REFINO DE SEBO BOVINO E ÓLEO DE BABAÇU (Orbignya speciosa) VISANDO A PRODUÇÃO DE SABONETES

ISBN 978-85-85905-25-5

Área

Produtos Naturais

Autores

Vieira, J.S.C. (IFMA - CAMPUS ZÉ DOCA) ; Cavalcante, D.S. (IFMA - CAMPUS ZÉ DOCA) ; Castro, W.S. (IFMA - CAMPUS ZÉ DOCA) ; Sousa, J.A. (IFMA - CAMPUS ZÉ DOCA) ; Silva, A.J.S. (IFMA - CAMPUS ZÉ DOCA) ; Magalhães, A.N. (IFMA - CAMPUS ZÉ DOCA) ; Rodrigues, M.R.M. (IFMA - CAMPUS ZÉ DOCA) ; Pereira, A.R. (IFMA - CAMPUS ZÉ DOCA) ; Alcobaça, W.H.M. (IFMA - CAMPUS ZÉ DOCA) ; Cesário, V.M. (IFMA - CAMPUS ZÉ DOCA)

Resumo

As principais matérias-primas usadas na fabricação de sabonete são o sebo bovino e o óleo vegetal. Os restos oriundos do abate no município de Zé Doca-MA são incinerados ou jogados ao ar livre. O óleo de coco babaçu proveniente da extração possui aspectos físicos e organolépticos desagradáveis e de fácil deterioração. O objetivo deste trabalho é refinar o sebo de origem animal e o óleo de babaçu de baixa qualidade visando à produção de sabonetes a frio. A metodologia consistiu na desodorização e clarificação do sebo bovino e refino do óleo de babaçu pela técnica de degomagem ácida. Os resultados originaram produtos com aspectos visuais límpidos e isentos de impurezas. Além disso, podem contribuir significativamente com a sustentabilidade ambiental e geração de emprego e renda.

Palavras chaves

Matérias graxas; Refino; Sabonete

Introdução

Quimicamente, o sabão é constituído por sais alcalinos de ácidos graxos, com propriedades detergentes. Ele resulta da reação química denominada saponificação, que ocorre entre um produto alcalino com ácidos graxos superiores e seus glicerídeos. As bases usadas determinam a consistência do sabão obtido, o KOH e NaOH possibilitam a fabricação de um sabão mole e de um sabão duro, respectivamente (ZAGO NETO, 2012). A obtenção de sabonete a frio exige, antes de tudo, uma excelente massa base. Um sabão dito como ideal, apresenta textura compacta, conserva sua forma por longo tempo e sua fabricação é simples. Para atingir-se tal objetivo é necessário que a gordura animal (sebo) e o óleo vegetal sejam os mais puros possíveis (ARGENTIERE, 2001). O sebo é um coproduto da produção da carne e em média se obtém de 15 a 17 quilos a cada animal abatido. Estima-se a produção nacional de gordura animal em três milhões de toneladas por ano (BIODIESELBR, 2018). O sebo também é destinado à indústria cosmética, especialmente à indústria de sabões, no setor alimentício, na produção de ração animal e mais recentemente na produção de energia renovável. A gordura animal tem a vantagem de, historicamente, ter um custo inferior ao do óleo vegetal. Por outro lado, as outras indústrias que utilizam esse material não consomem todo o volume produzido no país, contribuindo para que as sobras sejam abundantes e, consequentemente, de preço mais acessível. A disputa entre o mercado de cosméticos, a indústria saboeira e de rações elevou o preço da tonelada de gordura com o passar do tempo. Diante desse cenário, o sebo bovino, nas últimas duas décadas, deixou de ser um rejeito para se tornar um importante coproduto da atividade de bovinocultura, em diversas regiões do país (MIRANDA, 2016). Os principais problemas dos resíduos de origem animal gerados pelo processamento e consumo de carnes são os ossos, apara de tecidos adiposos e musculares, órgão e glândulas, pernas, pelos e peles, sangue, chifres e cascos, resíduos de carcaças após desossa em estabelecimentos comerciais varejistas. A reciclagem apresenta-se como melhor via de destinação, tanto ambiental e de saúde pública, como também financeira, uma vez que os resíduos citados podem transformar-se em produtos comerciais, com valor de venda, gerando receita. Dessa forma, quanto melhor se aproveitarem os resíduos de abate e consumo de carne, transformando-se em outros produtos comercializáveis, menor será o impacto sobre o meio ambiente e maior será a valorização do sacrifício animal (BORÉM, 2010). O coco babaçu (Orrbignya speciosa), na região nordeste é a oleaginosa mais requisitada na indústria extrativista. Ele serve de fonte de renda para aproximadamente 400 mil quebradeiras de coco no Brasil, espalhadas pelos 18,5 milhões de hectares de babaçuais. Sendo que a maior parte está concentrada no estado do Maranhão, mensalmente são extraídos em torno de 140.000 toneladas de amêndoas desses babaçuais. Contudo, o potencial do babaçu continua pouco explorado (EMBRAPA, 2018). No Brasil, o óleo de babaçu tem sido usado quase que exclusivamente na área de cosméticos. No Maranhão, a produção desse insumo é obtida artesanalmente, pelas quebradeiras de coco que utilizam um sistema de extração caseiro e completamente rudimentar, resultando num produto final com propriedades organolépticas desagradáveis e impróprias para o emprego na fabricação de sabonetes (AZEVEDO, 2014). Diante da vasta quantidade de matérias-primas graxas encontradas no município de Zé Doca-MA que podem ser empregadas na produção de artigos de toucador, levantou-se a seguinte situação-problema: é possível produzir sabonetes de qualidade a baixo custo utilizando matérias-primas regionais? Essa inquietação permitiu eclodir a hipótese da possibilidade de se adequar matérias-primas de origem vegetal encontradas em mata nativa e de se reciclar resíduos de abate de carne bovina jogados a céu aberto e/ou incinerados no município de Zé Doca-MA para a obtenção de sabonete a frio. Este trabalho teve como objetivo geral refinar matérias-primas graxas extraídas artesanalmente, visando a sua adequação para a obtenção de sabonete. Os objetivos específicos foram os seguintes: branquear e desodorizar sebo bovino utilizando soluções conservantes e clarificantes, purificar óleo vegetal de babaçu através da técnica de degomagem ácida, clarificar e desodorizar óleo degomado utilizando argilominerais e contribuir com a sustentabilidade ambiental. Dessa forma, pode-se inferir que esta pesquisa tem caráter altamente relevante, uma vez que tem plenas condições de redimir e/ou eliminar impactos ambientais e vetores causadores de doenças endêmicas, que afetam a saúde do povo zedoquense e ainda gerar emprego e renda ao transformar materiais de baixo valor agregado em produtos com elevado valor econômico.

Material e métodos

As matérias-primas utilizadas neste trabalho foram coletadas no município de Zé Doca-MA e transportadas para o Laboratório de Química do IFMA - Campus Zé Doca, onde receberam tratamento específico. A solução desodorizante denominada de AQC-10 foi idealizada no IFMA - Campus Zé Doca para conservar (desodorizar) gorduras animais. Num experimento típico, adicionou-se água destilada num béquer de capacidade 1000 mL. adicionou-se 15% de ácido acético glacial concentrado e 0,02 g de corante à mistura. O volume de 1000 mL foi completado com adição de água. Finalmente, a mistura foi homogeneizada, armazenada em frascos adequados, identificada e disponibilizada para uso (OLIVEIRA et al., 2012; COSTA et al., 2011; SOUSA et al., 2010). A solução branqueadora do sebo bovino foi preparada conforme recomenda Argentiere (2001). Esta solução foi constituída de 56,5% de H2O, 24,5% de e 19,0% de H2SO4, homogeneizada, resfriada em banho de gelo, armazenada em frasco adequado. O processo de desodorização se deu com a lavagem do sebo com água corrente. Em seguida, foi imerso num recipiente contendo a solução AQC-10, permaneceu em repouso, durante 5 dias consecutivos, ao final, o sebo foi lavado com água corrente. O processo de clarificação foi realizado aquecendo-se o sebo desodorizado até sua fusão. Para cada quilograma de sebo foram adicionados 35 mL da solução clarificante. A mistura foi aquecida a 70 °C durante 45 minutos. O sebo fundido e clarificado foi adicionado num funil de decantação, lavado sucessivas vezes com água fervente. Utilizou-se a técnica de degomagem ácida para tratar o óleo bruto de coco babaçu, as amostras foram aquecidas até 70°C durante 30 minutos numa chapa de aquecimento e adicionados, lentamente, 3% de ácido fosfórico em relação à massa base do óleo bruto. Realizou-se a separação das fases oleosa e gomosa, contendo as impurezas, entre elas os fosfatídeos em um funil de decantação O óleo degomado foi neutralizado, pH 7, com auxílio de uma solução alcalina de NaOH a 1,0 mol.L-1 adicionada lentamente. O material clarificante utilizado no óleo de babaçu foi um argilomineral, encontrado na região do Alto Turi Maranhense, especificamente, às margens rio Turi. Essa argila passou por secagem a 105°C, por 5 horas na estufa. Após a secagem, foi triturado com auxílio de um pistilo e almofariz, peneirado a baixo de 0,12 mm. O óleo foi aquecido numa temperatura entre 70 a 80°C e a ele adicionado 5% de argilomineral, permanecendo em aquecimento por 30 minutos e a temperatura rigorosamente controlada. Em seguida, filtrou-se a mistura para separar o óleo das impurezas. O óleo foi submetido a um aquecimento em chapa elétrica durante 30 minutos a 100°C sob constante homogeneização para eliminação de água, permanecendo por 24 horas numa estufa de secagem, a 60°C, para garantir a eliminação das substancia odoríferas. Finalmente, o óleo refinado foi armazenado, disponibilizado para caracterização físico-química e para a produção de sabonete a frio.

Resultado e discussão

A exposição do sebo bovino no tocante a certas temperaturas contribui para sua desidratação, para o crescimento de microrganismos, além de acelerar as reações químicas de decomposição. A metilamina (CH3-NH2) proveniente de certas proteínas da carne é o composto químico responsável pelo odor característico do sebo. Com a imersão do sebo na solução desodorizante, AQC- 10, o odor do sebo foi extinto. A metilamina reagiu quimicamente o CH3COOH resultando no íon metalônio (H3C-NH3+) que é destituído de cheiro. O processo de clarificação ou branqueamento tem por finalidade garantir um sebo de coloração uniforme, agregar valor ao sebo purificado quando comparado com o sebo bruto e empregá-lo como matéria-prima na fabricação de sabonetes, processo esse, que exige matérias graxas de partida, com elevada qualidade para atender às demandas do consumidor. A Figura 1 mostra o comportamento do sebo desodorizado em diferentes tempos, quando misturado à solução clarificante e mantida a temperatura de 70 °C. No decurso do branqueamento, a mistura contendo o sebo fundido e solução clarificante mudou de coloração com o passar de tempo consoante com a mudança do seu pH. A princípio, com 5 minutos de aquecimento, o liquido adquiriu coloração amarela esverdeada, aos 15 tornou-se alaranjado, aos trinta minutos tornou-se marrom e, finamente, com 45 minutos de aquecimento surgiu uma coloração verde cana. O sebo fundido foi transferido para um funil de decantação, para retirada de substâncias indesejáveis através de sucessivas lavagens com água fervente, até manter um aspecto límpido e isento de impureza. O sebo clarificado e ainda liquido foi moldado em formas apropriadas até sua completa solidificação, disponibilizado para a caracterização físico-química e para a produção de sabonetes. O óleo extraído das amêndoas de babaçu foi refinado pela técnica de degomagem ácida visando à remoção dos fosfatídeos hidratados (gomas) e não hidratáveis (HP e NPH), com auxílio de ácido fosfórico (H3PO4) concentrado. Nessa etapa do refino, o óleo ao reagir com o ácido fosfórico originou precipitados (gomas) contendo os fosfatídeos hidratados (HP), tais como lecitina, cefatina e fosfatídeos-inositol. A clarificação ou branqueamento do óleo degomado e neutralizado teve por finalidade reduzir e/ou adequar os níveis de coloração fosfatídeos, sabão, radicais livres que causam a oxidação (rancificação) e traços de metais indesejáveis, que conferem odor ao óleo. O argilomineral responsável pela clarificação do óleo foi coletado às margens do rio Turi e adicionado ao óleo, mantendo-se a mistura em rigoroso aquecimento, entre 70 e 80 °C. As principais substâncias removidas durante a etapa de branqueamento são os pigmentos (clorofilas e seus derivados carotenoides etc.), os fosfatídeos, sabão, peróxidos, metais e água. A Figura 2 mostra o produto final límpido e isento de impurezas, indicando que a purificação, quer seja do sebo bovino, quer seja do óleo de babaçu foi efetivada com sucesso em relação às características sensoriais.

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Figura 1 – Etapas do processo de branqueamento do sebo bovino

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Figura 2 – Óleo de babaçu refinado

Conclusões

No decurso deste trabalho, as técnicas empregadas para purificação do sebo bovino e do óleo vegetal de babaçu no permitiram inferir que: • O processo de desodorização e clarificação do sebo bovino a partir da imersão deste na solução AQC-10 ocorreu a completa eliminação das substâncias responsáveis pelo odor característico do produto inicial. • A solução clarificante ao reagir com o sebo desodorizado mudou de coração várias em função da mudança de pH originando um produto com aspecto visual agradável e com grandes possibilidades de contribuir para a produção de sabonetes com alto poder hidratante e rejuvenescimento da cútis de seus usuários, • O processo de degomagem ácida do óleo extraído do coco babaçu de modo rudimentar pelas quebradeiras de coco do Alto Turi maranhense resultou num produto límpido e isento de impurezas, indicativo que a técnica de degomagem ácida é uma alternativa viável para purificar óleos vegetais de baixo valor agregado. • A aplicação dessas matérias-primas pode ser economicamente viável para a fabricação contínua e crescente de produtos de limpeza e higiene corporal. Além disso, podem contribuir a sustentabilidade ambiental e geração de emprego e renda.

Agradecimentos

Os autores agradecem pelo apoio concedido pelo IFMA-Campus Zé Doca e pelo Grupo de Pesquisas em Análises Químicas Sustentáveis (GPAQS) para a realização deste trabalho.

Referências

ARGENTIERE, R. Novíssimo receituário industrial: enciclopédia de formulas e receitas para pequenas, médias e grandes indústrias. São Paulo, Ícone, 5ª ed., 411p. 2001.

AZEVEDO, A. S. Clarificação e desodorização do óleo de babaçu (Orbignya speciosa) para fins comestíveis. Monografia (Graduação em Tecnologia de Alimentos) – Instituto Federal do Maranhão. Zé Doca, 41f. Zé Doca, 2014.

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