• Rio de Janeiro Brasil
  • 14-18 Novembro 2022

Covid-19: controvérsia sociocientífica em uma exposição virtual de um museu de ciências

Autores

Lamim, A.R.S. (USP) ; Sotério, C. (USP) ; Queiroz, S.L. (USP)

Resumo

A pandemia da Covid-19 alavancou o debate público sobre controvérsias sociocientíficas. Este trabalho objetivou investigar de que forma a exposição virtual “Coronaceno: reflexões em tempos de pandemia” explorou as controvérsias sociocientíficas da temática, a fim de verificar aspectos que favorecem o ensino sobre controvérsias. A análise revelou superficialidade na discussão política de tópicos científicos e a presença significativa de elementos sociais, econômicos e morais, bem como de espaços para exposição de opiniões e conhecimentos divergentes. Tais características contribuem com o ensino de controvérsias e mostram que exposições museais podem suscitar discussões que favorecem a contextualização da ciência com problemáticas presentes no cotidiano das pessoas.

Palavras chaves

Covid-19; Controvérsia sociocientíf; Educação virtual

Introdução

Os museus de ciências desempenham relevantes funções sociais, como ensinar e comunicar as ciências, difundir a cultura da área, formar especialistas e despertar o interesse do público por temáticas científicas (DELICADO, 2004). Ainda, esses espaços têm potencial para apresentar os desenvolvimentos e descobertas da ciência nacional, incentivar a participação pública em decisões sobre ciência e tecnologia e debater controvérsias sociocientíficas (DELICADO, 2016). Tais controvérsias são especialmente observadas com o advento da pandemia da Covid-19, que trouxe consigo uma infodemia, cuja circulação de um volume massivo de informações não acuradas é facilitada pelas redes digitais, impactando questões sociais, políticas e científicas e trazendo para os holofotes temas controversos como vacinação, distanciamento social e movimentos negacionistas de ciência. Segundo a Organização Mundial da Saúde, faz-se necessário um esforço conjunto de pesquisadores, governantes e demais membros da comunidade para combater os efeitos dessa crise, uma vez que a disseminação de informações sem evidência científica pode representar uma ameaça à vida (WORLD HEALTH ORGANIZATION, 2020). Entretanto, a discussão sobre controvérsias científicas ainda é algo pouco explorado pela museologia, que na maioria das vezes apresenta o conhecimento como algo acabado e inquestionável (HUDDLESTON; KERR, 2015). Este trabalho tem como objetivo averiguar quais dos elementos da exposição museal “Coronaceno: reflexões em tempos de pandemia” (MUSEU DO AMANHÃ, 2021) têm potencial para fomentar o ensino sobre controvérsias sociocientíficas. Tal análise pode contribuir para que professores, curadores e mediadores de museus reflitam sobre a construção desse tipo de exibição, bem como sobre seu potencial educativo.

Material e métodos

Esta pesquisa, de caráter exclusivamente documental (ROMANOWSKI; ENS, 2006), buscou por exposições museais nacionais sobre Covid-19, publicadas entre março de 2020 e 01 outubro de 2021, sob a óptica do ensino de controvérsias. As etapas efetuadas, que culminaram na seleção da referida exposição para análise, estão ilustradas na Figura 1. Figura 1. Etapas da busca por exposições virtuais sobre Covid-19 elaboradas por instituições científicas, com versão em língua portuguesa Após a conclusão das etapas da Figura 1, foram configurados os elementos sobre o ensino de controvérsias sociocientíficas a serem analisados no material, adaptados de Huddleston e Kerr (2015). Os seguintes foram considerados: (i) políticos: menção às entidades políticas locais e/ou globais e medidas legislativas; (ii) sociais: relativos ao impacto da pandemia na vida em sociedade ou ao dever cívico de seus cidadãos diante deste evento (PEDRETTI; IANNINI, 2020); (iii) econômicos: referências à infraestrutura, processos, tecnologias e financiamentos; (iv) morais: aspectos que favorecem a aprendizagem de conteúdos atitudinais - valores, atitudes, normas (ZABALA, 1998); (v) exposição cívica e produtiva de opiniões e conhecimentos diferentes: esta análise diz respeito aos momentos em que as exposições propiciam o embate de ideias por meio de provocações para o visitante se posicionar, disseminam os posicionamentos assumidos por elas e/ou deram voz a grupos “minoritários”, a fim de romper com estereótipos e paradigmas vigentes; (vi) discurso do não- medo: diz respeito aos momentos em que a controvérsia é assegurada nas exposições como algo comum ao cotidiano social, cuja discussão embasa a educação democrática e, portanto, não deve ser temida (HESS, 2009).

Resultado e discussão

Na Tabela 1 consta a frequência dos elementos sobre ensino de controvérsias na exposição virtual e suas recorrências nos diferentes tipos de conteúdos empregados (textuais, visuais e/ou áudios). Conforme a Tabela 1, os elementos sociais foram os mais recorrentes em todos os conteúdos da exposição. Isso se deve ao enfoque dado à controvérsia, que abarcou, principalmente, os impactos do coronavírus na sociedade, mostrando como a doença afetou o cotidiano das pessoas e de diferentes grupos sociais, a economia e a rotina das cidades. A exposição cívica e produtiva de opiniões e conhecimentos diferentes envolveu a proposição de questões provocativas, dando espaço ao confronto de ideias sem se distanciar do discurso científico. Já os elementos econômicos estiveram atrelados à questão empregatícia e, por isso, correlacionaram-se com dimensão sociopolítica da temática. O caráter moral das controvérsias foi explorado a partir da exibição de comportamentos de diferentes pessoas perante a pandemia, evidenciando que os museus podem suscitar reflexões sobre valores e atitudes (PEDRETTI; IANNINI, 2020). Ainda, foi identificado tanto o discurso do não-medo, alinhado com os elementos desejáveis no ensino sobre controvérsias (HUDDLESTON; KERR, 2015), quanto o seu oposto: o discurso do medo. Por fim, os elementos políticos foram os menos recorrentes, demonstrando que a comunidade que se aproxima do espaço não-formal e informal de ensino não percebe a dimensão política a eles atrelada (LEWENSTEIN, 2016), o que faz com que não exerçam seu papel político em relação à sociedade.

Figura 1. Etapas da busca por exposições virtuais sobre Covid-19 elabo



Tabela 1. Frequência dos elementos identificados na exposição Coronace



Conclusões

Constatou-se que dentre os elementos políticos, econômicos, sociais e morais houve grande correlação da temática com a dimensão social, visto que esta versa sobre questões que atingem a sociedade em diferentes esferas. Por outro lado, a questão política foi a menos frequente. De forma geral, ao propiciar o debate de tais questões, a exposição museal contribuiu com uma visão dos acontecimentos sociais à luz de evidências e promoveu o ensino de uma ciência mais humana, a qual lida com problemas enfrentados na vida cotidiana e que se afasta de uma verdade absoluta.

Agradecimentos

À Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo – FAPESP (Proc. nº: 2020/02757-5 e 2020/03233-0) e ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq/ Proc. 304974/2020-0).

Referências

DELICADO, A. Para que servem os museus científicos? Funções e finalidades dos espaços de musealização da ciência. In: VIII Congresso Luso-Afro-Brasileiro de Ciências Sociais, Coimbra, Portugal. 2004. p. 1-17.
DELICADO, A. ¿ Qué hacen los “científicos” en los museos?: Representaciones de la práctica científica en las exhibiciones y actividades en los museos. Antrópica. Revista De Ciencias Sociales Y Humanidades, v. 2, n. 4, p. 131-141, 2016.
HESS, D. E. Controversy in the Classroom: The Democratic Power of Discussion. Angewandte Chemie International Edition, v. 6, n. 11, p. 951–952, 2009.
HUDDLESTON, T.; KERR, D. Teaching controversial issues through education for democratic citizenship and human rights: Training pack for teachers. Council of Europe, 2015.
LEWENSTEIN, B. Public Engagement, 2016. Disponível em: https://www.informalscience.org/news-views/public-engagement. Acesso em: 01 set. 2022.
MUSEU DO AMANHÃ. Disponível em: https://museudoamanha.org.br/pt-br. Acesso em 07 set. 2022.
PEDRETTI, E.; IANNINI, A. M. N. Controversy in science museums: Re-imagining exhibition spaces and practice. Routledge, 2020.
ROMANOWSKI, J. P.; ENS, R. T. As pesquisas denominadas do tipo “estado da arte” em educação. Revista diálogo educacional, v. 6, n. 19, p. 37-50, 2006.
WORLD HEALTH ORGANIZATION. An ad hoc WHO technical consultation managing the COVID-19 infodemic: call for action, 2020.
ZABALA, A. A prática educativa: como ensinar. Porto Alegre: ArtMed. 1998.

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