda mais significativa no contexto atual. A OBQ tem sido uma efetiva ferramenta de divulgação da Química, procurando descobrir talentos para a academia e para a indústria e a presente pesquisa corrobora com esta visão, uma vez que seus coordenadores estão compromissados com o Ensino, a Pesquisa e a Extensão.

Agradecimentos

Sou grato aos meus colegas da OBQ e da OQRJ e ao Coordenador Geral Prof. Sergio Melo, à UNESA e ao IFRJ por contribuírem efetivamente para o desenvolvimento dessa pesquisa.

Referências

CÂNDIDO DA SILVA, Renato. O estado da arte das publicações sobre as olimpíadas de ciências no Brasil - Dissertação (Mestrado) – Universidade Federal de Goiás. Goiânia, 2016.
GIL, Antônio Carlos; Métodos e Técnicas de Pesquisa Social; 6ª Edição, Editora Atlas S.A.: São Paulo, 2008.
JODELET, D. (Org.). As representações sociais. Rio de Janeiro: EdUERJ, 2001.
MAZZOTTI, T.B. Representação social de “problema ambiental”: uma contribuição à educação ambiental. Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos. Brasília: INEP, v.78, n.188/189/190, p.86-123, jan/dez, 1997.
MOSCOVICI, S. A psicanálise, sua imagem e seu publico. Petropolis: Vozes. 2012.
MOSCOVICI, S. La psychanalyse, son image et son public: étude sur la représentation sociale de la psychanalyse. Presses universitaires de France, 1961.
MOSCOVICI, S. Representações Sociais: Investigações em Psicologia Social. Trad. Pedrinho A. Guareschi. 7. ed. Petrópolis: Vozes, 2010.

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