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60º COngresso Brasileiro de Química

Significados no Ensino de Química e a necessidade de um outro olhar.


ÁREA

Ensino de Química

Autores

Gois, J. (UNESP) ; Domingues, L. (UNESP - IBILCE)

RESUMO

Os processos de elaboração de significados são essenciais para a área de ensino, considerando o papel central da linguagem. O fato do significado, no Ensino de Química, apresentar um caráter historicamente representacional, limita a compreensão da elaboração de significados. Uma alternativa a este olhar, é a visão não-referencial de linguagem proposta pelo filósofo Ludwig Wittgenstein. A partir de uma abordagem pautada nos referenciais teóricos da Análise Textual Discursiva (ATD), analisamos os pensamentos de cientistas abordados no Ensino Médio, como Lavoisier, Dalton e Bohr, categorizando-os, a partir de categorias prévias, de acordo com o significado representacional presente em seus pensamentos e apontamos uma outra possibilidade a partir da filosofia madura de Wittgenstein.

Palavras Chaves

Wittgenstein; Ensino de Química; Significado

Introdução

Direcionamo-nos, à Filosofia da linguagem, e elaboramos este trabalho para contribuir com a área de Ensino de Química no sentido de fomentar os estudos dos processos de significação, outrora negligenciados nos âmbitos da recém-estabelecida da Filosofia da Química. Deste modo, convidamos o leitor a nos acompanhar nas reflexões que apoiar-se-ão na filosofia de Ludwig Wittgenstein (1889-1951) no que se refere à elaboração de significado a partir dos “jogos de linguagem”, pois, como concluem Silva e Giordan (2013), a influência de Wittgeinstein pode vir a contribuir positivamente na compreensão da relação entre significado e aprendizagem a partir das linguagens. Na obra Investigações Filosóficas, Wittgenstein desenvolve seu pensamento sobre a alegoria dos jogos de linguagem, que poderia ser descrita como um conjunto de regras ‘pactuadas’ por grupos de pessoas que só tem significado dentro de uma forma de vida específica. O autor sai do abstrato da linguagem utilizando como exemplos em seu livro, jogos de linguagem reais, i. e. exemplos de aplicações e usos da linguagem e das palavras em diferentes formas de vida, destacando a natureza diversa da linguagem. Para ele, imaginar uma linguagem é como imaginar uma forma de vida e existem tantas formas de vida quanto podem existir jogos de linguagem (STIGAR, 2016). Portanto o significado das palavras não está ligado ao objeto ou aquilo que, literalmente ou descritivamente, elas representam, mas sim ao seu uso nos jogos de linguagem em determinada forma de vida. É a esta obra que dedicamos a nossa atenção e, neste tom, a alegoria dos jogos de linguagem nos servirá de base para reflexões acerca do uso da linguagem na sala de aula de Química do Ensino Médio como tema dos Modelos Atômicos, fornecendo-nos subsídios para uma forma alternativa de compreensão para a elaboração de significado dentro da área de Ensino de Química. E, essas reflexões nos levarão, ao longo do texto, a categorizar os significados representacionais (que ajudaram a formar a Química como ela é) mas que não mais suficientes para compreender a elaboração do significado no Ensino de Química atualmente. Na leitura que temos de Wittgenstein, as condições que possibilitam a comunicação plena, ou o jogar os jogos de linguagem com proficiência, são basicamente o uso de lances de jogos já conhecidos que, a termos de comparação, serão validados ou invalidados dentro de um outro jogo de linguagem. Para que um lance seja válido ou inválido dentro de um jogo de linguagem, é preciso verificar se as regras para tal jogo foram respeitadas. Não desdobramos o tema “regras” pois este é um elemento que fortalece a alegoria dos jogos de linguagem, mas não é fundamental a ponto de ser delimitada pois, como o significado está no uso da linguagem, cabem as regras serem compreendidas nos diálogos que emergem dos jogos de linguagem. Como bem colocado por Gottschalk (2006), quando empregarmos nossos conceitos, não o fazemos determinados por uma regra, e tampouco se trata de estados subjetivos ou generalizações empíricas que possibilitam a formulação dessas regras. Simplesmente as regras apenas orientam nossa atividade, como o fazem, placas de trânsito. As regras nos servem como condições de sentido para as nossas ações. Agimos em uma determinada situação segundo o que se espera ou o que faz sentido naquele momento. Baseados no Trabalho de Gottschalk (2010), e inspirados pelas pesquisas de Siebel Erduran (2019) e a forma com que esta trabalha com a aplicação dos conceitos do segundo Wittgenstein a respeito de semelhanças de famílias para contribuir para discussão dos processos de elaboração de significado no Ensino de Ciências, propomos, algo semelhante, mas na direção da alegoria dos jogos de linguagem. Propomos aqui evidenciar estes tipos de significados e analisar os pensamentos de cientistas que contribuíram para o desenvolvimento da Química sob esta forma particular de olhar para os processos de elaboração de significado, i. e., o significado está no uso da linguagem empregado nos jogos de linguagem de uma determinada forma de vida. No entanto, é valido lembrar que o significado não pode ser estabelecido como ‘resultado lógico’ desta linha de pensamento, mas sim como parte integrante inseparável de um ‘falar com sentido’, que contempla os jogos de linguagem, os significados e, as formas de vida. Para tal, fundamentamos que, sob essa ótica, há quatro tipos de significados, onde três deles limitam a linguagem à aspectos extrínsecos e outro que levaria em conta a abrangente ação da linguagem sobre os as relações humanas e suas convenções para com os signos e seus significados.

Material e métodos

Neste trabalho, realizamos análises dos pensamentos de Lavoisier, Dalton e Bohr a partir de, principalmente, três dissertações de mestrado: Santos (2015), Peduzzi (2008) e Basso (2004, que se aprofundam na filosofia dos pensamentos dos respectivos cientistas, assim como as suas contribuições para a Química. De tal modo, nossas análises pautaram-se nos referenciais teóricos da Análise Textual Discursiva (ATD) metodologia proposta por Moraes e Galliazzi (2007) para ser aplicada nas pesquisas em educação e que requer rigor e atenção nas etapas de seu desenvolvimento. Estas etapas são colocadas de modo sucinto, em Pedruzzi et. al. (2015). São elas: I) Unitarização, momento de desconstrução do texto, em nosso caso a transcrição, em fragmentos de unidade de significado. II) Organização de categorias: síntese das informações de pesquisa por comparação e diferenciação de elementos unitários que resultam em um conjunto de elementos com algo em comum. III) Produção de metatextos: processo onde as categorias são transformadas em textos possibilitando novos modos de compreensão dos fenômenos investigados. A Análise Textual Discursiva permitirá a identificação das evidências dos processos significação de modo que a categorização será a posteriori e, os metatextos, estudados à luz dos trabalhos do filósofo Ludwig Wittgenstein, mais especificamente, a partir da ilustração dos jogos de linguagem contida em uma das suas principais obras, as Investigações Filosóficas (WITTGENSTEIN, 1999), e suas recentes contribuições para Ensino de Química. Vale ressaltar que, na obra citada, Wittgenstein desenvolve a alegoria dos jogos de linguagem. O autor foca-se nas aplicações e usos da linguagem e das palavras em diferentes formas de vida, destacando a natureza diversa da linguagem. Para Wittgenstein, imaginar uma linguagem é como imaginar uma forma de vida e existem tantas formas de vida quanto podem existir jogo de linguagem, de talo modo que, os jogos de linguagem empregados hoje no Ensino de Química, precisam ser diferentes dos jogos de linguagem que constituíram e ajudaram a estabelecer a Química enquanto ciência pois, os significados na química, são diferentes daqueles de outrora. Assim, a partir de categorias a priori baseadas em GOTTSCHALK (2010), enquadramos pensamentos dos cientistas em questão entre os modelos de significados propostos pela autora (agostiniano, empirista, pragmatista e wittgensteiniano) e apresentamos a possibilidade de uma outra forma de olhar os jogos de linguagem da sala de aula de Química, assim como os processos de elaboração de significado no Ensino de Química.

Resultado e discussão

Ensinar química é algo vai além de explanações, explicações, enfim, mais que uma aula. Na nossa visão, durante a aula, fornecemos um repertório de lances válidos dentro dos jogos de linguagem da Química que subsidiarão o estudante para “falar com sentido” nesta forma de vida. E, através da socialização dos lances, através do uso da linguagem, a posteriori, validar-se-ão (ou não) os lances utilizados pelos estudantes durante seu aprendizado, sempre considerando que este estudante se valerá do uso de lances conhecidos e validados neste ou em outros jogos de linguagem para também falar com sentido, para se fazer entender. O mesmo raciocínio vale para a condição do estudante. Quando este utiliza a linguagem de modo “correto” dentro de um jogo de linguagem o faz com significado. O termo “correto” supracitado refere-se às validações de significado dentro de uma forma de vida. Validações estas que podem ser estabelecidas por meio de regras ou premissas de modo exclusivamente social. Isto é, a comunidade daquela forma de vida valida ou invalida a forma do uso da linguagem. E, através destas validações, o aprendiz, baseando-se em outros jogos de linguagens provenientes, a priori, de sua(s) experiência(s) usa lances conhecidos para se fazer entender. Portanto, quando Wittgenstein utiliza a expressão “falar de forma significativa” ele se refere ao fato de uma pessoa estar jogando o jogo de acordo com as regras entendidas por uma comunidade. Ou seja, o falante se inseriu na comunidade de práticas. Não vislumbra a possibilidade de o aprendiz que está ouvindo se inserir ou não. Nesse sentido, é uma concepção de compreensão de processos de significação com foco no aluno. Só quando o aprendiz fala de acordo com as regras é que podemos ver se ele se inseriu ou não. Portanto, estamos usando a linguagem nesta (ou naquela) forma de vida e, quando somos compreendidos, o fazemos com significado, o que Wittgenstein chama de “falar com sentido”. Para ilustrar (ainda mais) algo neste sentido, nos valemos da interpretação da filosofia do significado em cientistas escolhidos a dedo: Lavoisier, Dalton e Bohr. Faremos isso de modo a elucidar nosso pensamento e simultaneamente categorizar o significado na filosofia destes cientistas enquanto suas contribuições para a Química. O que entendemos que culminará em uma melhor compreensão do significado wittgensteiniano (não-representacional) e a necessidade de uma condição ambiental sustentável para que este possa se desenvolver. Lavoisier tem ideias prevalentemente agostinianas do ponto de do sigficado. Não apenas com relação ao oxigênio e ao calórico, mas também na sua preocupação com a nomenclatura das substâncias químicas. No entanto este cientista também possuía traços pragmatistas, um exemplo disto eram os métodos e experimentos empregados por ele. Assim como sua preocupação com o desenvolvimento da Química e dos Químicos, enquanto cientista.No entanto há poucos traços pragmatistas em seus trabalhos. Afirmação que não podemos fazer, por exemplo, sobre os trabalhos de Dalton.Inevitavelmente, asseveremos que John Dalton era um reducionista de formação e apresentava pensamentos com significado nitidamente pragmatista. No entanto, esta afirmação não é superficial. Isto é, não inferimos deste modo agudo apenas baseados nos livros didático de Química. os trabalhos de Lavoisier, Newton e Boyle, somados à educação fisicalista a que foi submetido John Dalton, levaram o modelo atômico de Dalton a ser estudado (e estigmatizado) nos livros didáticos de Química junto com conceitos provenientes do reducionismo de Demócrito e Leucipo, recolocados nas pautas das ciências com a retomada das ideias atômicas. E, por falar em livros didáticos de Química, dialoguemos um pouco sobre como estes abordam, por exemplo, o modelo de Bohr. Sobre o modelo de Bohr, podemos iniciar com uma citação de Peduzzi (2008, p. 4: "O fato do átomo ter uma estrutura interna não abala a imagem materialista do mundo. A realidade objetiva da matéria está nas partículas elementares que constituem o átomo. Muda o foco, mas a essência da idéia é a mesma. É nesta “simplicidade” que reside a força de persuasão dessa visão de mundo". Tal fato, ao ser trazido para a seara do Ensino de Qímica a nível de graduação superior, soa extremamente reducionista, ao passo que o ensino de nível médio, pode ser categorizado como empirista pelo caráter referencial, literal e ilustrativo da matéria em sua escala submicro. A filosofia envolta do modelo de Bohr torna simples o enquadramento do seu significado em empirista. Isso se torna ainda mais nítido se levarmos em conta que o modelo de Bohr é usado como referência fundamental no ensino médio para o Ensino da organização da Tabela Periódica. Como se o modelo e a distribuição dos elétrons ao redor da eletrosfera geolocalizasse o elemento naquele mapa que descreve localização e características, algo que não podemos concordar. é importante salientar que o próprio Niels Bohr buscava, não apenas provar sua teoria, mas também buscava uma forma verbal de comunicar suas descobertas e, praticamente, não encontrava outro recurso (como veremos mais adiante) senão a linguagem matemática. Veremos isso mais adiante, na seção seguinte onde sugerimos mais detalhes a respeito de um Filosofia DO Ensino de Química baseada, inicialmente, na filosofia de Wittgenstein. Também importante colocar que a filosofia de Wittgenstein na qual nos baseamos para categorizar Lavoisier e Dalton, não é a única ferramenta passível de ser aplicada na elaboração de significados no ensino de química, apenas é uma proposta que trouxemos neste trabalho e que nos leva a entender que, do mesmo modo que o significado é abordado literatura em nossa área (Ensino de Química), assim como outros aspectos também necessitam de uma revisão mais apurada de modo que servem também para a emersão de um outro eixo de estudos que aproxime Filosofia e Ensino de Química.

Conclusões

Esta ausência de um outro olhar para aspectos filosóficos do Ensino de Química é pertinente há anos, e apresenta-se como um paradigma a ser esclarecido entre os próprios estudiosos do átomo como podemos ver na conversa entre Bohr e Heisenberg (1996, p. 54): Pretendemos dizer algo sobre a estrutura do átomo, mas falta-nos uma linguagem em que possamos nos fazer entender. Estamos na mesma situação de um marinheiro abandonado numa ilha remota, onde as condições diferem radicalmente de tudo o que ele jamais conheceu e onde, para piorar as coisas, os nativos falam uma língua desconhecida. Ele tem que se fazer entender, mas não dispõe de meios para isso. Nesse tipo de situação, uma teoria não pode ‘esclarecer’ nada, no sentido científico estrito habitual da palavra. Tudo o que ela tem a esperança de fazer é revelar ligações. Quanto ao mais, ficamos tateando da melhor maneira possível... Fazer mais do que isso está muito além dos recursos atuais. Para nós o que Bohr sente falta, pode ser contemplado pelo filosofia de Wittgenstein. Olhar para os Modelos atômicos sob esta ótica, poderia comprovar, por exemplo, vários aspectos da acerca da elaboração de significado, citados neste trabalho. Em especial, explicitaria de um modo prático que os modelos de significados Agostiniano, Empirista e Pragmatista, assim como as áreas de Filosofia e História das Ciências, Filosofia tradicional e Filosofia da Educação são insuficientes para a o tipo de linguagem que temos hoje (para não dizer a décadas) na Química e na sala de aula de Química, mas que todos têm colaborado de alguma forma para emersão de uma Filosofia do Ensino de Química.

Agradecimentos

Referências

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