Estudo da interação das flores de Citrus sinensis com o fungo Colletotrichum acutatum por HS-SPME/GC-MS

ISBN 978-85-85905-25-5

Área

Produtos Naturais

Autores

Faria Gomes, W. (UNIVERSIDADE FEDERAL DE SERGIPE) ; dos Santos Niculau, E. (UNIVERSIDADE FEDERAL DO TOCANTINS) ; Ferreira Almeida, N. (UNIVERSIDADE FEDERAL DO TOCANTINS) ; Fátima das Graças Fernandes da Silva, M. (UNIVERSIDADE FEDERAL DE SÃO CARLOS)

Resumo

O processo de infecção de um patógeno pode induzir a produção de moléculas sinalizadoras pelas plantas responsáveis pela ativação de seu sistema de defesa. Assim, o presente trabalho tem como objetivo analisar a interação do fungo C. acutatum com as flores da laranja. O patógeno foi inoculado em flores de C. sinensis, e estas foram coletadas com 2, 4 e 7 dias. Os componentes voláteis foram extraídos e identificados por HS-SPME/GC-MS, levando a identificação de 27 compostos para as flores sadias/infectadas. A concentração do linalol aumentou com a presença do microrganismo, podendo ser este um mecanismo de defesa da planta. Com o passar do tempo, essa concentração diminuiu e foram identificados compostos derivados do linalol, sendo um indício de que o fungo biotransformou esse metabólito.

Palavras chaves

Interação planta-patógeno; mecanismo de defesa; metabólito secundário

Introdução

Microrganismos produzem uma ampla gama de metabólitos secundários solúveis, muitos dos quais são voláteis. Todas as espécies microbianas produzem um perfil reprodutível único de compostos orgânicos voláteis sob condições específicas. Os compostos orgânicos voláteis microbianos aparecem como produtos de várias vias metabólicas e pertencem a numerosas classes de estruturas, como mono- e sesquiterpenos, álcoois, cetonas, lactona ou ésteres. Esses metabólitos têm se mostrado envolvidos em diferentes processos biológicos, como o biocontrole ou a comunicação entre microorganismos e seu meio ambiente (KORPI et al, 2009). Eles podem mediar a defesa contra predadores, parasitas e doenças, e podem ser produzidos para competição entre espécies e para facilitar processos reprodutivos. Colletotrichum acutatum, causador da Podridão Floral dos Citros (PFC), é uma das espécies mais frequentemente descritas do gênero e causa doenças comumente conhecidas como antracnose em inúmeras plantas hospedeiras em todo o mundo. Nas flores de citros, a germinação de conídios de C. acutatum se inicia após um período de molhamento de 12 a 24 h. A germinação dos conídios e a infecção das pétalas podem ocorrer em 24 a 48 h, havendo a formação de apressórios. Após 6 a 7 dias aparecem as lesões, quando novos conídios são produzidos. O fungo pode colonizar as flores necrotroficamente, enquanto que em folhas, ele pode sobreviver entre várias estações, atuando biotroficamente (FEICHTENBERGER et al, 2005; PERES et al, 2005). A interação do microrganismo com a planta pode ser entendida pela produção de metabólitos bioativos produzidos por ambos. Pesquisas recentes têm avaliado uma série de compostos orgânicos voláteis produzidos por microrganismos com objetivo de entender as relações e interações destes compostos com as unidades da cultura e com outros microrganismos. Alguns desses compostos orgânicos têm inibido ou estimulado o crescimento de diversas outras espécies (MITCHELL et al, 2010; MINERDI et al, 2009). Dentre as técnicas de extração normalmente utilizadas para concentração de analitos, destaca-se a micro extração em fase sólida (SPME), pois não utiliza solvente e a fibra pode ser reutilizada várias vezes. A SPME exige apenas uma pequena quantidade de amostra e permite a extração dos voláteis em diferentes matrizes (estado sólido ou líquido) em um curto tempo, de uma forma simples (DELGADO et al, 2010). A técnica de SPME tem sido usada na extração de componentes voláteis em culturas microbianas, uma vez que, em um curto espaço de tempo, normalmente menos de 30 min, pode-se realizar a extração. (FARAG et al, 2006). O processo de infecção ou a presença de um patógeno pode induzir a produção de algumas moléculas sinalizadoras pelas plantas responsáveis pela ativação de seu sistema de defesa. Baseando-se nesses fatos, o presente trabalho tem o objetivo de analisar a diferença no perfil químico dos componentes voláteis das flores de C. sinensis quando infectada com C. acutatum.

Material e métodos

As flores foram obtidas de espécimes de C. sinensis localizados no Fundo de Defesa da Citricultura – Fundecitrus (Araraquara-SP), onde em um ramo contendo botões fechados de flores de 5 plantas diferentes foi borrifada uma suspensão de esporos de C. acutatum (2x105 esporos/mL). As coletas foram realizadas com 2, 4 e 7 dias. Uma planta sem a inoculação do fungo foi utilizada para o controle. Cinco pétalas de cada planta analisada foram trituradas com N2 líquido e colocadas em um frasco pequeno de vidro fechado com tampa de plástico até a marca de 0,5 mL. Para a extração dos voláteis das flores de C. sinensis foi utilizada a técnica de microextração em fase sólida com a fibra PDMS 65 μm e análise por CG/EM utilizando um cromatógrafo de fase gasosa acoplado ao espectrômetro de massas de baixa resolução Shimadzu GC-MS QP5000, equipado com coluna AT-5ms, L = 30 m, DI = 0,25 mm e filme = 0,25 μm. A fibra foi inserida no vial contendo as flores sadias de C. sinensis (controle) deixando-a exposta por 30, 45 e 60 min. Após esse período, injetou-se a fibra diretamente no CG/EM. Os índices de retenção foram obtidos injetando uma mistura de C8-C20 de hidrocarbonetos lineares (n-alcanos). A identificação dos compostos foi feita com base nos índices de retenção (VAN DEN DOOL e KRATZ, 1963) e na comparação dos espectros de massas adquiridos com aqueles armazenados no banco de dados do sistema CG/EM (NIST107, NIST21, WILEY8) e com outros da literatura (ADAMS, 2007). A percentagem de cada componente foi determinada pela área do componente dividida pela área total de todos os componentes presentes na mistura.

Resultado e discussão

A análise dos componentes voláteis das flores de C. sinensis levou a identificação de 23 compostos para as flores sadias e infectadas com 2 e 4 dias e 27 compostos para as flores infectadas com 7 dias (FIGURA 1). Com a injeção de um padrão de n-alcanos pôde-se calcular o índice de retenção (IR) e comparar com os dados da literatura. As análises mostraram que 30 min de exposição da fibra foram suficientes para analisar os componentes voláteis das flores sadias e infectadas. Os compostos majoritários das flores sadias de C. sinensis analisados foram o sabineno (38,06%±1,8), o linalol (10,44%±0,8), o limoneno (9,51±1,1) e o β-ocimeno (11,29%±0,6). O padrão de fragmentação do linalol mostrou a presença do pico do íon molecular em m/z 154, além de picos em m/z 55, 91 e 73, típicos de terpenos de cadeia aberta. Com a análise dos voláteis observou-se um aumento na concentração do linalol (10,44% - 19,20%) comparando o cromatograma das flores sadias com as flores infectadas com 2 dias. Segundo relatos na literatura o processo de infecção de C. acutatum, nas flores da laranja ocorre em 48h (BRAND, 2012). Provavelmente foram nestes dois dias de infecção que a planta sentiu a presença do fungo produzindo mais linalol que é considerado um metabólito de defesa da planta. Com o passar dos dias de infecção, a concentração de linalol diminuiu, e surgiram novos compostos como os óxidos de linalol nas suas formas piranoide e furanoide, além do óxido de limoneno. Existem alguns relatos de fungos que biotransformam o linalol nos seus respectivos óxidos, como é o caso de Botrytis cinerea e Aspergillus niger (ALEU e COLLADO, 2001; BOCK, BENDA e SCHREIER, 1986). No caso presente, C. acutatum pode estar biotransfomando o linalol para que perca a sua toxicidade. O limoneno também é considerado um metabólito produzido como defesa pela planta (BRAND, 2012), e pôde-se observar também um aumento na área percentual relativa do limoneno, comparando os cromatogramas das flores sadias com as infectadas com 2 dias. Vale ressaltar também que somente nas flores infectadas com 7 dias foram observadas as lesões necróticas. E foi somente nesse tratamento que foi possível identificar um possível composto do fungo presente nas flores (álcool feniletílico 1,05% ± 0,2), levantando a hipótese de que o álcool feniletílico seria uma possível toxina do fungo, responsável pela necrose nos tecidos vegetais das flores. Com a presença do óxido de linalol piranoide (1,32±0,4) e óxido de linalol na sua forma furânica (1,45%±1,1), surgiu a ideia de realizar uma biotransformação do linalol pelo fungo C. acutatum. Onde foram feitas extrações dos voláteis por HS-SPME-GC-MS por 7 dias de cultivo em meio de cultura líquido (BD) incorporado com linalol (0,10 μM). Os resultados mostraram a formação dos óxidos de linalol (piranoide e furanoide), além de outros compostos como o linalol dihidratado, confirmando a potencialidade de fungos do gênero Colletotrichum em realizar biotransformações. A diminuição das concentrações relativas do limoneno (14,40 -7,55 %) pode ser atribuída ao fato da formação do óxido de limoneno, que só foi observado nas análises das flores infectadas com 7 dias.

FIGURA 1

Cromatograma de íons totais das análises dos compostos voláteis das flores de C. sinensis após inoculação de C. acutatum por HS-SPME/GC-MS.

Conclusões

A metodologia desenvolvida por HS-SPME/GC-MS mostrou-se eficiente na extração dos componentes voláteis das flores de C. sinensis, onde foram identificados 23 compostos para as plantas sadias e infectadas com 2 e 4 dias, além de 27 compostos identificados nas flores infectadas com 7 dias. A partir dessa metodologia pôde-se avaliar a diferença na produção de metabólitos voláteis pela planta quando infectada com o fungo. Nas flores infectadas e coletadas após 2 dias observou-se um aumento na produção do linalol, que é considerado um metabólito produzido como defesa da planta. Já nas flores infectadas e coletadas após 7 dias observou-se uma diminuição na concentração do linalol e a produção de outros compostos como os óxidos de linalol (piranoide e furanoide). As reações de biotransformação do linalol por C. acutatum comprovaram que esse microrganismo, assim como Aspergillus niger e Botrytis cinerea, também biotransforma o linalol em seus respectivos óxidos. Nestes estudos também foi possível observar que somente as flores infectadas e coletadas após 7 dias apresentaram lesões laranja-amarronzada, e somente nesses tratamentos pôde-se identificar um metabólito produzido pelo fungo, o álcool feniletílico, dando indícios desse metabólito ser uma toxina do patógeno.

Agradecimentos

Ao CNPq-INCT: 573742/2008-1; FAPESP-INCT: 08/57859-5 e CAPES pelos auxílio financeiro

Referências

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