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60º COngresso Brasileiro de Química

Produção Industrial de Compostos Aromáticos: Das Fontes Fósseis às Fontes Renováveis


ÁREA

Química Verde

Autores

Leal dos Santos, P. (UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO SUL) ; Rangel Santos Varela, M.C. (UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO SUL)

RESUMO

O trabalho objetiva identificar as tecnologias disponíveis para a obtenção dos compostos aromáticos a partir da biomassa. A motivação reside na importância comercial desses compostos, aliada à necessidade de substituição das fontes fósseis pelas renováveis. São apresentados os processos industriais de obtenção dos compostos aromáticos a partir do petróleo, ao longo da história, e as principais tecnologias que usam biomassa lignocelulósica como matéria-prima. A metodologia envolveu a consulta e análise de livros, dissertações, teses, artigos científicos de revisão (2018-2021) e sítios eletrônicos de empresas produtoras de compostos aromáticos. Concluiu-se que a pirólise e a liquefação são as tecnologias mais promissoras para a produção de compostos aromáticos a partir da biomassa.

Palavras Chaves

Aromáticos; Biomassa; Lignina

Introdução

Nas últimas décadas, a demanda global de produtos químicos vem crescendo cada vez mais devido ao aumento da industrialização e da população. O petróleo é a principal fonte fóssil utilizada atualmente na produção desses compostos, e sabe-se que ele é consumido mais rapidamente do que é regenerado, tornando o seu uso insustentável. Além disso, o uso de fontes fósseis contribui para o aquecimento global e, portanto, para as mudanças climáticas. Por essas razões, há um esforço intenso da comunidade científica e tecnológica, aliado a vultosos investimentos de grandes companhias, para produzir combustíveis e compostos químicos a partir de fontes renováveis. A produção industrial dos compostos aromáticos ganhou força no século XX, com a adição de benzeno à gasolina para melhorar sua octanagem. Já na metade desse século, o processo de reforma catalítica desempenhava um importante papel nas refinarias convertendo a nafta em produto reformado, rico em compostos aromáticos. Devido às demandas de mercado e aos avanços na tecnologia, as unidades de reforma foram amplamente estudadas e seu funcionamento ganhou muita importância. Os compostos aromáticos constituem a base de produção de uma variedade de produtos, como plásticos, resinas, solventes e insumos para a indústria farmacêutica. Entretanto, esses compostos são obtidos, atualmente, a partir do petróleo. Por isso, há um interesse em se desenvolver novas tecnologias para a produção de bio- aromáticos, para atingir a escala industrial e viabilizar a produção destes compostos a partir da biomassa, constituindo uma área de pesquisa científica e tecnológica importante para os químicos. A utilização de biomassa para a produção de produtos químicos, especialmente compostos aromáticos, se mostra como uma solução promissora para a substituição do petróleo, pois é uma matéria-prima renovável, sustentável, de baixo custo e ampla disponibilidade. Este trabalho tem como objetivo analisar os processos de obtenção de compostos aromáticos a partir do petróleo e identificar as tecnologias disponíveis mais promissoras, a partir da biomassa, com foco na lignocelulose e nos resíduos industriais de lignina. Este trabalho, também, busca apresentar as biorrefinarias como uma opção promissora para a produção de bio-aromáticos em substituição às refinarias tradicionais.

Material e métodos

A metodologia deste trabalho incluiu a análise crítica de livros, dissertações, teses e artigos científicos de revisão, relacionados ao tema proposto, e a consulta aos sítios eletrônicos de empresas produtoras de compostos aromáticos. A busca foi conduzida utilizando as seguintes palavras- chave: “biomassa”, “lignocelulose”, “aromáticos” e “despolimerização”. Os livros consultados foram selecionados através do sistema de busca da biblioteca virtual da Universidade Federal do Rio Grande do Sul e usados para descrever os processos tradicionais que empregam petróleo como matéria-prima e para analisar as características e o potencial das biorrefinarias, na produção de compostos aromáticos. Como a maioria das tecnologias que utiliza biomassa de lignina ainda está em etapa de pesquisa e desenvolvimento, foram consultados artigos de revisão entre o período de 2018 e 2021, através da busca de dados na Web of Science, através do Portal da CAPES. Foram selecionados 20 artigos de um total de 391, utilizando o critério de documentos relatando o maior número de processos e rendimentos de compostos aromáticos. A partir da análise crítica do material pesquisado, foram identificados os processos de obtenção de compostos aromáticos mais promissores a partir da biomassa de lignina.

Resultado e discussão

A pesquisa foi dividida em duas etapas: análise das refinarias tradicionais e análise das biorrefinarias, com foco no potencial de obtenção de compostos aromáticos. Por se tratar de uma etapa industrialmente estabelecida, a pesquisa sobre as refinarias tradicionais foi conduzida através de livros e sítios eletrônicos de empresas que comercializam estes processos. As refinarias tradicionais são responsáveis pela transformação do petróleo cru em várias frações, que são posteriormente utilizadas na produção de materiais largamente empregados no nosso cotidiano. O processo de reforma catalítica que ocorre nas refinarias é responsável pela produção de uma corrente rica na fração C8, da qual podem ser obtidos os compostos aromáticos (CONCEIÇÃO, 2010; PARKASH, 2003). Os sistemas mais modernos de reforma catalítica são os reformadores de regeneração catalítica contínua (CCR), no qual, o catalisador é continuamente regenerado ao longo do processo, sem necessidade de parar a operação (WITTCOFF, et al., 2013; POPARD, 2011). Atualmente, a maioria dos processos industriais de reforma utiliza catalisadores trimetálicos, baseados em platina associada a rênio e a um terceiro metal (estanho ou germânio), em três ou quatro reatores em série (FAHIM et al., 2010; HAGEN, 2015). Vários sistemas de reforma catalítica estão disponíveis comercialmente por diferentes empresas, como UOP, Exxon, Engelhard, Chevron e Amoco, entre outras. Para a obtenção de compostos aromáticos de alta pureza, o produto reformado obtido na reforma catalítica é enviado para um complexo industrial de compostos aromáticos, que é um conjunto de processos que ocorrem no final da cadeia de produção de produtos petroquímicos. Este complexo apresenta diferentes configurações, desde as mais simples, que produzem somente benzeno, tolueno e uma mistura de xilenos, até às mais modernas, que maximizam o rendimento dos compostos aromáticos (BECCARI e ROMANO, 2006). Devido ao crescimento da população, ao aumento da demanda por produtos químicos, à crescente preocupação ambiental gerada pela utilização de combustíveis fósseis e seu uso insustentável, a busca pela substituição das refinarias tradicionais pelas biorrefinarias se tornou assunto de grande interesse para pesquisadores e empresas. Na segunda etapa da pesquisa, que trata das biorrefinarias, foram consultados livros para a análise conceitual das refinarias e na análise de artigos de revisão para identificar as tecnologias utilizadas. O conceito de biorrefinaria é análogo ao das refinarias de petróleo, pois assim como nas refinarias tradicionais, nas biorrefinarias ocorre um conjunto de processos capazes de extrair os componentes químicos básicos de uma matéria-prima, nesse caso, da biomassa (PANDEY et al., 2011; POPA e VOLF, 2018). O objetivo principal das biorrefinarias é aproveitar a biomassa de modo que se obtenha produtos similares aos das refinarias tradicionais, mas com menor impacto ao meio ambiente. A biomassa de lignina se apresenta como um substituto adequado para o petróleo na produção de compostos aromáticos. Ela apresenta uma estrutura tridimensional complexa formada por unidades de fenilpropano ramificadas aleatoriamente, conectadas através de ligações C-C e substituintes hidroxil e metoxil, sendo este último cerca de 60-75% das ligações formadas (POPA e VOLF, 2018; HU e GHOLIZADEH, 2019). Além disso, baixo ou nenhum teor de nitrogênio, sendo uma fonte renovável, que pode ser obtida em várias regiões do planeta. Além disso, a sua estrutura contém vários anéis aromáticos e sítios de ramificação, sendo o único material de origem biológica formado por resíduos de compostos aromáticos (PANDEY et al., 2011; POPA e VOLF, 2018). O processamento da biomassa lignocelulósica nas biorrefinarias para a produção de compostos aromáticos geralmente é dividido em três etapas básicas: extração da lignina, despolimerização e estabilização, e conversão em compostos aromáticos de alto valor agregado (PAONE, TABANELLI e MAURIELLO, 2019). A etapa de extração, também chamada de pré-tratamento, visa à separação dos polímeros lignina, celulose e hemicelulose presentes na biomassa (KUMAR et al., 2019; PONNUSAMY et al., 2018). A despolimerização da lignina envolve a ruptura das ligações C-C e C- O para a produção de unidades fenólicas (PAONE, TABANELLI e MAURIELLO, 2019). Esta etapa pode ser realizada através de processos bioquímicos e termoquímicos. A rota bioquímica, apesar de bastante pesquisada para a produção de bio-compostos, ainda apresenta tempos de reação longos e baixos rendimentos (CHIO et al., 2019; LI et al., 2019; SIVAGURUNATHAN et al., 2020). Os processos termoquímicos são os mais estudados para a produção de compostos aromáticos (CHIO et al., 2019; LI et al., 2019). Eles convertem a biomassa em monômeros de cadeia mais curtas através do uso do calor, com ou sem o uso de catalisador (CHIO et al., 2019). Os metais mais empregados como catalisadores neste processo são platina, ródio, paládio e rutênio (KUMAR et al., 2019; PONNUSAMY et al., 2018). Atualmente, as principais rotas de despolimerização termoquímica pesquisadas para a produção de aromáticos são a pirólise e a liquefação, ambas produzindo bio-óleo (ONG et al., 2019; KHEMTHONG et al., 2020), que pode ser convertido em compostos aromáticos. A pirólise se baseia na degradação térmica da biomassa na ausência de oxigênio, normalmente em pressão atmosférica e na faixa de temperatura de 450-800 °C (CHIO et al., 2019; ONG, 2019). É separada em dois tipos, de acordo com as condições experimentais a que estão submetidas: pirólise lenta (T=350-700 °C, tempo maior que 30 min e taxa de aquecimento inferior a 25 °C/min) e pirólise rápida (T=450-700 °C, tempo de aproximadamente 2 seg e taxa de aquecimento maior que 10 °C/min). A pirólise lenta apresenta rendimentos de até 68% de bio-óleo, enquanto a rápida apresenta rendimentos de até 74,9% (ONG et al., 2019; POVEDA-GIRALDO et al, 2021). A liquefação converte a biomassa em combustíveis líquidos e produtos químicos em temperaturas moderadas (200-450 °C) e altas pressões (10-350 bar). É dividida em liquefação hidrotérmica, que utiliza água como solvente, liquefação com solventes orgânicos, normalmente metanol e etanol, e liquefação com mistura de solvente, geralmente água/solvente orgânico. A liquefação hidrotérmica, a liquefação com solvente orgânico e a liquefação com mistura de solventes apresentam rendimentos de até 54,1 %, até 75,6 % e até 67,4 % em bio-óleo, respectivamente (KIM et al., 2019; SONG et al., 2020). Tanto a pirólise quanto a liquefação passam diretamente pelo processo de conversão com catalisadores. A etapa de conversão transforma os produtos obtidos através da despolimerização em compostos aromáticos de alto valor agregado a partir das unidades fenólicas (PAONE, TABANELLI e MAURIELLO, 2019). Atualmente, empresas como a Biorizon, BioBTX, Axens e Anellotech já disponibilizam tecnologias baseadas nestes processos.

Figura 1 - Estrutura química da lignina.

Estrutura química da lignina, rica em anéis aromáticos e sítios de ramificação.

Conclusões

O petróleo é a principal fonte fóssil utilizada atualmente para a produção de compostos aromáticos. Através da reforma catalítica da nafta e de um conjunto de processos que ocorrem no final da cadeia de obtenção de produtos petroquímicos, pode-se produzir compostos aromáticos de alta pureza. No entanto, os grandes problemas ambientais causados pela utilização de combustíveis fósseis têm motivado a comunidade científica na busca por um substituto do petróleo. Entre as frações da biomassa, a lignina apresenta grande potencial para aplicação na produção de compostos aromáticos, pois possui estrutura polimérica aromática capaz de gerar diversos produtos, como compostos BTX, polímeros, mistura de hidrocarbonetos, mistura de ácidos orgânicos, mistura de fenóis, mistura de álcoois aromáticos e alquilbenzenos, entre outros. No entanto, o grande desafio para a utilização da biomassa de lignina encontra-se no desenvolvimento de tecnologias eficientes para a obtenção de compostos aromáticos de alto valor agregado. Atualmente, os sistemas de pirólise e liquefação se mostram como os processos mais promissores para a despolimerização da lignina, apresentando rendimentos de até 75,6 % em bio-óleo, que pode ser convertido em compostos aromáticos. Estas tecnologias já são comercializadas por empresas européias, como a Biorizon, BioBTX e a Axens, e apresentam flexibilidade quanto ao tipo de biomassa de lignina empregado e altos rendimentos de bio-óleo.

Agradecimentos

Os autores agradecem à CAPES pela disponibilização do Portal de Periódicos.

Referências

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