Influência da concentração de peróxido de hidrogênio no tratamento da fibra da casca de coco verde

ISBN 978-85-85905-25-5

Área

Produtos Naturais

Autores

Silva de Almeida, J. (UFC) ; Jesse Paiva Ribeiro, M. (IFCE) ; de Oliveira Barros, M. (UFC) ; Pedro Bessa de Souza, J. (UFC) ; Pereira Marques Neto, F. (UFC) ; de Freitas Rosa, M. (EMBRAPA) ; Iraidy Santa Brígida, A. (EMBRAPA)

Resumo

O objetivo deste trabalho foi avaliar o efeito da concentração de peróxido de hidrogênio nas características da fibra de coco verde tratadas por oxidação alcalina em pH 11,5. Foram estudadas quatro concentrações de peróxido de hidrogênio: 4,5%, 5,5%, 6,5% e 7,5%. As características das fibras foram avaliadas quanto ao teor de celulose e lignina, estabilidade térmica, grupamentos químicos dispostos na superfície e distribuição de poros. Independente da concentração aplicada, não houve alteração na concentração de celulose e lignina e, consecutivamente, na estabilidade térmica das fibras tratadas. Desta forma, a concentração de 4,5% é suficiente para o tratamento da fibra da casca de coco verde.

Palavras chaves

Oxidação alcalina; Celulose; Lignina

Introdução

Devido sua biodiversidade, agricultura desenvolvida e elevada produção de resíduos agroindustriais, o Brasil possui um grande potencial para o reaproveitamento de materiais lignocelulósicos. Eles podem apresentar alta porosidade, elevada resistência mecânica e são ricos em lignina, celulose e hemicelulose (BRÍGIDA et al., 2010). Entre esses materiais, tem-se a casca de coco verde. De acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia de Estatística (IBGE) em 2017 a produção de coco verde no Brasil foi de 1,8 bilhão de frutos, onde 74,5% da produção foi somente a região Nordeste, tendo como maiores produtores os estados de Bahia, Sergipe, Ceará e Pernambuco. Segundo Mattos et al. (2011), a cada 100 kg de coco verde, cerca de 85 kg são cascas e 70% do lixo nas praias brasileiras representam casca de coco verde, dessa forma o aproveitamento integral de todos os seus macrocomponentes pode viabilizar seu uso industrial e contribuir para reduzir o impacto ambiental de sua deposição inadequada em lixões. Seus macrocomponentes podem ser aplicados em filmes, produção de energia, nanocompósitos e extração de nanocristais de celulose (Wu et al., 2019; Liu et al.,2012; Cerqueira et al., 2017; Nascimento et al., 2016). A lignina e as hemiceluloses atuam como uma barreira física, diminuindo a acessibilidade à região amorfa da celulose e aumentando o consumo de reagentes para extração dos mesmos. Dentre os tratamentos para a remoção da lignina a partir fibra de coco destaca-se o branqueamento com clorito de sódio (NaClO2) (ROSA et al., 2010) e com peróxido de hidrogênio (H2O2) (BRÍGIDA et al., 2010). O processo de branqueamento mais utilizado industrialmente para a remoção da lignina é o processo clorito devido sua alta seletividade para este macrocomponente (SILVA et al., 2009). Entretanto, o uso deste reagente está cada vez mais em desuso devido à forte regulamentação ambiental para inibir a emissão de compostos tóxicos organoclorados formados a partir da reação com a lignina (SOUZA et al., 2015). Segundo Nascimento et al. ( 2014), o tratamento das fibras de coco com H2O2 em meio alcalino apresenta a vantagem de evitar liberação de compostos organoclorados e deixar o processo menos agressivo ao meio ambiente. Além disso, é um reagente com forte poder alvejante e comumente utilizado na indústria para o branqueamento totalmente livre de cloro da celulose (MAZIERO et al., 2012). Brígida et al., (2010) comparou a eficiência dos tratamentos com NaClO2 e H2O2 e observou que, embora com o NaClO2 a celulose se torne mais exposta devido a maior remoção das hemiceluloses, a reação com H2O2 manteve a hidrofobicidade/hidrofilicidade da fibra e com isso ela se mostrou com maior estabilidade térmica. Gonçalves et al. (2014) relatou que devido ao meio alcalino promover a decomposição da molécula de H2O2, o processo de deslignificação se torna mais eficaz. Desta forma, este trabalho avaliou o efeito da concentração de peróxido de hidrogênio nas características da fibra de coco verde tratadas por oxidação alcalina em pH 11,5 buscando obter uma fibra termicamente estável e com seus macrocomponentes parcialmente removidos.

Material e métodos

A fibra da casca de coco verde foi obtida através de um processo desenvolvido pela Embrapa Agroindústria Tropical (CNPAT/EMBRAPA), Ceará, Brasil. Antes da realização dos tratamentos químicos, a fibra de coco foi submetida aos processos de moagem em um moinho de facas Pulverisettee 25 e peneiramento em um peneirador vibratório Analysette 3, ambos da marca FRITSCH, para que fossem obtidas partículas de tamanho inferior a 60 mesh. A fibra da casca de coco verde (FCCV) foi tratada com soluções aquosas de peróxido de hidrogênio (H2O2) nas seguintes concentrações 4,5%, 5,5%, 6,5% e 7,5% (m/v) em pH 11,5. A proporção utilizada foi de 1g de fibra para 50 mL de solução, temperatura de 50°C e rotação de 250 rpm por 2 h. Após o tratamento, a fibra foi filtrada a vácuo e lavada até pH neutro e levada para secagem em estufa a 50ºC. O teor de celulose foi determinado de acordo com as normas TAPPI T 203 cm-99 (2009), T 204 cm-97 (1997), T 211 om-02 (2002) e T 550 om-03 (2008), adaptadas por Morais e colaboradores (2010). A determinação de lignina Klason foi realizada seguindo a norma TAPPI T 222 om-22 (2002) com pequenas modificações. Para a espectroscopia de infravermelho com transformada de Fourier (FTIR), amostras de fibra bruta e das fibras tratadas em todas as condições foram moídas e compactadas com Brometo de Potássio (KBr) (5%, m/m). O intervalo analisado foi entre 4000 cm-1 e 750 cm-1 usando transformada de Fourier. Na análise termogravimétrica (TGA), todas as medições foram realizadas sob atmosfera de nitrogênio com fluxo de gás de 40 mL/min., aquecidas na faixa de 50-600ºC a uma taxa de aquecimento de 10ºC/min. A massa adotada foi de 7 mg por amostra. A termoporometria foi executada para as amostras de FCCV e fibras tratadas com as soluções de H2O2 nas concentrações 4,5% e 7,5% e foi feita utilizando a técnica de Calorimetria Exploratória Diferencial (DSC). As amostras foram saturadas com água, em um percentual de umidade de aproximadamente 80%, transferidas para panelas herméticas de alumínio para DSC previamente pesadas. A calorimetria foi realizada usando um calorímetro de varredura diferencial em atmosfera de nitrogênio. Após os experimentos o lacre das panelas foi rompido e elas foram aquecidas em forno de vácuo à 105°C durante 24 horas, para remoção total da umidade da amostra.

Resultado e discussão

A figura 1 mostra os resultados referentes ao teor de lignina e celulose e ao estudo de termogravimetria das fibras bruta e das fibras tradas com H2O2. Foi observado que o teor de lignina diminuiu em 10% para todos os tratamentos, enquanto no trabalho de Brígida et al. (2010), que trabalhou com um pH de 8,6 e concentração de H2O2 4,5%, não se observou redução no teor de lignina. O que comprova o benefício da alteração do pH em relação a remoção parcial da lignina. Observou-se também que entre as fibras natural e tratada, independente do tratamento, houve aumento médio de 15% no teor de celulose.A decomposição das fibras de coco foi caracterizada por picos distintos. O primeiro pico é referente à perda de umidade que ocorreu abaixo de 100 ºC. O segundo pico da FCCV é referente aos componentes amorfos e ocorre por volta de 235°C, o que corrobora com a análise de FTIR que mostrou a ausência de bandas referentes a componentes amorfos nas fibras que foram tratadas (Figura 2). Ainda na FCCV foi possível perceber uma pequena sobreposição do pico em torno de 235°C e do pico por volta de 285°C, o que corresponde a faixa de temperatura de degradação da celulose. Todas as fibras tratadas apresentaram o segundo evento em torno de 280°C que, de acordo com Souza et al. (2016), é referente a decomposição das cadeias glicosídicas presentes na celulose. A lignina se decompõe em uma faixa de temperatura entre 200 e 500°C, o que provavelmente refletiu numa sobreposição de picos e não foi possível distinguir o pico referente a temperatura máxima de degradação da lignina. Os eventos referentes às temperaturas iniciais de degradação (Tonset) podem ser vistos na figura 1. A temperaturas iniciais de degradação das amostras pré-tratadas foram superiores a da FCCV, essa melhoria da estabilidade térmica é causada devido a remoção de hemiceluloses e outros constituintes de rápida degradação (XIAO et al., 2001; GUIMARÃES et al., 2009). Brígida et al. (2010) obteve uma fibra com temperatura inicial de degradação de aproximadamente 274,1°C, valor superior ao da amostra F4,5, isso se deve ao fato de que a fibra do trabalho citado tinha um maior teor de lignina e com isso o valor de sua estabilidade térmica é melhor.Espectros de FTIR da FCCV e das fibras tratadas são mostrados na Figura 2. Todos os espectros revelam uma banda intensa em torno de 3371 cm-1, que corresponde ao estiramento das ligações tipo –OH presentes na celulose e na lignina (GONÇALVES et al., p.66-76, 2014). Bandas em torno de 1370, 1425 e 2900 cm-1 podem ser associadas a presença de ligações tipo CH características de materiais lignocelulósicos (ROSA et al., 2010; NASCIMENTO et al., 2016). Foi possível perceber uma banda em torno de ~1745 cm-1 referente a C=O presente em ésteres, hemiceluloses e ácidos fenólicos de extrativos (SOUZA et al., 2015) que apareceu somente no espectro da FCCV, isso mostra a eficiência dos tratamentos em relação a remoção desses componentes das fibras tratadas. Entretanto é possível perceber que as hemiceluloses não foram removidas completamente através do aparecimento da banda em torno de 1163 cm-1 (ROSA et al., 2010). Todas as amostras apresentaram as bandas referentes aos anéis aromáticos da lignina em torno de 1605 e 1511 cm-1 e a presença de bandas em torno de 1267 e 1116 cm-1 referentes a vibração do anel guaiacila e a deformação angular do CH dos anéis de guaiacila e siringila, respectivamente, comprovando a presença de lignina em todas as amostras. A presença da celulose também pode ser confirmada pelas bandas referentes a anéis glucosídicos em torno de 1060 e 890 cm-1 (NASCIMENTO et al., 2016).O resultado da análise de termoporometria foram cumulativos, sendo necessário a aplicação de uma função sigmoidal, para melhor descrição dos resultados. Todas as regressões foram consideradas efetivas, dessa forma foi possível obter o gráfico apresentado na figura 2. Nele podemos perceber que houve aumento significativo na quantidade de poros menores que 10nm após o pré- tratamento com 4,5%, sendo possível que haja um leve aumento da área superficial da fibra e, consequentemente, o acesso a celulose.

Figura 1

Teor de lignina e celulose e dados de termogravimetria das fibras FCCV, F4,5, F5,5, F6,5 e F7,5.

Figura 2

FTIR de FCCV, F4,5, F5,5, F6,5 e F7,5 e termporometria de FCCV, F4,5 e F7,5.

Conclusões

Neste trabalho foi possível avaliar a influência da concentração de H2O2 na oxidação da fibra de coco verde. A análise de FTIR juntamente com a análise de TGA mostrou a eficácia da remoção de componentes amorfos presentes na FCCV, isso se deve principalmente ao fato de que as hemiceluloses são solúveis em meio alcalino. Por ter apresentado concentrações de lignina iguais, independente da concentração de H2O2 utilizado, pode-se concluir que o tratamento com peróxido de hidrogênio na concentração de 4,5% (m/v) se apresenta como uma condição otimizada para o tratamento de fibra de coco verde visando a remoção parcial de lignina e celulose para o desenvolvimento futuro de produtos de valor agregado.

Agradecimentos

Os autores agradecem a EMBRAPA, a Capes e a FUNCAP.

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