• Rio de Janeiro Brasil
  • 14-18 Novembro 2022

Metodologia de síntese de lactonas a partir de dióis e ácido tricloroisocianúrico

Autores

dos Santos, C.V.P. (UFRJ) ; de Mattos, M.C.S. (UFRJ)

Resumo

Lactonas estão presentes em substâncias com atividade biológica naturais e sintéticas. Sua síntese costuma utilizar reagentes caros e/ou tóxicos, por exemplo, ácidos de Lewis fortes e catalisadores de ouro ou ciclopentadienona- ferro. Os substratos também são variados, sendo comum o uso de ácidos carboxílicos insaturados e hidróxi-ácidos carboxílicos. Nossa abordagem utiliza o ácido tricloroisocianúrico (TCCA) para transformar dióis em lactonas em condições suaves e com reagentes de baixa toxicidade e seguros. O TCCA é comercializado como cloro para piscina na forma de pastilhas ou discos com elevada pureza. Foram testados 6 dióis e obtidas quatro lactonas com conversões cromatográficas entre 93->99% em reações a temperatura ambiente e em até 4 horas utilizando TCCA e piridina.

Palavras chaves

Lactona; Álcool; Ácid tricloroisocianúrico

Introdução

Lactonas são definidas pela IUPAC como ésteres cíclicos de ácidos carboxílicos, sendo estes ciclos saturados ou não. A nomenclatura comum para lactonas segue a indicação α, β, etc, a partir do carbono vizinho à carbonila seguido do prefixo vulgar do ácido carboxílico associado. As lactonas estão presentes em substâncias que possuem atividade biológica (SARTORI et al., 2021), dentre elas: antibióticos, anti-inflamatórios, herbicidas, inibidores de enzimas, tripanocida, leishmanicida, antitumorais, além de usos industriais como aromatizantes e precursores de polímeros. Há na literatura exemplos de preparações de lactonas a partir de variados substratos. A halolactonização (GONZALEZ et al., 1990) parte de um ácido carboxílico insaturado para obter uma halolactona (bromo ou iodo) em condições suaves. A partir de um hidróxi-ácido graxo (MUKAIYAMA et al., 1976) e refluxo com um sal de piridíneo é possível obter a macrolactona em bom rendimento. O uso de anidrido aromático com grupo desativante associado a um forte ácido de Lewis como Ti(IV) transforma (SHIINA et al., 2004) hidróxi-ácidos em lactonas. O uso de catalisador de ouro (SHU et al., 2010) transforma álcoois com alquinos terminais em butirolactonas, enquanto que o uso de NIS em condições radicalares (GAO et al., 2014) permite a lactonização de ácidos 2-arilbenzoicos. A obtenção de lactonas a partir de dióis é possível a partir do uso de catalisadores a ciclopentadienona-ferro (TANG et al., 2020). O ácido tricloroisocianúrico (1,3,5-tricloro-1,3,5-triazina-2,4,6-triona, Figura 1, TCCA), é um heterociclo da classe das N-cloroimidas. Se apresenta como um sólido branco com odor de Cl2 e é comumente disponibilizado comercialmente sob a forma de grânulos ou discos compactos (esta é a forma disponível no varejo como “cloro de piscina” com cerca de 95% de TCCA). A redução do TCCA gera o ácido cianúrico como subproduto inócuo que pode ser reciclado ou simplesmente descartado por ser biodegradável – de 95-98% é transformado microbiologicamente em CO2 após 72 h (SALDICK, 1974). Devido a presença de três equivalentes de cloro eletrofílico, alta reatividade, baixo custo, segurança e conveniência de manipulação e estocagem o TCCA é uma ótima escolha para reações como eletrófilo (MENDONÇA et al., 2011), nucleófilo (associado) (SINDRA et al., 2020) e como potente oxidante (DOS SANTOS e DE MATTOS, 2021) de álcoois. Hiegel estudou oxidações de álcoois secundários e primários com TCCA, obtendo respetivamente cetonas (HIEGEL e NALBANDY, 1922) e ésteres metílicos (HIEGEL e GILLEY, 2003). Neste último estudo ele apontou para a possibilidade de obter lactonas a partir de dióis utilizando três casos e argumentou a possiblidade da lactona ser obtida a partir da oxidação do lactol pelo TCCA. Em um estudo muito limitado (KONDO et al., 1995) foi comparada a formação de butirolactona a partir de butano-1,4-diol e diferentes N-cloroimidas, em que o TCCA apresentou a melhor conversão cromatográfica (85%) quando comparado a N- bromosuccinimida (57%), N-bromoacetamida (82%) e N,N- diclorobenzeno-sulfonamida (80%). A partir do nosso interesse prévio em reações de oxidação de álcoois (DOS SANTOS e DE MATTOS, 2021) e dos resultados de Hiegel, estamos propondo uma metodologia conveniente para a obtenção de lactonas a partir da oxidação de dióis com TCCA e piridina.

Material e métodos

Para o estudo de condições de reação foram empregados o butano-1,4-diol e o cis-ciclo-hexano-1,2-dimetanol como substratos. Partindo de 0,002 mol (2 mmol) de substrato e da mistura de solventes diclorometano/acetonitrila, foram avaliados a equivalência molar de TCCA, a proporção e volume da mistura de solventes, uso e equivalência de bases orgânicas, tempos de reação e condições térmicas da reação. O curso da reação foi analisado por cromatografia gasosa acoplada a espectrometria de massas (CG-EM) por ressonância magnética nuclear (RMN) de 1H e 13C para amostras isoladas. Procedimento padrão: a um balão de 25 mL de capacidade contendo o diol (2 mmol), água destilada (20 mmol) e base (2 mmol, quando presente) foram adicionados diclometano (5 - 7 mL), acetonitrila (5 - 3 mL) e TCCA granulado (1,67 mmol) e a mistura foi agitada à temperatura ambiente por 2-4 horas. Ao término da reação a solução sobrenadante foi extraída com clorofórmio: isopropanol (3:1) e água destilada (2 x), a fase orgânica seca (Na2SO4 anidro) e filtrada em coluna de sílica com pequena camada de alumina ácida no topo utilizando diclorometano como eluente. Após rotaevaporação, o óleo amarelado obtido foi analisado por CG-EM e RMN.

Resultado e discussão

A otimização da proporção de solventes, de água destilada e de TCCA foi realizada com butano-1,4-diol como substrato (Tabela 1). Os resultados são referentes às conversões cromatográficas. As condições utilizadas na Entrada 1 foram herdadas das utilizadas com sucesso para a oxidação de álcoois benzílicos e secundários com TCCA (DOS SANTOS e DE MATTOS, 2021). Mesmo com apenas 0,80 mmol foi possível a conversão de 78% de butirolactona e observar, através de injeção do cru da reação, a presença de cloreto de 4-hidroxibutiroila como intermediário de reação. O aumento de TCCA levou à melhora das conversões, mas a ausência de água foi no sentido contrário. Na verdade, os melhores resultados foram obtidos com o aumento de 14 mmol para 20 mmol de água, o que é interessante uma vez que o a produção de ácido carboxílico como subproduto não ocorre nas condições ótimas. Apesar dos bons resultados com a proporção 5 mL de diclorometano e 5 mL de acetonitrila, foi necessário diminuir a proporção de acetonitrila devido a dificuldades encontradas durante o processo de isolamento. Assim, o uso de 3 mL de acetonitrila e 7 mL de diclorometano permitiu alcançar resultados satisfatórios com 4 h de reação. Entretanto, a adição de 2 mmol de piridina acompanhada de aumento de TCCA se mostrou superior por eliminar a formação de pequenas quantidades de subprodutos identificados nas demais condições. A otimização do uso de bases foi feita utilizando o cis-ciclo- hexano-1,2-dimetanol (Tabela 2) devido a maior possibilidade de α-cloração. As entradas 1 (excesso de 20% molar de cloro ativo) e 2 (excesso de 50% molar de cloro ativo) demonstraram que o aumento de TCCA teve pouco impacto no consumo do diol. O uso de acetona, uma base muito suave utilizada na oxidação de álcoois secundários (DOS SANTOS e DE MATTOS, 2021) teve resultado insatisfatório, assim como o uso de trietilamina. A piridina se mostrou uma base mais eficiente que as demais, sendo os melhores resultados obtidos com o uso de 2 mmol de piridina e 1,67 mmol de TCCA (excesso de 50% molar de cloro ativo, Tabela 2, Entrada 8), sendo esta condição a eleita como condição padrão para o uso de piridina. A partir dos resultados de otimização foram realizadas oxidações com TCCA e diferentes dióis. O Esquema 1 resume os resultados obtidos. Apesar dos bons resultados para síntese de butirolactona e cis-hexa- hidro-isobenzofuran-1(3H)-ona ao utilizar piridina, as sínteses de valerolactona e caprolactona não se beneficiaram e igual forma. Para as reações em que não se utilizou piridina a quantidade TCCA empregada foi diminuída de 1,67 mmol para 1,47 mmol. Durante a síntese de caprolactona foi observada a produção concorrente do éster a até 20,8%. O aumento do volume da reação de 10 mL para 20 mL, sendo 14 mL de diclometano e 6 mL de acetonitrila, diminuiu bastante a ocorrência desse subproduto. A tentativa de obter amidas através da oxidação de aminoálcoois, notadamente N,N-2-etanolamina e N,N,N-tri-2-etanolamina resultou em misturas complexas, sendo observada a presença de cloretos de acila no meio reacional.

Tabelas de resultados de otimização

A Tabela 1 resume as proporções de solventes, água, TCCA e tempos de reação, enquanto a Tabela 2 resume o uso e proporção de bases orgânicas com TCCA.

Figuras da estrutura do TCCA e resultados da obtenção de lactonas

Estrutura do TCCA (1) e resultados de síntese de lactonas a partir de diois com TCCA (2).

Conclusões

Nossa metodologia permitiu a obtenção de lactonas em elevadas conversões cromatográficas (93->99%) e rendimentos bons a ótimos (52-93%) a partir da reação dos respectivos dióis com TCCA em misturas de diclorometano e acetonitrila. As reações foram feitas em condições suaves e convenientes utilizando reagentes baratos, seguros e de baixa toxicidade e com isolamento conveniente.

Agradecimentos

Agradecemos ao IQ/UFRJ pela infraestrutura oferecida, CVPS agradece a FAPERJ pelo apoio financeiro por meio do Doutorado Nota 10 e o prof MCSM agradece ao CNPq pelo apoio financeiro por meio de bolsa de pesquisa.

Referências

DOS SANTOS, C. V. P.; DE MATTOS, M. C. S.; A convenient protocol for the oxidation of benzyl and secondary alcohols to carbonyl compounds by trichoroisocyanuric acid, Lett. Org. Chem., n. 11, v. 18, p. 854-861, 2021.

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