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60º COngresso Brasileiro de Química

DESAFIOS DA PRÁTICA DOCENTE: Experiência vivenciada no Curso de Licenciatura em Química em momentos de pandemia.


ÁREA

Ensino de Química

Autores

Silva, M.M. (UEA) ; Silva, K.M. (UEA) ; Silva Junior, C.T.F. (UEA) ; Eleuterio, C.M.S. (UEA)

RESUMO

Este estudo é resultado de uma experiência desenvolvida no Curso de Lic. em Química em Parintins-AM. Devido a pandemia do novo coronavírus, a Universidade do Estado do Amazonas suspendeu as atividades presenciais em todas as unidades acadêmicas e as aulas passaram a ser oferecidas por meio de plataformas digitais, utilizando recursos tecnológicos que permitissem aos acadêmicos acompanhar as aulas. Os professores formadores buscaram novas maneiras de mediar o conhecimento e os licenciandos tiveram que se adaptar a essa nova dinâmica de estudos. Para atender os objetivos da disciplina Instrumentação para o ensino de Ciências e Química, foram propostos experimentos simples para serem realizados nas residências dos acadêmicos, utilizando materiais de fácil acesso e de baixo custo.

Palavras Chaves

Experimentação; Prática Docente; Ensino de Química

Introdução

O fenômeno da pandemia do COVID-19 alterou o modo de viver da população do mundo inteiro e mostrou a necessidade de atender as recomendações sanitárias (manter o distanciamento social; lavar as mãos com água, sabão ou sabonete; fazer uso do álcool 70% líquido e em forma de gel; utilizar máscaras e luvas). Em vista disso, a Universidade do Estado do Amazonas - UEA, desde março de 2020 suspendeu as atividades presenciais em todas as unidades acadêmicas da capital e do interior do estado do Amazonas. Essa medida foi amparada pela Portaria 544, de 16 de junho de 2020 (BRASIL, 2020) que orienta para a realização das aulas, práticas de laboratório e Estágio Supervisionado de forma remota. A partir desse momento todas as atividades desenvolvidas no Curso de Licenciatura em Química do Centro de Estudos Superiores de Parintins – CESP, foram realizadas de forma remota através de plataformas digitais, utilizando recursos tecnológicos que permitissem aos acadêmicos acompanhar as aulas. Nesse modelo os recursos virtuais ganharam protagonismo, com características específicas do mundo digital e as aulas síncronas neste contexto, foram essenciais para dar continuidade a formação inicial dos futuros professores de Química. Por conta do distanciamento social, os licenciandos não poderiam se reunir em grupos, nem frequentar o campus. Portanto, as atividades vinculadas a disciplina Instrumentação para o ensino de Ciências e Química e que envolviam as práticas de estágio e de laboratório, só poderiam ser realizadas em outro espaço geográfico. Como a maioria dos acadêmicos residiam em comunidades rurais, vilas, aldeados indígenas e/ou em municípios pequenos, a maneira mais adequada para atender as recomendações da Organização Mundial de Saúde - OMS e de outras instituições públicas envolvidas na prevenção e tratamento do coronavírus, era realizar os experimentos no contexto dos licenciandos. De acordo com Souza (2015), a Química é uma ciência reconhecidamente experimental, mas, em decorrência do tempo de aula ser bastante reduzido e a maioria das escolas não disponibilizarem de um espaço apropriado, os experimentos ficam em segundo plano. Ressaltamos que a experimentação no ensino de Ciências (Química, Física e Biologia) se justifica pela relevância do seu papel investigativo e pedagógico que auxilia o acadêmico na compreensão dos fenômenos e na construção dos conceitos disciplinares. Mesmo revelando a importância dessa dinâmica, o ensino de Química continua apresentando caráter exageradamente conteudista e livresco. Destacamos também que as aulas experimentais se configuram importantes instrumentos para despertar a curiosidade e interesses dos acadêmicos pelos fenômenos evidenciados. Considerando essa perspectiva, Souza (2015) afirma que não necessariamente as práticas experimentais precisam ser realizadas em espaços institucionalizados na escola ou na universidade, podendo ocorrer também em outros ambientes (sala de aula e espaços não formais). Em relação a isso, Guimarães (2009) assegura que a visão que se tem de laboratório precisa ser ampliada também para outros ambientes formativos onde o aluno esteja inserido. Assim, um jardim, a sala de aula, quadra poliesportiva, biblioteca da escola e outros espaços podem se configurar ambientes propícios para o desenvolvimento de experimentos que possam estimular no aluno o caráter investigativo. Esse fragmento justifica a metodologia adotada pelos professores formadores da disciplina Instrumentação para o ensino de Ciências e Química neste momento de pandemia. Para atender o propósito da disciplina e relacioná-lo com o momento que ora se vivencia foram realizados cinco experimentos utilizando matéria prima regional e materiais do cotidiano de fácil acesso e de baixo custo. Na produção de álcool foram utilizadas polpas de frutas regionais: taperebá (Spondias mombin) e cupuaçu (Theobroma grandiflorum). Para preparar o sabão em barra foi utilizado óleo de fritura (residual). A borra de café, sabonete neutro e essência de lavanda, foram utilizados na elaboração do sabonete esfoliante. Para a confecção de um papel semente foi utilizado a borra de café e para o polímero do tipo slime utilizamos a macaxeira (Manihot esculenta). Os resultados foram evidenciados em um Relatório do tipo portifólio onde foram demonstrados, através de imagens e vídeos, os procedimentos teóricos e técnicos que subsidiaram os experimentos.

Material e métodos

A metodologia do estudo se ampara na pesquisa qualitativa sustentada pela experimentação investigativa. A pesquisa qualitativa no ensino de Química segundo Mól (2017) é importante porque trata a educação como um processo interativo, que acontece na relação entre professores, estudantes e os conceitos científicos específicos da Química. As considerações de Morais (2014) e nossas observações permitem afirmar que a experimentação investigativa se apresentou no contexto dos acadêmicos, como momentos de aprendizagem e de motivação pois, participaram efetivamente das atividades práticas e obtiveram resultados satisfatórios. Para que este estudo fosse desenvolvido os acadêmicos selecionaram as abordagens; elaboraram os procedimentos metodológicos das atividades práticas: produção de álcool: polpas de taperebá (Spondias mombin) e cupuaçu (Theobroma grandiflorum)); sabão: óleo residual de frituras; sabonete esfoliante: borra de café e aromatizante; papel semente: borra de café e polímero: amido de macaxeira (Manihot esculenta); realizaram os experimentos e apresentaram os resultados (relatório do tipo portifólio). Produção do álcool: preparo do mosto; fermentação e destilação. Adição de 500mL de água mineral em um recipiente; 1 xicara de açúcar e polpas de frutas. O material foi cozido e resfriado. Os mostos foram transferidos para um fermentador caseiro, acrescentado 10g de fermento biológico. Os vinhos foram colocados no alambique caseiro, levado ao fogo até atingir o ponto de ebulição. O material destilado foi submetido ao teste de chama. A produção do sabão: 500ml de água quente, 300g de soda cáustica (NaOH), 1 xícara de sal e acrescentado o óleo residual filtrado e essência. Todos esses materiais foram colocados em um recipiente, homogeneizados até apresentar boa consistência e transferida para formas até total solidificação. Para preparar o sabonete esfoliante foram utilizados 200g de sabonete neutro ralado; 200mL de água; borra de café. A mistura foi levada ao fogo, adicionada essência de lavanda, homogeneizada até se desprender do fundo da panela e transferida para formas até a solidificação. Confecção do papel semente: 200mL de água, 2 xícaras de borra de café e cola branca. Esses materiais foram triturados em um liquidificador e a mistura transferida para uma bacia onde foram mergulhadas as telas de serigrafia que posteriormente foram colocadas ao sol para total evaporação da água. Depois do papel formado, foram depositadas as sementes. Para produzir o polímero do tipo slime, a macaxeira (Manihot esculenta) foi descascada, triturada em 450mL de água e peneirada. A solução foi deixada em repouso até decantação do amido. Em uma panela o amido foi diluído em 1L de água junto com 1 colher de bicarbonato de sódio. Depois o material foi levado ao fogo em constante agitação até adquirir boa consistência. Foram adicionadas também gotas de corante, água boricada e glitter. O produto final foi homogeneizado com as mãos até obter o resultado esperado.

Resultado e discussão

Nos últimos anos o ensino de Ciências (Química, Física e Biologia), influenciado pelas mudanças sociais e amparados em documentos oficiais instituídos a partir da década de 1990 como: a Lei de Diretrizes e Bases da Educação – Lei 9394/96 (BRASIL, 1996), os Parâmetros Curriculares Nacionais (BRASIL, 1997), as Diretrizes Curriculares Nacionais para o Ensino Médio (BRASIL, 2018), Diretrizes Curriculares Nacionais Gerais da Educação Básica (BRASIL, 2013), Base Nacional Comum Curricular – BNCC (BRASIL, 2018), vêm aos poucos estimulando mudanças em relação ao uso de metodologias, com o propósito de romper com as antigas práticas de ensino e de formação docente nessa área. As atividades experimentais investigativas desenvolvidas na disciplina Instrumentação para o ensino de Ciências e Química se sustentaram em eixos temáticos que possibilitaram superar esse momento de isolamento, auxiliaram na conexão dos conhecimentos já apreendidos pelos acadêmicos e, ainda, contribuíram na formação de identidades pautadas na autonomia, solidariedade e participação na sociedade. A experimentação no ensino de Ciências é uma estratégia que promove a introdução dos métodos científicos, desenvolve o raciocínio e motiva os alunos a conhecerem a ciência do ponto de vista da química, física, biologia e outras áreas de conhecimento. Ressaltamos que esta prática não deve ser vista apenas como um manual de receitas, com roteiros padronizados onde encontramos informações sobre os reagentes, vidrarias e equipamentos, descrição exata das quantidades de cada substância a serem utilizadas nos experimentos. Todo esse procedimento é importante do ponto de vista da química experimental que não se preocupa com os aspectos pedagógicos e sim com os conteúdos clássicos apresentados nas ementas das disciplinas. De acordo com os PCN+ (BRASIL, 2002) e Souza et al. (2013), a experimentação se apresenta no contexto da formação inicial de professores, como uma estratégia didática ligada as disciplinas instrumentação e prática de ensino, com o intuito de oferecer aos futuros professores subsídios teóricos e práticos para a inserção de atividades experimentais nas aulas de Química na educação básica. Neste estudo a experimentação foi nomeada “experimentação investigativa” pelo fato dos experimentos possibilitarem a compreensão de conceitos e estimular o licenciando a criar e recriar, fazer e refazer, testar, aprimorar e/ou redesenhar o procedimento metodológico sem deixar de considerar os aspectos qualitativos que envolvem a prática pedagógica. De acordo com Almeida (2017) na experimentação investigativa as atividades podem ser desenvolvidas em sete etapas como demonstra a Figura 1: Os experimentos mostraram que é possível relacionar conceitos vinculados a ciência moderna (química) com situações vivenciadas (pandemia/ Sarcs-cov-2) pelos acadêmicos. Neste tipo de prática esses atores ocupam uma posição mais ativa no processo de construção do conhecimento, assumindo uma maior participação nas etapas a serem desenvolvidas (Figura 2). O caráter investigativo que envolvem as práticas experimentais pode melhorar a qualidade do ensino de Química, ampliar a prática dos professores e contribuir significativamente com a aprendizagem dos alunos da educação básica e ensino superior. Além disso, pode tornar as aulas mais vivas e menos tediosas, com possibilidade dos alunos e/ou acadêmicos participarem mais assiduamente das aulas.

Figura 1 - Etapas da Experimentação Investigativa



Figura 2 - Resultados do estudo



Conclusões

As atividades teóricas e experimentais desenvolvidas na disciplina Instrumentação para o ensino de Ciências e Química durante a pandemia nos mostra a necessidade de romper com antigas práticas que ainda se sustentam nos princípios da racionalidade técnica. E para colaborar com esta experiência tomaremos como ponto de reflexão as considerações de Santos, Santos e Santos (2017) que mostram a importância das atividades investigativas no ensino de Ciências. Para esses autores esta metodologia possibilita a compreensão de conceitos e é uma maneira de levar o aluno a participar de seu processo de aprendizagem, sair de uma postura passiva e começar a perceber e agir sobre o seu objeto de estudo, relacionar o objeto com acontecimentos e buscar as causas dessa relação, procurar, portanto, uma explicação causal para o resultado de suas ações ou interações. Em outro momento destacam que a dinâmica adotada na experimentação investigativa auxilia na construção da autonomia do aluno e o torna sujeito ativo e mediador do seu próprio conhecimento. Isso é fato! As atividades investigativas permitem ao aluno conhecer e compreender o seu mundo e a sua realidade, estimulam uma participação mais ativa nas aulas e em outras atividades da escola e da comunidade. Entretanto, isso sé é possível se o aluno tiver um professor que o ajude a refletir e a problematizar situações que irão fomentar a construção do seu conhecimento, pois as experimentações por si só não levarão os alunos à efetiva aprendizagem.

Agradecimentos

Aos colegas que aceitaram esse desafio e aos professores formadores que orientaram este estudo.

Referências

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