• Rio de Janeiro Brasil
  • 14-18 Novembro 2022

ENTRE A QUÍMICA E OS MINERAIS: ESTUDOS SOBRE O ELEMENTO QUÍMICO E O DESENVOLVIMENTO TECNOLÓGICO EM KEMET

Autores

P. N. Santos, G. (UNIVERSIDADE FEDERAL DE GOIÁS) ; N. S. V. Garcia, F. (UNIVERSIDADE FEDERAL DE GOIÁS) ; A. L. Silva, T. (UNIVERSIDADE FEDERAL DE GOIÁS) ; C. Benite, A.M. (UNIVERSIDADE FEDERAL DE GOIÁS)

Resumo

O presente trabalho é resultado do desenvolvimento e aplicação de uma intervenção pedagógica (IP) que teve como objetivo realizar o deslocamento epistêmico no ensino de química a partir de produção de pigmentos em Kemet. Os resultados compreenderam a avaliação da compreensão dos participantes sobre a representação e o conceito de elemento químico, a partir da análise das falas produzidas através da ação da IP.

Palavras chaves

KEMET; QUÍMICA; LEI 10.639/03

Introdução

A civilização kemética empregava diversas técnicas para obtenção de pigmentos. Sintéticos e naturais, faziam parte da paleta de cores utilizadas em obras que retratavam esta sociedade. Os keméticos sintetizaram o pigmento azul mais antigo do mundo, o azul egípcio. A relativa complexidade da síntese desse material sugere avançada compreensão sobre processos químicos (VOLPE, 2018). A cor resultante era dependente da matéria-prima e temperatura empregados no processo de obtenção (SAKR et al., 2020). Diferentemente, os pigmentos naturais eram obtidos através da moagem de minerais importados e extraídos do próprio território (VOLPE, 2018). Localizado no nordeste do continente Africano, Kemet foi berço de uma das civilizações mais importantes da antiguidade (RIBEIRO, 2017), cujas produções científicas e tecnológicas são fruto do profundo e desenvolvido conhecimento humano (VOLPE, 2018). Os keméticos são negros. No entanto, o racismo nega a humanidade (e a identidade) desses sujeitos e destitui a capacidade de produzir cultura e civilização. Em oposição ao racismo, podemos possibilitar percepções e práticas alternativas que promovam o deslocamento dos discursos hegemônicos que reiteram poderes e saberes consolidados e as sujeições por eles produzidos (CARNEIRO, 2005).Concordamos com Silva e colaboradores (2020) que a história dos sujeitos africanos, suas tecnologias e conhecimentos para produção de pigmentos são contextos de apresentação para os conceitos químicos no ensino médio em acordo com a lei 10.639/03. Considerando tais informações, o presente trabalho teve como objetivo realizar o deslocamento epistêmico no ensino química a partir de contribuições científicas e tecnológicas africanas.

Material e métodos

A pesquisa foi realizada em uma turma composta por dez estudantes da escola básica e um da graduação, integrantes de um projeto de iniciação científica júnior realizado no Laboratório de Pesquisa em Ensino Química e Integração, LPEQI, da Universidade Federal de Goiás. Este projeto intitulado Afrocientista (Associação Brasileira de Pesquisadores Negros/ Instituto Unibanco) proporciona a iniciação científica e letramento racial de jovens negros/as do ensino médio. A intervenção pedagógica (IP) abordou sobre “Kemet, a química e as cores”. Segundo Damiani e colaboradores (2013) intervenções pedagógicas são investigações que envolvem planejamento e implementação de inovações destinadas a produzir mudanças nos processos de aprendizado de sujeitos que delas participam. Sob orientação da professora pesquisadora (PQ), a IP foi desenvolvida a partir do planejamento das atividades para o ensino de química com abordagem interdisciplinar. A ação pedagógica da professora em formação continuada (PF) foi gravada por áudio e vídeo. Os dados obtidos foram transcritos e analisados de acordo análise de conversação (MARCUSCHI, 2003).

Resultado e discussão

Será apresentado um recorte de momento discursivo realizado no segundo semestre de 2022. No Extrato 1 indicamos os resultados da IP em que os/as alunos/as discutem sobre a representação dos elementos químicos e processamento do ouro. Através da pergunta realizada por PF, que convoca os/as participantes a falarem sobre o que os elementos químicos representam, A1 e A2 apresentam suas respostas: enquanto A1 traz, a partir da leitura do seu material de estudo, uma definição sobre elemento químico que foi anteriormente comentada em atividades online e cuja autoria é da IUPAC (1997), A2 traz uma exemplificação sobre elemento químico. Apoiados em Mortimer e Carvalho, defendemos que é nos processos conversacionais entre alunos e professores que se constrói o conhecimento em sala de aula (ALVINO et al., 2020). No contexto da IP, A2 traz uma expressão que não é própria da linguagem científica (“é tipo”), apesar de fazer uma relação entre elemento químico e o átomo de cobre. Segundo Díaz (2011) todas as aprendizagens tem como base a formação de conceitos, que são conclusões mentais produtos de uma abstração generalizável. Como operações mentais, a abstração e generalização são utilizadas pelo ser humano para diferenciar e agrupar os elementos da realidade: Uma abstração somente considera aquilo que é essencial nas características gerais de algo, ou seja, não considera o que é comum para diferentes coisas e, sim, o que é único para esse algo. Portanto, tal exclusividade define esse algo; assim, a generalização é a conclusão a que chegamos a partir do acúmulo de experiências similares com grupos de pessoas, objetos, situações etc., e que nos permite incluir, num mesmo grupo, diferentes coisas que de forma “geral” são iguais (DIÁZ, 2011, p. 120). O conhecimento prévio de A1 sobre elemento químico possibilitou a elaboração de uma definição própria para o mesmo. No momento em que A1 apresenta essa definição, o/a estudante na sua fala considera o que é essencial para o entendimento do termo, quando indica que é “átomo com mesmo número atômico”. No entanto, através da fala de A2, presume-se a generalização do termo através da indicação de que elemento químico “é tipo cobre”, pois na intervenção foi indicada que o cobre é um elemento químico. Conforme a aplicação da IP, a mineração é citada por A3 como atividade empregada para o processamento de minério, que é um depósito mineral suficientemente concentrado para permitir a extração economicamente viável do metal desejado (CHANG; GOLDSBY, 2013). Em Kemet, como se refere Yoyotte (2010), a importância do deserto residia na variedade de recursos minerais que oferecia e uma das riquezas que o país extraía era o ouro, que em civilizações mais recentes desempenharia um papel econômico fundamental. Na voz de A3, convocada a partir da fala retirada de um dos slides de PF sobre o signo kemético, é observado o uso do vocábulo minério, não utilizado anteriormente por PF, bem como a indicação do uso da técnica de extração nos dias atuais. A citação de A3 indica o contato sobre o assunto utilizado para contextualização, já que informa que “faz mineração” (como discente do curso técnico de mineração). No contexto apresentado, a fala de A3 reforça a informação apresentada sobre a prática de extração de minerais realizada, inclusive, pelos keméticos. Concordamos com Camargo e colaboradores (2019) que conceitos e conteúdos de química devem ser o foco principal de ensino em aula de química e que a contextualização amplifica a trama de significações que estruturam o conceito estudado. A partir do estabelecimento da relação entre os povos negros e o conhecimento químico, são desconstruídas visões racistas de que somente o europeu seria agente reflexivo e ativo transformador da sua realidade por meio do trabalho. Os africanos transformavam a matéria, logo foram também os alicerces da ciência de hoje.

Figura 1. Extrato da IP abordada sobre “Kemet, a química e as cores”.

A imagem evidencia trechos dos discursos durante a intervenção pedagógica retratada neste trabalho.

Conclusões

O presente trabalho se configura como uma possibilidade de deslocamento epistêmico no ensino de química, utilizando como contexto o processamento de minerais realizados pelos keméticos para obtenção de materiais, como os pigmentos. A referida proposta está de acordo com a lei 10.639/03, promovendo oposição ao racismo e proporcionando a construção de uma identidade negra em que os sujeitos africanos sejam atores de desenvolvimento científico e tecnológico.

Agradecimentos

Ao Laboratório de Pesquisa em Ensino, Química e Inclusão, LPEQI, da Universidade Federal de Goiás, UFG, ao Programa de Pós-Graduação em Educação em Ciências e Matemática da UFG. À ABPN e ao Instituto Unibanco.

Referências

ALVINO, Antonio C. B. et al. Química Experimental e a Lei 10.639/2003: a inserção da história e cultura africana e afro-brasileira no ensino de química. Química Nova na Escola, [S.L.], v. 42, n. 2, p. 136-146, maio 2020. Sociedade Brasileira de Quimica (SBQ).
CAMARGO, Marysson Jonas Rodrigues et al. Do Ferreiro a Magnetita: o vídeo educativo como alternativa para a implementação da lei 10.639/03. Química Nova na Escola, [S.L.], v. 41, n. 3, p. 224-232, 2019. Sociedade Brasileira de Química (SBQ).
CARNEIRO, Sueli Aparecida. A CONSTRUÇÃO DO OUTRO COMO NÃO-SER COMO FUNDAMENTO DO SER. 2005. 339 f. Tese (Doutorado) – Programa de Pós Graduação em Educação, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2005.
CHANG, Raymond; GOLDSBY, Kenneth A. Metalurgia e a química dos metais. In: CHANG, Raymond; GOLDSBY, Kenneth A. Química. 11. ed. Porto Alegre: AMGH Editora Ltda, 2013. Cap. 21, p. 933.
DAMIANI, Magda Floriana et al. Discutindo pesquisas do tipo intervenção pedagógica. Cadernos de Educação, Pelotas, n. 25, p. 57-67, maio 2013. Disponível em: https://periodicos.ufpel.edu.br/ojs2/index.php/caduc/article/view/3822. Acesso em: 08 set. 2022.
DÍAZ, Félix. Estudo da Aprendizagem: a formação de conceitos. In: DÍAZ, Félix. O processo de aprendizagem. Salvador: Edufba, 2011. Cap. 2. p. 119-120.
MARCUSCHI, Luiz Antônio. Análise da conversação. 5. ed. São Paulo: Editora Ática, 2003.
MCNAUGHT., A D; A WILKINSON, (comp.). Chemical element. In: IUPAC. Compendium of Chemical Terminology. 2. ed. Oxford: Blackwell Scientific Publications, 1997.
RIBEIRO, K. KEMET, ESCOLAS E ARCÁDEAS: A importância da filosofia africana no combate ao racismo epistêmico e a lei 10.639/03. Dissertação (Mestrado), Programa de Pós-graduação em Filosofia e Ensino, CEFET, Rio de Janeiro, 2017.
VOLPE, André Luís Della. PIGMENTOS INORGÂNICOS COMO TEMA PARA INTERDISCIPLINARIDADE E CONTEXTUALIZAÇÃO NO ENSINO DE QUÍMICA. 2018. 294 f. Dissertação (Mestrado) - Curso de Mestrado Profissional em Química, Departamento de Química, Universidade Federal de São Carlos, São Carlos, 2018.
SAKR, Akmal A. et al. A new light on the grounds, pigments and bindings used in ancient Egyptian cartonnages from Tell Al Sawa, Eastern Delta, Egypt. Journal Of Optics, [S.L.], v. 49, n. 2, p. 230-247, 19 maio 2020. Springer Science and Business Media LLC. http://dx.doi.org/10.1007/s12596-020-00612-8.
SILVA, Juvan Pereira da et al. Leite em “mama” África e a Educação para as Relações Étnico-Raciais (ERER) no Ensino de Química. Química Nova na Escola, [S.L.], v. 42, n. 1, p. 4-12, fev. 2020. Disponível em: http://qnesc.sbq.org.br/online/qnesc42_1/03-QS-25-19.pdf. Acesso em: 31 ago. 2020.
YOYOTTE, J. O Egito faraônico: sociedade, economia e cultura. In: MOKHTAR, Gamal (ed.). História Geral da África II. 2. ed. Brasília: Unesco, 2010. Cap. 3, p. 74.

Patrocinador Ouro

Conselho Federal de Química
ACS

Patrocinador Prata

Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico

Patrocinador Bronze

LF Editorial
Elsevier
Royal Society of Chemistry
Elite Rio de Janeiro

Apoio

Federación Latinoamericana de Asociaciones Químicas Conselho Regional de Química 3ª Região (RJ) Instituto Federal Rio de Janeiro Colégio Pedro II Sociedade Brasileira de Química Olimpíada Nacional de Ciências Olimpíada Brasileira de Química Rio Convention & Visitors Bureau