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60º COngresso Brasileiro de Química

Estudo do potencial fitoterápico da humulona: predição in silico de propriedades físico-químicas


ÁREA

Físico-Química

Autores

Miritz Müller, J. (FACULDADE VENDA NOVA DO IMIGRANTE) ; Schmitt, M. (UNIVERSIDADE LUTERANA DO BRASIL) ; Santiago, F. (UNIVERSIDADE LUTERANA DO BRASIL) ; Schuck Figueiredo, D. (UNIVERSIDADE LUTERANA DO BRASIL)

RESUMO

A humulona é uma molécula bioativa presente no lúpulo, conhecido como ingrediente fundamental para a produção de cerveja. Devido às inúmeras propriedades atribuídas à humulona, como seu caráter anti-inflamatório e antimicrobiano, esse trabalho teve como objetivo estudar propriedades físico- químicas pertinentes ao uso da humulona como agente terapêutico. Para isso, foram realizadas predições in silico da molécula utilizando os softwares gratuitos GFN2-Xtb e ORCA 4.2.1,além das plataformas online Entos Envision, SwissADME e Molinspiration. Com base nos resultados obtidos nesse trabalho, é possível admitir que a humulona possui uma estrutura que favorece a sua utilização na área farmacêutica, cabendo a necessidade de mais estudos acerca das propriedades farmacológicas do composto.

Palavras Chaves

Humulona; Química computacional; Agente terapêutico

Introdução

A cerveja é uma bebida alcoólica consumida desde a idade antiga (VOLPE, 2020) na qual possui como ingrediente fundamental o lúpulo. O H. Lupulus é uma espécie de planta trepadeira que produz flores que, apesar de possuírem propriedades antimicrobianas, anti-inflamatórias e calmantes (HUMIA et al., 2019), o seu principal uso é destinado para a indústria cervejeira (BOCQUET, L. et al., 2018). O lúpulo é constituído de resinas totais (15% - 30%), óleos essenciais (0,5% - 3%), proteínas (15%), monossacarídeos (2%), polifenóis (4%), pectinas (2%), aminoácidos (0,1%), ceras e esteroides (traços - 25%), cinzas (8%), água (10%) e celulose/lignina (43%). Na cerveja, o lúpulo confere características de aroma e amargor à bebida e essas propriedades são provenientes das resinas totais presentes na planta (DURELLO; SILVA; BOGUSZ, 2019). O amargor da cerveja é um parâmetro de qualidade responsável por equilibrar a doçura do malte e a atribuir caráter refrescante a bebida, onde as substâncias responsáveis por essas características são os α-ácidos, presentes nas resinas totais. A fração dos α-ácidos é composta por cinco tipos de moléculas chamadas humulonas, que estão presentes na proporção de humulona (35-70% do total de α- ácidos), a cohumulona (20-55%), a adhumulona (10-15%), a prehumulona (1- 10%) e a poshumulona (1-3%). Além do uso para a produção de cerveja, a humulona presente no lúpulo possui caráter antimicrobiano. Em um trabalho responsável por estudar a atividade antimicrobiana de α-ácidos (ARRUDA et al., 2021), bactérias gram-positivas e fungos foram expostos ao extrato de lúpulo, onde seu crescimento foi inibido diante da presença dos compostos fenólicos presentes na planta. Além disso, corroborando com o estudo citado acima (BOCQUET, LAETITIA et al., 2019), foi encontrada atividade antimicrobiana e antiparasita no extrato do lúpulo, onde as espécies Staphylococcus aureus, Leishmania mexicana e Trypanosoma brucei Strains apresentaram desenvolvimento restrito devido aos ácidos e espécies fenólicas presentes no lúpulo. Em um estudo onde se observou a atividade antioxidante dos α-ácidos (KONTEK et al., 2021), através de ensaios utilizando um sistema de teste com plasma humano, foi verificado que os ácidos amargos inibiram o estresse oxidativo de lipídios e carbonilação de proteínas e níveis entre 65% e 95%. Os α-ácidos também apresentaram efeitos citotóxicos contra MCF-7 (adenocarcinoma de mama), NCI-H460 (câncer de pulmão de células não pequenas), HeLa (carcinoma cervical) e células tumorais HepG2 (carcinoma hepatocelular), mostrando que a substância possui alta aplicação no setor farmacêutico (ALONSO-ESTEBAN et al., 2019). Cálculos computacionais de química são fundamentais para entender os processos e mecanismos que giram em torno da química do lúpulo e seus componentes químicos. Estudos utilizando métodos DFT (Teoria do Funcional de Densidade) revelaram a atividade antioxidante de humulonas bioativas, onde os sítios mais reativos foram encontrados nas hidroxilas da moléculas, indicando que o aumento da atividade antioxidante nos produtos da cerveja é proporcional ao aumento dos α-ácidos na bebida (CVIJETIĆ et al., 2021). Tendo em vista a relevância que os α-ácidos apresentam para a indústria farmacêutica, esse trabalho visa colaborar com estudos preliminares acerca do potencial efeito terapêutico da humulona observando os sítios ativos e a reatividade da molécula através do índice de Fukui e do GAP HOMO-LUMO através de cálculos de química computacional e modelagem molecular, além de parâmetros físico-químicos que evidenciam atividades farmacológicas. Desse modo, a divulgação de conhecimento frente às características dos α-ácidos tem potencial para novas descobertas e aplicações.

Material e métodos

Para estudar o α-ácido mais abundante na composição do lúpulo, foi modelado com o software Avogadro a molécula de humulona. Após análise conformacional realizada com o software GFN2-xTB, a molécula foi submetida à otimização geométrica e posteriormente ao cálculo de single point com o auxílio do ORCA 4.2.1, utilizando o funcional híbrido wB97X-D3, função de base def2-SVP e base auxiliar def2/J, assim como para o cálculo de single point. O índice de Fukui foi calculado através do software online gratuito Entos Envision. Para calcular os parâmetros físico-químicos correspondentes ao coeficiente de partição e solubilidade molar foram utilizadas as plataformas online gratuitas SwissADME e Molinspiration. As zonas de ataque eletrofílico (ataque de espécies pobres em densidade eletrônica) e ataque nucleofílico (ataque de espécies ricas em densidade eletrônica) foram observadas através do software de visualização gráfica Chemcraft. A energia de hidratação da humulona foi calculada através da diferença entre a energia livre de Gibbs da molécula isolada e com água como solvente implícito.

Resultado e discussão

A geometria foi otimizada e o cálculo convergiu com sucesso, resultado na estrutura apresentada na Figura 1. De acordo com estrutura da humulona, é possível observar um centro quiral na molécula. Os mapas dos orbitais de fronteira foram úteis para detalhar as zonas de ataque eletrofílico e nucleofílo uma vez que a extremidade da molécula é ocupada pelo orbital HOMO (ultimo orbital molecular ocupado) e a região central da molécula é ocupada pelo orbital LUMO (primeiro orbital molecular desocupado). Com base nisso, é possível afirmar que a extremidade da molécula estará sujeita ao ataque de espécies pobres em elétrons e a região central será alvo de ataques de espécies ricas em elétrons que procuram se estabilizar. O índice de Fukui para a região da extremidade foi de 0,225, enquanto para a região central foi de 0,13. Nesse sentido, podemos observar que a molécula de humulona é mais suscetível a reações em que espécies pobres em elétrons se aproximam da molécula. O GAP HOMO-LUMO da molécula foi de 8,37 eV. O coeficiente de partição (log P) da molécula foi calculado através dos métodos iLOGP, XLOGP3, WLOGP, MLOGP, SILICOS-IT, onde o log P consensual foi de 3,29 na qual mostra que a humulona possui caráter hidrofílico. A solubilidade molar em água (log S) pode ser considerada moderadamente solúvel, uma vez que o valor de log S encontrado foi de -4,33. A energia de hidratação da humulona encontrada foi de aproximadamente -6 kcal/mol.

Figura 1 - Estrutura química da Humulona

Estrutura da humulona otimizada com o carbono quiral da molécula destacado em azul.

Figura 2 - Mapas dos orbitais HOMO e LUMO da humulona e zonas de ataqu



Conclusões

Através dos cálculos de química computacional, foi possível observar os locais da humulona mais suscetíveis às reações químicas. O índice de Fukui mostrou que a molécula possui mais tendência em reagir com espécies pobres em elétrons. O valor do GAP HOMO-LUMO revelou que a humulona é uma espécie química estável. Conforme visto em outros estudos, as hidroxilas presentes no centro da molécula estão suscetíveis a ataques nucleofílicos, o que nos mostra a atividade química desse grupo funcional. A humulona apresenta caráter hidrofílico e pode ser considerada moderadamente solúvel em água. Para que exerça ação biológica, a molécula deve estar dissolvida nos ambientes aquosos que caracterizam o meio, e o caráter hidrofílico da humulona auxilia a sua bioatividade já vista em outros trabalhos acadêmicos. A assimetria das biomoléculas está relacionada com a alta seletividade e a grande diversidade dos processos biológicos e, devido a humulona ser uma molécula assimétrica que possui um carbono quiral, essa característica evidencia o potencial terapêutico da molécula. Esse trabalho encontra-se em andamento, uma vez que, após observarmos o potencial farmacológico da humulona através de simulações computacionais, além das evidências experimentais já presentes na literatura, são necessários estudos mais aprofundados acerta na natureza química da humulona e suas propriedades farmacológicas.

Agradecimentos

Referências

ALONSO-ESTEBAN, José Ignacio et al. Phenolic composition and antioxidant, antimicrobial and cytotoxic properties of hop (Humulus lupulus L.) Seeds. Industrial Crops and Products, v. 134, p. 154–159, 1 ago. 2019.
ARRUDA, Tarsila Rodrigues et al. A new perspective of a well-recognized raw material: Phenolic content, antioxidant and antimicrobial activities and α- and β-acids profile of Brazilian hop (Humulus lupulus L.) extracts. LWT, v. 141, p. 110905, 1 abr. 2021.
BOCQUET, L. et al. Humulus lupulus L., a very popular beer ingredient and medicinal plant: overview of its phytochemistry, its bioactivity, and its biotechnology. Phytochemistry Reviews, v. 17, n. 5, p. 1047–1090, 1 out. 2018.
BOCQUET, Laetitia et al. Phenolic Compounds from Humulus lupulus as Natural Antimicrobial Products: New Weapons in the Fight against Methicillin Resistant Staphylococcus aureus, Leishmania mexicana and Trypanosoma brucei Strains. Molecules 2019, Vol. 24, Page 1024, v. 24, n. 6, p. 1024, 14 mar. 2019. Disponível em: <https://www.mdpi.com/1420-3049/24/6/1024/htm>.
CVIJETIĆ, Ilija et al. DFT study of the radical scavenging activity of isoxanthohumol, humulones (α-acids), and iso-α-acids from beer. Structural Chemistry 2021 32:5, v. 32, n. 5, p. 2051–2059, 21 abr. 2021. Disponível em: <https://link.springer.com/article/10.1007/s11224-021-01780-4>.
DURELLO, Renato S.; SILVA, Lucas M.; BOGUSZ, Stanislau. Química do lúpulo . Química Nova, v. 42, n. 8, p. 900–919, 21 out. 2019. Disponível em: <http://www.scielo.br/j/qn/a/YmTGmBMCbC7Yr7fdPGWm6tf/?lang=pt&format=html>.
HUMIA, Bruno Vieira et al. Beer Molecules and Its Sensory and Biological Properties: A Review. Molecules 2019, Vol. 24, Page 1568, v. 24, n. 8, p. 1568, 20 abr. 2019. Disponível em: <https://www.mdpi.com/1420-3049/24/8/1568/htm>.
KONTEK, Bogdan et al. Antiradical and antioxidant activity in vitro of hops-derived extracts rich in bitter acids and xanthohumol. Industrial Crops and Products, v. 161, p. 113208, 1 mar. 2021.
VOLPE, Richard. A Natural History of Beer. Journal of Wine Economics, v. 15, n. 4, p. 434–436, nov. 2020. Disponível em: <https://www.cambridge.org/core/journals/journal-of-wine-economics/article/abs/rob-desalle-and-ian-tattersall-a-natural-history-of-beer-yale-university-press-new-haven-ct-2019-256-pp-isbn-9780300233674-hardcover-28/3C2E5ADFE974F1FA7ED6A1197F7AE980>.