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60º COngresso Brasileiro de Química

Estudo da composição graxa, estabilidade térmica e oxidativa de blends binários de óleos vegetais comestíveis por espectroscopia de RMN ¹H


ÁREA

Química de Alimentos

Autores

Félix Gomes dos Santos, J.R. (UFPB) ; Ramos de Aguiar Bezerra, R. (UFPB) ; da Paz do Nascimento, S. (UFPB) ; Souza, A.L. (UFPB)

RESUMO

Blends de óleos vegetais podem ser uma interessante alternativa de consumo quando comparadas a alguns óleos puros, em termos nutricionais e de valor comercial. Portanto, foram estudadas a composição graxa e estabilidades térmica e oxidativa de blends binárias de óleos vegetais comestíveis utilizando a espectroscopia de RMN ¹H. Os espectros de RMN ¹H dos óleos de girassol e de chia revelaram sinais característicos de ácidos graxos insaturados, ω-3, ω-6 e ω-9. Os blends preparados mostraram uma razão ótima ω-6:ω-3 de ácidos graxos poli-insaturados, com destaque para C5G5. Portanto, foram obtidas opções de alimentos lipídicos de composição balanceada, melhor estabilidade termo-oxidativa e que poderiam ser comercializadas a menor custo para o consumidor.

Palavras Chaves

Óleo de girassol; Óleo de chia; razão ômega-6:ômega-3

Introdução

Óleos vegetais são gorduras extraídas a partir de diversas partes e tipos de plantas, sobretudo, das sementes e grãos (ALTIN; ÇETINKAYA; YÜCESU, 2001). Compostos majoritariamente por triglicerídeos. Os óleos vegetais são fontes de vitaminas, antioxidantes naturais e ácidos graxos essenciais para nosso organismo (GUIDONI et al., 2019). Os ácidos graxos saturados presentes nos óleos vegetais quando consumidos de forma inadequada, aumentam a incidência de doenças cardiovasculares (GANESAN; SUKALINGAM; XU, 2018). Por outro lado, o consumo regular de óleos vegetais ricos em ácidos graxos poli-insaturados (PUFAS), como os ácidos linoleico (LA, C18:2, ω-6), α-linolênico (LNA, C18:3, ω-3) e (MUFAS) ácidos graxos monoinsaturados, como o ácido oleico (OL, C18:1, ω-9), além de trazer benefícios para a saúde, como a manutenção da saúde hepatológica e cardiológica, por não serem produzidos por nosso corpo, precisam ser incluídos na nossa dieta (SOUZA et al., 2017). Entretanto, óleos ricos em PUFAS são altamente susceptíveis à reação de oxidação lipídica, ao serem aquecidos à altas temperaturas – quando utilizados em frituras – levando a formação de substâncias tóxicas, perdendo suas propriedades nutricionais e propriedades organolépticas (BLASI; COSSIGNANI, 2020). Além disso, uma grande variedade de óleos vegetais comestíveis têm seu valor comercial e qualidade nutricional diretamente relacionados a sua composição (ZHANG et al., 2018). De modo que, quanto mais rico é o óleo em PUFAS, maior é seu valor comercial e benefício, ao ser consumido à temperatura ambiente. O óleo de girassol é um dos mais consumidos pelos brasileiros, contém cerca de 90% de ácidos linoleico (ω-6) e oleico em sua composição (AWOGBEMI; ONUH; INAMBAO, 2019; BLASI; COSSIGNANI, 2020), não tem conteúdo ω-3, e portanto, uma razão ω-6:ω-3 inadequada ao consumo humano. Enquanto o óleo da semente de chia, considerado um alimento funcional, tem custo mais elevado e apresenta cerca de 60% de LNA (ω-3) e razão adequada de ω-6:ω-3 (SOUZA et al., 2017), tais características composicionais tornam este óleo mais susceptível à oxidação lipídica e consequentemente, tem perda do valor nutricional e desenvolve rancidez. A técnica espectroscópica de ressonância magnética (RMN) de ¹H tem sido amplamente utilizada no estudo de óleos vegetais como alternativa aos métodos clássicos, por ser de rápida realização, ótima reprodutibilidade e por permitir a observação da variação da porcentagem molar de PUFAS (NASCIMENTO et al., 2021; SOUZA et al., 2017). Considerando a versatilidade da espectroscopia de RMN ¹H, com a necessidade de consumo de óleos vegetais que apresentem razão equilibrada de ω-6:ω-3, estabilidade térmica e oxidativa melhoradas, o presente trabalho objetivou determinar a composição graxa e estudar a estabilidade térmica e oxidativa de blends de óleos vegetais de semente de chia e girassol utilizando a espectroscopia de RMN ¹H.

Material e métodos

As sementes de girassol e chia foram adquiridas no comércio da cidade de João Pessoa – PB. Os óleos, objeto do estudo, foram extraídos por prensagem a frio, filtrados, secos com sulfato de sódio anidro e armazenados em frascos âmbar, à temperatura de 25 °C até a preparação dos blends. Os blends foram preparados por proporções massa:massa, considerando a composição em ácidos graxos dos óleos matrizes (80:20, 60:40, 50:50, 40:60 e 20:80). Os espectros de RMN para o núcleo de ¹H foram obtidos em um equipamento Varian Mercury de 500 MHz. Foi utilizado clorofórmio (CDCl3, 99,8%; Sigma Aldrich) para solubilizar as amostras (30 mg) e tetrametilsilano (TMS, 99,9%, Sigma Aldrich) como padrão interno de referência. Os espectros foram processados através do software MestreNova e a determinação do perfil de ácidos graxos dos blends foi feita utilizando as equações descritas no quadro da Figura 1, onde a, b, g e k representam as integrais dos hidrogênios metílicos, hidrogênios metílicos de ácidos graxos ω-3, hidrogênios bis-alílicos de PUFAs e hidrogênios oleifínicos de ácidos graxos insaturados, respectivamente. Os espectros de RMN ¹H dos blends foram obtidos antes e após os procedimentos de aquecimento à temperatura de fritura (180 °C – 190 °C) em intervalos de tempos variados (30, 60, 90 e 120 minutos). Os parâmetros físico-químicos índice de iodo e de saponificação foram calculados através das equações reportadas por (GUILLÉN; RUIZ, 2003).

Resultado e discussão

A partir da observação dos espectros sobrepostos de RMN ¹H dos óleos de girassol e de chia puros apresentados na Figura 2 com os sinais de a-k assinalados, foi realizada a seguinte atribuição: ao sinal a, na forma de um multipleto, característico de grupo metila -CH3 terminal dos ácidos graxos saturados, oleico e linoleico; ao tripleto b, proveniente de grupo metila -CH3 terminal do ácido graxo α-linolênico; ao sinal c, como um multipleto, correspondente aos grupos metilenos alifáticos –(CH2)n-; aos sinais d e e, também como um multipletos, foram atribuídos ao grupo metileno β à carbonila -OCO-CH2-CH2- e ao grupo metileno alílico CH2-CH=CH-, respectivamente; já o sinal f, como tripleto, foi atribuído ao grupo metileno α à carbonila -OCO-CH2-CH2-; ao sinal g, em multipleto, foi atribuído ao grupo metileno bis-alílico -CH=CH-CH2-CH=CH; aos sinais h e i na forma de duplos dubletos, foram atribuídos ao grupo metileno do glicerol -CH2OCOR; enquanto os sinais j e k, como multipletos, foram atribuídos ao grupo metino do glicerol -CHOCOR e ao grupo olefina -CH=CH-, respectivamente. Esses valores vão de acordo com os descritos na literatura para óleos vegetais (GUILLÉN; RUIZ, 2003). A avaliação dos dois espectros permite inferir que o óleo de girassol não contém ω-3 em sua composição, em decorrência da ausência do sinal b, expressivo no espectro do óleo de chia como um tripleto em 0,98 ppm próprio de um óleo rico em ω-3. A composição graxa dos blends obtidos está sumarizada na tabela apresentada na Figura 1. Os valores do conteúdo de ω-3 e ω-6 dos óleos de chia e girassol puros, corroboram com os valores encontrados na literatura (HRNCIRIK; ZEELENBERG, 2014; SEGURA-CAMPOS et al., 2014) e com a discussão dos sinais observados nos espectros de RMN ¹H, discutidos anteriormente. De acordo com os dados de percentagem molar expostos, é possível observar que todos os blends melhoraram a composição de ácidos graxos por inclusão do ω-3. Considerando a razão ω-6:ω-3, todos os blends são indicados como óleos comestíveis funcionais (SIMOPOULOS, 2002; SOUZA et al., 2017). Corroboram com os resultados obtidos por (SHEPPARD; CHEATHAM, 2018) ao investigarem o consumo de ω-6 e ω-3 entre crianças e adultos dos Estados Unidos, que concluíram que razões ω-6:ω-3 mais baixas foram associadas a dietas mais saudáveis e ao consumo equilibrado de diferentes nutrientes. Cabe ressaltar que o óleo de girassol é mais acessível, do ponto de vista econômico, do que o óleo de chia podendo, portanto, os blends serem uma boa indicação para um consumo saudável de óleos (HASHEMPOUR-BALTORK et al., 2016). No gráfico apresentado na Figura 2a são mostrados os valores dos índices de iodo e saponificação dos blends de diferentes proporções. Pode-se observar que o índice de saponificação aumenta, com o aumento da proporção de óleo de chia no blend, o que está de acordo com o reportado na literatura, considerando que o índice de saponificação da chia é superior ao do óleo de girassol (SEGURA-CAMPOS et al., 2014). Os tratamentos térmicos, avaliando alterações nos índices de saponificação e de iodo, indicaram que o blend C5G5 (com 50% em óleo de chia e 50% em óleo de girassol) possui considerável estabilidade térmica, com discreta alteração destes parâmetros físico-químicos, conforme Figura 2d. Ressaltando que o blend apresenta composição equilibrada dos ω-6, ω-3 e ω-9. O comportamento geral apresentado por todos os blends – exceto o blend C6G4 -, de aumento do índice de saponificação está associado à diminuição do comprimento médio das cadeias de triglicerídeos que compõem o blend devido a cisão oxidativa. Enquanto o decréscimo do índice de iodo também indica a ocorrência da termo-oxidação, porém como consequência da redução grau de insaturação, devido à quebra das ligações duplas (ALIREZA et al., 2010; GARG et al., 2021; XU et al., 2018). O blend C4G6, por sua vez, apresentou um decaimento expressivo do índice de iodo após 90 minutos de aquecimento, conforme Figura 2e. Embora esse dado seja indicativo de degradação oxidativa, o referido blend pode ser considerado estável, uma vez que, até os 90 minutos de aquecimento a variação desse parâmetro é pequena (MISHRA; SHARMA, 2014). Os resultados deste estudo reforçam a praticidade da utilização de blends para a obtenção de produtos com características desejadas em combinação com a versatilidade da utilização de uma técnica espectroscópica não-destrutiva que fornece informações relevantes em um só experimento.

Espectros, Equações e Perfil graxo

Espectros de RMN ¹H dos oleos puros, quadro de equações de %molar e tabela do perfil graxo dos óleos e blends.

Graficos dos parâmetros físico-químicos dos blends

Parâmetros físico-químicos - índices de iodo e saponificação dos blends submetidos aos tratamentos térmicos.

Conclusões

A RMN ¹H se mostrou uma técnica eficiente no estudo da estabilidade oxidativa de óleos ricos em ácidos graxos insaturados. O blend C5G5, apresentou a melhor razão ω-6: ω-3 em relação a todos os blends estudos. Portanto, foi possível obter óleos mistos com composição balanceada de ω-6 e ω-3, de forma minimamente processada, com menor custo e boa estabilidade oxidativa.

Agradecimentos

Agradecemos ao CNPq e a CAPES pelas bolsas concedidas. Ao Laboratório de Combustíveis e Materiais (LACOM) e a Central Analítica da UFPB pelo apoio.

Referências

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