Avaliação qualitativa da atividade enzimática em detergentes lava-roupas líquidos
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ÁREA
Química Medicinal
Autores
Silvera, M.L.S. (CENTRO FEDERAL DE EDUCAÇÃO TECNOLÓGICA (MG)) ; Gonçalves, F.A.G. (CENTRO FEDERAL DE EDUCAÇÃO TECNOLÓGICA (MG)) ; Nunes, G.F.M. (CENTRO FEDERAL DE EDUCAÇÃO TECNOLÓGICA (MG))
RESUMO
O emprego de enzimas em detergentes é um importante uso desses biocatalisadores. Comparados aos contendo só reagentes químicos, os detergentes com enzimas têm vantagens, como sustentabilidade, eficiência e especificidade. Neste contexto, analisou-se a presença das enzimas mais comuns neste setor (protease, amilase e lipase), por testes qualitativos, em quatro detergentes lava-roupas líquidos comerciais. Os resultados revelaram que as amostras de marca britânica (A e B) apresentam os menores indicativos da presença destas enzimas, enquanto as de marcas nacional e norte-americana (C e D), respectivamente, exibiram forte indicativo da presença destas enzimas. Há poucos estudos no país sobre o tema, e a partir destes resultados observa-se a necessidade de estudos mais aprofundados nessa área.
Palavras Chaves
Lava-roupas líquidos; Enzimas; Atividade enzimática
Introdução
Enzimas são catalisadores metabólicos de natureza proteica que participam de diversas reações bioquímicas possibilitando sua ocorrência através de percursos definidos e com uma velocidade viável (SINGH et al, 2019). Além de acelerarem reações químicas, possuem alto poder catalítico, extrema especificidade para seus substratos e boa atuação sob condições de pH e temperatura brandos (NELSON & COX, 2014). Devido às suas vantagens, as enzimas são utilizadas em diversos ramos industriais, dentre os quais a indústria de detergentes. Desde o século XX vêm sendo utilizadas nas formulações desse produto com o intuito de aumentar sua eficiência de limpeza, uma vez que atuam na degradação de sujidades orgânicas, possibilitando a remoção pelos surfactantes presentes nas formulações (VALLS et al, 2010; ZHANG et al, 2014). As enzimas mais utilizadas na indústria de detergentes integram a classe das hidrolases, com destaque para as proteases, amilases, lipases e celulases. As proteases são as mais utilizadas no comércio e indústrias, responsáveis por catalisar a hidrólise de ligações peptídicas de cadeias proteicas, degradando-as em seus monômeros constituintes (GIRELLI, 2013). As amilases melhoram o poder de limpeza dos detergentes, pois atuam na degradação de carboidratos por meio da hidrólise das ligações glicosídicas, quebrando os polissacarídeos em açúcares menores (VALLS et al, 2010). Já as lipases contribuem para a remoção de sujidades lipídicas, uma vez que atuam como catalisadoras da hidrólise das ligações éster de ácidos graxos, liberando-os no meio (BRASIL, 2012). Por fim, as celulases agem sobre as fibras de algodão dos tecidos ampliando os cuidados com estes ao remover as microfibras durante a lavagem, além de clarear, suavizar e manter o brilho das cores (VALLS et al, 2010). Devido aos diversos benefícios agregados, com o tempo, as enzimas evoluíram de um pequeno aditivo para um ingrediente muito importante na formulação de detergentes. Isso se deve à contribuição efetiva no desenvolvimento e aprimoramento de detergentes domésticos e industriais, já que atuam na limpeza de roupas e louças de maneira eficiente e ecológica (OLSEN & FALHOLT, 1998). Esses catalisadores biológicos, além de apresentarem alta eficiência e especificidade, permitem a redução do uso de produtos químicos e consequente ausência de resíduos prejudiciais, o que, somado à sua degradabilidade, torna os detergentes com enzimas não tóxicos e não corrosivos, reduzindo a sobrecarga ambiental gerada por esses produtos (VALLS et al, 2010; HASAN et al, 2010). Contudo, no caso de produtos líquidos, como os detergentes lava-roupas que são uma tendência do mercado, há perda da atividade catalítica em meio líquido, pois os demais componentes da formulação interagem com as enzimas resultando em uma degradação autolítica (KREUTZFELD, 2019). Poucos trabalhos no Brasil abordam este tema, principalmente no que diz respeito a detergentes lava-roupas líquidos, uma categoria ainda em ascensão no país. Neste contexto, este trabalho teve como objetivo estudar a atividade catalítica qualitativa de enzimas presentes em detergentes lava- roupas líquidos comerciais disponíveis no mercado brasileiro.
Material e métodos
MATERIAIS - Lava-roupas líquidos comerciais: Os detergentes lava-roupas líquidos foram adquiridos em um mercado local e utilizados sem tratamento adicional. Denominou-se: • Amostra A: detergente de 1° categoria (marca multinacional britânica). • Amostra B: detergente de 2° categoria (marca multinacional britânica). • Amostra C: detergente de 2° categoria (marca nacional). • Amostra D: detergente de 1° categoria (marca multinacional norte- americana). MÉTODOS - Determinação qualitativa da atividade amilolítica Para avaliação da presença de amilases nos lava-roupas foram preparadas, para cada amostra, soluções contendo 2 mL do detergente e 30 mL de pudim comercial. As soluções foram homogeneizadas, mantidas em repouso por 2 h em temperatura ambiente. Depois foram mantidas sob refrigeração por 24 h. O controle foi feito usando pudim sem adição do detergente. Após este tempo, analisou-se visualmente o aspecto da consistência final (BORBA et al, 2017; BICUDO, 2017). - Determinação qualitativa da atividade proteolítica Para avaliação da presença de proteases nos lava-roupas líquidos, as amostras foram preparadas utilizando-se 30 mL de gelatina comercial comestível e adição de 2 mL de detergente. As soluções foram homogeneizadas, mantidas em repouso por 2 h em temperatura ambiente e depois sob refrigeração por 24 h. O controle foi preparado com a gelatina sem adição de detergente. A avaliação foi feita observando-se a consistência final das amostras (BORBA et al, 2017; BICUDO, 2017). - Determinação qualitativa da atividade lipídica Para avaliação da presença de lipases nos lava-roupas líquidos foram preparadas soluções contendo 2 mL do detergente e 30 mL de creme de leite. O controle continha apenas creme de leite, sem detergente. Após 2 h em repouso a temperatura ambiente verificou-se se a formação de coágulos, indicativo da hidrólise lipídica e liberação de ácidos graxos (adaptado de BORBA et al., 2017).
Resultado e discussão
RESULTADOS E DISCUSSÃO
- Determinação qualitativa da atividade amilolítica
O pudim de leite consiste em um preparado lácteo rico em amido,
enquanto a enzima amilase catalisa a hidrólise das ligações glicosídicas
quebrando os açúcares em seus monômeros constituintes (SINGH et al., 2019).
Sendo assim, a amilase degrada o amido presente no pudim reduzindo sua
consistência.
Após 24 h de refrigeração, os preparos de pudim foram observados e
fotografados (Figura 1), comparando-se a consistência de cada amostra em
relação ao controle, e em relação às demais, possibilitando a formulação de
teorias a respeito da presença e quantidade relativa da enzima amilase nas
composições dos detergentes analisados.
Analisando-se a Figura 1, pode-se observar que o controle, preparado
segundo instruções do rótulo e sem adição de nenhum outro componente, se
mostrou consistente, devido a não degradação do amido consequente da
ausência da enzima amilase devido à não adição de detergente.
Comparativamente, pôde-se inferir que as misturas contendo amostras de lava-
roupas que exibiram maior consistência foram as que apresentaram menor
indicativo da presença da enzima, enquanto aquelas mais líquidas
apresentaram maior indicativo da presença de amilase (BORBA et al, 2017;
BICUDO, 2017).
Assim, analisando-se qualitativamente, é possível presumir que a
amostra B apresentou menor atividade da enzima amilase, uma vez que o
preparo de pudim contendo este lava-roupas se mostrou consideravelmente
consistente. Os preparos contendo os demais detergentes, apresentaram-se
pastosos, indicando a degradação do amido no preparado, consequência da
presença da enzima amilase. Dentre as três amostras de lava-roupas que
indicaram conter maior atividade catalítica, a amostra C se destaca, uma vez
que o preparado se mostrou mais inconsistente que os demais, sugerindo a
presença mais ativa de amilase em sua composição.
Bicudo e colaboradores (2017) analisaram a presença da enzima
amilase nos detergentes sólidos em pó das marcas A, B e C segundo o mesmo
tipo de experimento utilizado no presente trabalho, apontando como
resultados a presença da enzima amilase na marca A, e sua baixa presença, ou
ausência, nas marcas B e C. Este trabalho, por sua vez, obteve como
resultados a baixa presença da enzima na amostra B, de maneira concordante,
contudo um grande indicativo de atividade enzimática na amostra C e um
indicativo intermediário na amostra A.
- Determinação qualitativa da atividade proteolítica
A gelatina trata-se de um preparado proteico rico em colágenos,
enquanto a enzima protease é responsável pela catálise da hidrólise das
ligações peptídicas (BICUDO et al., 2017; SINGH et al., 2019). Desta forma,
ao entrar em contato com a gelatina, a protease promove a degradação das
fibras de colágeno, afetando sua consistência. Sendo assim, os preparados de
gelatina foram observados e fotografados após o tempo de refrigeração (24 h)
(Figura 2). Foram comparadas as consistências de cada ensaio em relação ao
controle e uns em relação aos outros, e foram formuladas hipóteses a
respeito das concentrações relativas da enzima protease presente em cada
detergente estudado.
A partir da figura 2 observa-se que o controle manteve sua
consistência firme uma vez que, por ter sido preparado segundo instruções do
rótulo e sem adição de nenhum outro componente, não apresenta a enzima
protease, de modo que as fibras de colágeno responsáveis pela consistência
firme da gelatina permaneceram intactas. Logo, por comparação, é possível
inferir que os preparados de gelatina que apresentaram maior consistência
também não possuem enzima ou esta se encontra pouco ativa, enquanto os
preparados com consistência mais fluida contam com a presença da protease de
forma mais ativa, como indicado pela degradação do colágeno (BORBA et al,
2017; BICUDO, 2017).
Desta forma, presume-se que as amostras A e B possuem menor
atividade catalítica da enzima protease em sua composição, uma vez que as
misturas contendo esses lava-roupas apresentaram consistência firme, similar
ao controle. Enquanto, as amostras C e D apresentaram uma consistência
líquida indicando a provável presença da enzima ou mesmo uma maior atividade
proteólíca na formulação desses lava-roupas.
Bicudo e colaboradores (2017) analisaram a presença da enzima
protease nos detergentes sólidos em pó das marcas A, B e C segundo o mesmo
tipo de experimento utilizado no presente trabalho. Observa-se que os
resultados das amostras A e C se mostraram concordantes em ambos os
trabalhos, contudo a amostra B apresentou indicativo de baixas concentrações
de protease no trabalho realizado por Bicudo e colaboradores (2017), e
indicativo de alta atividade enzimática neste trabalho.
- Determinação qualitativa da atividade lipídica
Por definição, o creme de leite é um produto lácteo relativamente
rico em gordura retirada do leite por procedimentos tecnologicamente
adequados, que apresenta a forma de emulsão de gordura em água. (BRASIL,
1996). A manutenção dessa emulsão de gordura, que pode variar de 10 a 50% do
produto, está fortemente atrelada ao pH do meio (PELAIS, 2007). A lipase é
responsável pela hidrólise dos lipídios e liberação de ácidos graxos que
diminuem o pH do creme de leite desfazendo a emulsão, o que causa a formação
de um sistema menos viscoso e com coágulos, estado conhecido comumente como
“talhado”.
Sendo assim, após 2 h de repouso a temperatura ambiente, os
preparados foram fotografados (Figura 3) e comparados entre si, e em relação
ao controle, observando-se visualmente a cremosidade, a integridade da
emulsão e a formação ou não de coágulos. A partir de tais observações foram
formuladas teorias a respeito da presença e atividade enzimática da lipase
em cada um dos detergentes analisados.
O controle, por não contar com a presença da enzima e, portanto, não
haver a quebra da emulsão, manteve sua consistência cremosa e viscosa, com a
emulsão íntegra. Enquanto as outras amostras, contendo os detergentes, se
mostraram menos viscosas, mais fluidas e com presença, em diferentes
magnitudes, de coágulos (BORBA et al., 2017). Tais observações sugerem que
todos os detergentes analisados apresentam a enzima lipase em sua
composição, ainda que com diferentes atividades. As amostras A, B, C e D,
respectivamente, apresentaram quantidades crescentes de coágulos, o que pode
indicar atividade catalítica crescente da enzima.
Resultados dos testes qualitativos para determinação da atividade das enzimas amilase e protease, respectivamente
Resultados do teste qualitativo para determinação da atividade da enzima lipase
Conclusões
CONCLUSÃO A partir dos resultados dos testes qualitativos pode-se inferir que as amostras A e B de lava-roupas líquido comerciais, provenientes de uma marca multinacional britânica, apresentam as menores atividades de enzimas, uma vez que a amostra A indicou a menor presença de lipase e a amostra B menor presença de amilase, e ambas indicaram baixa presença de protease. Por outro lado, pode-se predizer que as amostras C e D, provenientes de marcas nacional e multinacional norte-americana, respectivamente, apresentaram forte indicativo da presença de protease. Com relação às demais enzimas, a amostra C mostrou maior indicativo da presença de amilase, enquanto a amostra D revelou maior indicativo da presença de lipase.
Agradecimentos
Os autores gostariam de agradecer à FAPEMIG, e ao CEFET/MG pelo apoio e recursos concedidos, essenciais para o desenvolvimento e apresentação deste trabalho.
Referências
REFERÊNCIAS
BORBA, E. S.; FILHO, E. G.; HARTIN, L. G.; BELO, M. F. R. F.; QUANDT, M. A. S. Avaliação da atividade enzimática em diferentes marcas de detergentes comerciais. Trabalho de defesa do Projeto de Iniciação Científica Integrada (PIC-QUIMI). Instituto Federal Catarinense – Campus Araquari, Araquari/SC, 2017.
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