• Rio de Janeiro Brasil
  • 14-18 Novembro 2022

O ensino da química sobre o processo de fabricação do queijo do Marajó

Autores

Parente, A.G.L. (UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARÁ - UFPA) ; Alves, J.M. (UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARÁ - UFPA)

Resumo

A fabricação de queijo creme artesanal é uma das tradições marajoaras. Entretanto, o processo de sua produção é pouco conhecido pelos habitantes da ilha. Com o objetivo de ensinar conteúdos de química para futuros professores dos anos iniciais, investigamos as experiências sobre a produção de queijo como contexto favorecedor do pensar quimicamente. Analisamos a experiência de ensino com o auxílio dos registros fotográficos, áudios e atividades dos licenciandos. Concluímos que o estudo do processo de produção de queijo foi um contexto propício para discutir e compreender conceitos químicos, articular os aspectos macroscópico, submicroscópico e representacional do conhecimento, incentivando a construção de experiências formativas com a valorização da identidade cultural.

Palavras chaves

formação inicial; ensino de química; fabricação de queijo

Introdução

A fabricação de queijo creme artesanal é uma das tradições marajoaras. Entretanto, o processo de sua produção é pouco conhecido pelos habitantes da ilha. O conhecimento químico envolvido em tal processo não é facilmente encontrado em livros didáticos e precisa ser “garimpado” em textos técnicos. Fizemos desse processo um de nossos objetos de estudo em Alfabetização e Letramento em Ciências e Matemática IV, tema da Licenciatura Integrada em Ciências, Matemática e Linguagens – LIEMCL, campus de Soure-Pará. Esse tema objetiva ensinar conceitos estruturadores do conhecimento químico de forma interdisciplinar e contribuir para a formação inicial de professores que irão atuar nos anos iniciais do ensino fundamental. Alfabetizar e letrar significa ensinar a usar a linguagem cientifica para uma leitura adequada do mundo (POZO, GÓMEZ CRESPO, 2009), como subsídio para tomadas de decisões relevantes (KRASILCHIK, MARANDINO, 2007; GIL-PÉREZ, VILCHES, 2012; CACHAPUZ, 2016). Nessa perspectiva, é imprescindível criar espaços comunicativos de participação dos aprendizes, considerando suas experiências escolares anteriores e o contexto em que vivem (GONZÁLEZ REY, 2008). A preparação para a atuação profissional dos licenciandos, quando contextualizada em situações reais (CACHAPUZ, PRAIA, JORGE, 2004), favorece que eles ensinem de forma semelhante para as crianças, superando a aprendizagem reprodutiva e memorística de símbolos, representações e equações, ainda frequente no ensino de química. Assim, o objetivo deste trabalho foi relatar a experiência de ensino e refletir sobre sua adequação para alfabetizar e letrar quimicamente, favorecendo a curiosidade e a imaginação dos licenciandos, além da relação entre os níveis do conhecimento químico.

Material e métodos

Realizamos a experiência com um grupo de licenciandos, que estavam finalizando o curso de graduação e que não tiveram condições de cursar o tema durante o ensino remoto emergencial. A ideia de tomar a fabricação do queijo do Marajó como objeto de estudo partiu de uma discussão inicial sobre conceitos básicos e de leituras e reflexões sobre o que significa o pensar quimicamente (CHAGAS, 1997; KOTZ, TREICHEL, WEAVER, 2012). Primeiramente, os licenciandos registraram em uma folha de papel como compreendiam matéria, substância e elemento, e discutiram sobre suas ideias. Os licenciandos também leram textos (OKI, 2002; PEREIRA, SILVA, 2018; BELLAS et al, 2019) que os incentivavam a pensar sobre os modelos de construção do conhecimento químico, concebendo a natureza corpuscular da matéria, a conservação de suas propriedades e as relações quantitativas (POZO; GOMEZ CRESPO, 2009). Após esse estudo inicial, realizamos a visita in loco à queijaria. Registramos em áudio e em imagem todo o processo, que durou aproximadamente cinco horas. Em sala de aula, após a visita, construímos um fluxograma indicando as operações e as ferramentas usadas em cada uma das etapas do processo. De posse dessas informações, conversamos com os licenciandos sobre a composição do leite, da caseína, do soro e do queijo creme. Também discutimos sobre as transformações físicas e químicas que aconteceram durante as etapas do processo. Avançando no estudo, pesquisamos textos e vídeos com explicações sobre a fabricação de queijos. Nessa oportunidade, investimos na compreensão dos aspectos submicroscópico e representacional do conhecimento. Uma atividade individual proposta para os licenciandos foi elaborar representações da composição para a matéria formada em diferentes etapas.

Resultado e discussão

O estudo do processo de fabricação do queijo implicou saber da existência de uma cadeia produtiva no município que tem se fragilizado em função da legislação vigente, pois esta desconsidera o saber tradicional, e impõem regras que desencorajam o trabalho de pequenos produtores. Em aula, construímos um fluxograma (Figura 1) e priorizamos informações referentes ao objetivo de cada operação realizada, as ferramentas, e a matéria formada. A maioria das etapas foram de transformações físicas como coar, filtrar, espremer, homogeneizar, resfriar, triturar, prensar. A formação da coalhada e o processo de fritar a caseína com o creme do leite constituíram processos químicos. A relação entre os níveis macroscópico e submicroscópico se estabeleceu pela identificação de que: a) o leite é constituído basicamente de Gordura, Proteína Lactose, Água e Vitamina A. “As caseínas são as proteínas que existem em maior quantidade no leite, representando por volta de 80% de todo o seu conteúdo proteico (Rangel, Boari, 2020, p.2); b) o leite desnatado contém menor teor de gordura; c) o creme do leite concentra a maior parte da gordura do leite; d) a massa branca produzida no coalho é um conjunto de proteínas denominadas de caseína. “No leite pode haver até quatro tipos diferentes de caseínas: K-caseína (capa caseína), Caseína α-S1 (caseína alfa S1), Caseína α-S2 (caseína alfa S2) e β-caseína(Beta-caseína) (Rangel, Boari, 2020, p.2); e) o soro do leite, é mistura de água, albumina e sais minerais; f) o queijo creme é composto de proteína, colesterol, gorduras, sódio, cálcio, fósforo e magnésio. Os estudantes se mostraram disposto e interessados em avançar no pensar químico e em vários momentos refletiram sobre a experiência de ensino contrapondo-se às memórias escolares.

Figura 1: Produção de queijo creme artesanal

Etapas do processo de produção do queijo creme, explicitando operações e ferramentas. As ilustrações estão numeradas conforme algumas operações.

Conclusões

O processo de fabricação do queijo do Marajó, tornou-se um contexto propício para o estudo de diferentes conceitos químicos e suas relações, de forma complexa e contextualizada. O estudo possibilitou articular os níveis macroscópico, submicroscópico e representacional do conhecimento químico, em um processo com várias etapas, envolvendo mudanças de estado físico e transformações químicas. Além disso, a atividade favoreceu a construção de experiências formativas singulares e a motivação para aprender química (e talvez a de ensiná-la, futuramente), com valorização da identidade cultural.

Agradecimentos

Agradecemos à Pró-Reitoria de Extensão - PROEX da Universidade Federal do Pará pelo apoio ao projeto "Uso e produção de recursos didáticos por professores de ciências" (Edital PROEX Nº 01/2022).

Referências

BELLAS, R. R. D.; QUEIROZ, I. R. L.; LIMA, L. R. F. C. SILVA, J. L. P. B. O conceito de substância química e seu ensino. Química nova na escola, v. 41, n. 1, p.17-24, 2012. Disponível em: <http://qnesc.sbq.org.br/online/qnesc41_1/05-CCD-67-18_ENEQ.pdf>. Acesso em 15 julho. 2022.

CACHAPUZ, A. F. Cultura científica e defesa da cidadania. Campo Abierto, v. 35, n.1, 2016, p.3-12. Disponível em: <https://dialnet.unirioja.es/servlet/articulo?codigo=5787082>. Acesso em: 10 abr. 2019.

CACHAPUZ, A.; PRAIA, J.; JORGE, M. Da educação em ciência às orientações para o ensino das ciências: um repensar epistemológico. Ciência e Educação, v. 10, 2004, p.363-381. Disponível em: <http://www.scielo.br/pdf/ciedu/v10n3/05.pdf>. Acesso em: 20 mai. 2022.

CHAGAS, A. P. As ferramentas do químico. Química nova na escola, n. 5, p.18-20, 1997. Disponível em: <http://qnesc.sbq.org.br/online/qnesc05/conceito.pdf>.Acesso em 15 julho. 2022.

GIL-PÉREZ, D.; VILCHES, A. V. Aprender, ensinar, aprender...um desafio coletivo de formação e ação permanentes. In: CARVALHO, A. M. P.; CACHAPUZ, A. F.; GIL-PÉREZ, D. O ensino das ciências como compromisso científico e social: os caminhos que percorremos. São Paulo: Cortez, 2012. p. 215-239

GONZÁLEZ REY, F. O sujeito que aprende. Desafios do desenvolvimento da aprendizagem na psicologia e na prática pedagógica. In: TACCA, M. C. V. R. (org.) Aprendizagem e Trabalho Pedagógico. Campinas, SP: Alínea, p. 29-44, 2008.

KOTZ, J. C.; TREICHEL, P. M.; WEAVER, G. C. Química Geral e reações químicas. Volume 1. Tradução: Flávio Maron Vichi; Solange Aparecida Visconde. São Paulo: Cengage Learning, 2012.

KRASILCHIK, M.; MARANDINO, M. Ensino de Ciências e Cidadania (2ª ed.). São Paulo: Moderna, 2007.

OKI, M. C. M. O conceito de elemento da Antiguidade à Modernidade. Química nova na escola, n. 16, p.21-25, 2002. Disponível em:<http://qnesc.sbq.org.br/online/qnesc16/v16_A06.pdf> Acesso em 15 maio. 2022.

POZO, J. I., & GÓMEZ CRESPO, M. Á. A aprendizagem e o ensino de ciências: do conhecimento cotidiano ao conhecimento científico (5ª ed.) Porto Alegre: Artmed. 2009

RANGEL, A. H. N.; BOARI, C. A. O leite instável não ácido e os Queijos Artesanais. Queijos Artesanais, n° 5, julho, 2020, 13p.

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