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60º COngresso Brasileiro de Química

Caracterização de minérios de torianita utilizando a técnica de Fluorescência de Raios-X por Energia Dispersiva


ÁREA

Química Analítica

Autores

Miranda, J.A.S. (CENTRO REGIONAL DE CIÊNCIAS NUCLEARES DO NORDESTE) ; França, E.J. (CENTRO REGIONAL DE CIÊNCIAS NUCLEARES DO NORDESTE) ; Amaral, R.S. (UNIVERSIDADE FEDERAL DE PENRAMBUCO) ; Miranda, M.V.F.E.S. (CENTRO REGIONAL DE CIÊNCIAS NUCLEARES DO NORDESTE) ; Amaral, D.S. (CENTRO REGIONAL DE CIÊNCIAS NUCLEARES DO NORDESTE)

RESUMO

Material mineral radioativo armazenado de forma irregular foi apreendido pela Polícia Federal no Norte do Brasil. Identificou-se como principal hipótese que o material tratava-se da torianita. Para confirmação, foi realizada caracterização química utilizando Fluorescência de Raios-X po Energia Dispersiva, após secagem, cominuição, moagem e homogeneização da amostras. Foram encontrados os seguintes percentuais de composição química: ThO2 (55,5%), PbO (10,41%), SiO3 (8,01%), U3O8 (6,31%), Fe3O3 (4,91%), Al2O3 (4,16%), ZrO2 (3,55%). Pelos percentuais de tório, urânio e chumbo encontrados na amostra, foi possível assegurar que o minério analisado era realmente torianita.

Palavras Chaves

Radioisótopos naturais; Tório-232; Minério clandestino

Introdução

Os elementos químicos cujos radioisótopos são os mais utilizados para gerar energia nuclear são o plutônio, o tório e o urânio, sendo este último o mais comumente empregado para este fim. Isto se deve, em parte, ao fato de que muitos projetos de reatores já foram desenvolvidos pensando na utilização do urânio como combustível nuclear (MORAIS; JEREMIAS, 2019). Apesar disso, reatores que utilizam o tório como combustível nuclear já foram desenvolvidos e são opções promissoras, são os chamados reatores tipo “breeder” (MORAIS; JEREMIAS, 2019). Embora o 232Th não seja físsil, este radionuclídeo pode ser transmutado por bombeamento de nêutrons no isótopo 233U, que é físsil e pode ser usado com fonte de energia nuclear (MCCOY, 1969; TOMIDA, 1975). Este processo de geração de urânio-233 a partir do tório-232 é mais eficiente do que a geração de plutônio a partir do urânio 238 (LAINETTI, 2017). Além disso, sob a perspectiva ambiental, o ciclo do combustível de tório gera uma quantidade muito menor de actinídeos, resultando em resíduos muito menos duráveis, por apresentarem meias-vidas menores (LAINETTI, 2017). Por fim, a abundância média de tório na crosta terrestre é estimada em cerca de três vezes maior do que a do urânio (EISENBUD; GESELL, 1997; PAPP et al., 1997). Devido a estes fatos, a torianita, que apresenta em sua composição com até 80% de ThO2 (dióxido de tório), sendo um dos minerais com maiores concentrações de tório, possui relevância comercial cada vez maior e vem sendo cobiçada pela mineração (BENJAMIN, 1983; MORAIS; JEREMIAS, 2019). Este mineral ainda apresenta teores de urânio em torno de 7%, tornando-a ainda mais atrativa para o ramo da mineração (BENJAMIN, 1983. MORAIS. JEREMIAS, 2019). De acordo com a classificação estabelecida por Kapustin (1966), o minério para ser classificado como torianita deve ter uma razão U:Th < 1:5. Do ponto de vista da proteção radiológica, este mineral tem representado um problema grave. Isto porque, minérios clandestinos de torianita têm sido armazenados de forma irregular no interior das residências, sem o conhecimento pela população do risco que isto representa à saúde dos residentes devido à alta exposição à radiação ionizante proveniente dos altos teores de tório e urânio no mineral (LOMBA; PORTO, 2020). Neste contexto, o objetivo principal deste estudo foi realizar a caracterização química utilizando a técnica EDXRF de amostras de um minério radioativo apreendido pela Polícia Federal armazenado de forma clandestina na Região Norte do Brasil, cujas características indicavam ser torianita. Este estudo permitiu também melhor conhecimento da composição química deste minério, uma vez que são poucos os trabalhos existentes na literaturas acerca do assunto.

Material e métodos

Preparação de Amostras As amostras do material apreendido foram transferidas do depósito de Rejeitos Radiológicos do Centro Regional de Ciências Nucleares do Nordeste (CRCN-NE), onde estavam armazenadas, para o Serviço de Monitoramento Ambiental do CRCN-NE (SEAMB/CRCN-NE) em bombonas lacradas que foram abertas ao ar livre devido à possível presença de gás radônio (também radioativo) em seu interior. Levantamentos radiométricos foram necessários para a retirada, transporte e manipulação das amostras, tendo sido realizados utilizando o detector portátil identiFINDER. No SEAMB/CRCN-NE, as amostras do material foram transferidas para bandejas de alumínio secas em estufa à 60°C até massa constante (maior variação observada = 0,003%). Objetivando diminuir a dose absorvida durante a operação em laboratório, a cominuição e a moagem das amostras foram realizadas dentro de uma capela, de forma manual, com almofariz e pistilo porcelana. Porções de 60 g foram cominuídas até tamanho máximo de partículas de 80 μm. Utilizando o identiFINDER, foram realizadas medições para que as taxas de dose não ultrapassassem as os limites máximos estabelecidos pela legislação (CNEN, 2014) para o indivíduo ocupacionalmente exposto (IOE). Após a cominuição e moagem, também foram realizadas medições nas amostras com o equipamento indentiFINDER para identificação dos radionuclídeos presentes. Caracterização Química por EDXRF Foram preenchidos 20 tubos de polietileno com 3 g de torianita e vedados com filme de polipropileno específico para quantificações por EDXRF. Foi utilizado para isso o equipamento modelo EDX-720, da Shimadzu®, composto por tubo de raios-X de Rh e detector de Si(Li) para quantificação dos raios-X característicos. Para verificar a qualidade do procedimento analítico, 10 tubos de polipropileno com diferentes materiais de referência produzidos pela IAEA (Agência Internacional de Energia Atômica), foram preparados e analisados juntamente com as amostras do material estudado. A quantificação do elementos químicos contidos nas amostras foram obtidas pelo método quali quantitativo (SOUZA, 2013). Para a determinação dos elementos químicos das amostras, foram utilizadas as tensões de 15 kV para aquelas com número atômico (Z < 26), e de 50 kV para os demais elementos químicos (SILVA NETO, 2015).

Resultado e discussão

Composição Química As composições químicas percentuais das 20 amostras analisadas por EDXRF são apresentadas na Tabela 1, bem como as concentrações médias de cada óxido, assim como os respectivos desvios-padrão (DP), coeficientes de variação (CV%), valores máximos e mínimos e o número de replicatas analisadas (n). Os óxidos predominantes nas amostras analisadas foram ThO2 (55,3%), seguidos por PbO (10,4%), SiO2 (8,0%) e U3O8 (6,3%). Os coeficientes de variação de ThO2 e de U3O8 ficaram abaixo de 2,5%, garantindo assim homogeneidade dos analitos na amostra estudada. Gaiotte et al. (2011), em seus estudos realizaram a caracterização química do minério de torianita utilizando a técnica de espectrometria óptica d plasma indutivamente acoplado (ICP-OES). Os autores detectaram os seguintes valores para estes óxidos: 76,1% (ThO2), 9,6% (PbO) e 7,0 (U3O8), dados, resultados que se assemelham aos obtidos no presente estudo. Qualidade do procedimento analítico A garantia de qualidade do procedimento analítico foi demonstrada pela comparação entre os resultados das quantificações por EDXRF dos óxidos presentes nos materiais de referência IAEA S-14 e IAEA S-18, com os respectivos valores certificados pela IAEA para este material, para um nível de confiança de 95%. Foram obtidos valores de 0,064% ± 0,002% para Th e 0,077% ± 0,003% para U. As concentrações constantes dos respectivos certificados de análise são 0,061% ± 0,005% para Th e 0,077% ± 0,002% para U, resultando em valores de Número En de 0,6 e 0,0. Ainda que esta tenha sido uma análise quali-quantitativa, ficou assim demonstrada a qualidade do procedimento analítico para a análise química por EDXRF em nível de 95% de confiança (ISO, 2017).

Tabela 1. Estatística descritiva da composição química das amostras



Conclusões

Como resultado da caracterização química das amostras analisadas, pode-se concluir que o material estudado é um mineral com altas concentrações de ThO2, PbO e U3O8 detectadas por EDXRF. Os valores obtidos caracterizam o material como uma torianita. Também é importante que seja realizado o estudo do material utilizando outras técnicas como a Espectrometria Gama de Alta Resolução (EGAR) para determinar os níveis de concentração das atividades dos respectivos radionuclídeos já identificados, colaborando assim para que ações de proteção radiológica sejam estabelecidas durante o manuseio para pesquisa e exploração deste minério.

Agradecimentos

Os autores agradecem à Comissão Nacional de Energia Nuclear pelas bolsas e apoio financeiro para os projetos de pesquisa, e ao CRCN-NE por permitir a utilização de seus laboratórios e instalações.

Referências

AMARAL, D. S. Radônio-222 e radionuclídeos associados em águas de poços em áreas do fosforito uranífero da Região Metropolitana do Recife. Dissertação de Mestrado: Programa de Pós-Graduação em Tecnologias Energéticas e Nucleares/Universidade Federal de Pernambuco, 2018, 87 p.

BENJAMIN, M. M. Nuclear Reactor Materials and Applications. Washington, DC: Library of Congress in Publication Data. 1983. 279 p.
CNEN - COMISSÃO NACIONAL DE ENERGIA NUCLEAR, Diretrizes Básicas de Proteção Radiológica. Rio de Janeiro: Norma CNEN NN­3.01. 2014. 22p.

EISENBUD, M.; GESELL, T. Environmental Radioactivity: from natural, industrial, and military sources. Nova York: Academic Press, 1997. 656 p.

GAIOTTE, J. V. M.; VILLEGAS, R.A.S.; FUKUMA, H.T. Uranium and thorium recovery in thorianite ore – Prelimary results. International Nuclear Atlantic Conference – INAC, Belo Horizonte, 2011.

ISO - INTERNATIONAL ORGANIZATION FOR STANDARDIZATION. ISO Guide 35 - Reference Materials - Guidance for characterization and assessment of homogeneity and stability. Pretoria: ISO/TC 334 Reference Materials, v. 4, 105 p. 2017.

KAPUSTIN, Y. L. Accessory thorouraninite from nepheline syenites of Tuva. Atomic Energy, v. 20, p. 579-582, 1966.
LAINETTI, P E. O. Prospective thorium for future nuclear energy generation. International Nuclear Atlantic Conference – INAC, Belo Horizonte, 2017.

LOMBA, R. M.; PORTO, J. L. R. Conflitos na fronteira amazônica: conservação e disputas nas áreas protegidas do Amapá – Brasil. Confins, 47, v. 15, p. 1-15, 2020.

MCCOY, J. B. Kirk-Othmer Encyclopedia of Chemical Technology. Nova York: Wiley & Sons, 1969. 1084 p.

MORAIS, A. V.; JEREMIAS, H. Principais minérios de tório e sua importância para a área nuclear. UNISANTA Business and Management, v.2, p. 67-80, 2019.

PAPP, Z.; DEZSO, Z.; DARÓCZY, S. Measurement of the radioactivity of 238U, 232Th, 226Ra, 137Cs, and 40K in soil using direct Ge(Li) γ-ray spectrometry. Journal of Radioanalytical and Nuclear Chemistry, v. 222, p. 171-176, 1997.

SILVA NETO, P. C. Interação solo-vegetação na avaliação de impactos ambientais em fragmento florestal de Mata Atlântica. Dissertação de Mestrado, Programa de pós-graduação em Tecnologias Energéticas e Nucleares/Universidade Federal de Pernambuco, Recife, 2015, 122 p.

SPIEGEL, M. R. Theory and Problems of Statistics. São Paulo: McGraw-Hill, 2 ed., 1985. 454 p.

TOMIDA, E. K. Comportamento cromatográfico dos carbonato-complexos de lantanídeos e de tório em alumina. Tese de Doutorado, Instituto de Química, Universidade de São Paulo, São Paulo, 1975, 78 p.