• Rio de Janeiro Brasil
  • 14-18 Novembro 2022

AVALIAÇÃO DA INFLUÊNCIA DA ESTABILIDADE DA ENZIMA PCEST

Autores

Santos, H.B.T. (UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARÁ) ; Araújo, J.O. (UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARÁ) ; Marinho, C.V.S. (UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARÁ) ; Lima, A.H.L. (UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARÁ)

Resumo

A enzima PcEST, do fungo Penicillium chrysogenum, apresenta um enorme potencial na indústria farmacêutica, pois atua na conversão da catálise da lovastatina em monacolina J, precursora na produção de sinvastatina, droga redutora do colesterol. Este trabalho tem como objetivo avaliar a estabilidade da enzima PcEST mutantes, através de Métodos de dinâmica molecular. Os resultados mostraram que a mutação D106A apresentou um complexo proteína-ligante com maior afinidade, o que está de acordo com os resultados experimentais. Ademais a dinâmica molecular demonstrou que a mutação D106A é mais ativa devido as muitas interações efetivas. Entretanto a mutação W344K, exibiu a perda de interações durante a dinâmica molecular com os principais resíduos localizados no sítio ativo da enzima PcEST.

Palavras chaves

Dinâmica molecular; PcEST; Sinvastatina

Introdução

As doenças cardiovasculares (DCV) configuram uma das principais causas de morte no mundo e de acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS) 17,9 milhões de pessoas morrem a cada ano, sendo aproximadamente 32% de todas as mortes no mundo (WHO, 2022). Dentre os principais fatores de risco para a doença cardiovascular que podemos destacar está a hipercolesterolemia, doença responsável por elevar as taxas de colesterol no sangue. O colesterol é um precursor dos hormônios esteróides e um elemento essencial da membrana celular, contudo, a regulação alterada da síntese, absorção e excreção do colesterol predispõe a doenças cardiovasculares de origem aterosclerótica (ZARATE et al., 2016). Em uma das formas de se combater esta enfermidade, utiliza-se a sinvastatina sigla IUPAC, [(1S,3R,7S,8S,8aR)-8-[2-[(2R,4R)-4-hydroxy-6oxooan-2-yl]ethyl]-3,7- dimethyl-1,2,3,7,8,8a-hexahydronaphthalen-1-yl] 2,2-dimethylbutanolenate (Figura 1), fármaco semissintético fabricado através da lovastatina, metabólito secundário produzido pelo fungo Aspergillius terreus. A sinvastatina pertence à classe de fármacos inibidores da hidroximetilglutaril-coenzimaA (HMG-CoA) reductase, este medicamento tem como função atuar na redução significativa do mau colesterol, LDL (Low Density Lipoprotein), bem como dos triglicérides (substância gordurosa). A sinvastatina também aumenta os níveis do bom colesterol, HDL (High Density Lipoprotein), no sangue, reduzindo os níveis de doenças cardíacas relacionadas à hipercolesterolemia (XIE; TANG, 2007). Entretanto, seu processo de produção é complexo, trabalhoso, caro e prejudicial ao meio ambiente, pois são utilizados uma alta concentração de reagentes ácidos, alcalinos e orgânicos em sua formação. Desta forma, a biossíntese enzimática utilizando uma hidrolase específica de lovastatina é uma das formas alternativas para a produção sustentável de sinvastatina (LIANG; LU., 2020). Neste âmbito a química medicinal se propõe a estudar as razões moleculares da ação dos fármacos, a relação estrutura química e a atividade farmacológica, incluindo o planejamento e o desenho estrutural de novas substâncias que possuam propriedades farmacoterapêuticas úteis capazes de representarem novos fármacos (BARREIRO; FRAGA, 2021). Desta forma, o desenvolvimento de enzimas na biossíntese de sinvastatina tem auxiliado na descoberta de novos candidatos a fármacos. Deste modo, a PcEST, enzima do fungo Penicillium chrysogenum, apresenta um enorme potencial na indústria farmacêutica, haja vista que possui a função de hidrolisar a cadeia lateral da lovastatina para produzir monacolina J, principal precursor para a síntese de sinvastatina, fármaco importante para o tratamento da hipercolesterolemia (XIE; TANG, 2007). Contudo, estudos relatam que a enzima PcEST apresenta baixa solubilidade e termoestabilidade (LIANG et al, 2018). As posições de alta flexibilidade das proteínas podem afetar a solubilidade e/ou diminuem sua termoestabilidade, uma vez que elevam a entropia durante o desdobramento de proteínas, aumentado a quantidade de conformações desdobradas (FANG et al., 2014; LIANG; LU., 2020; MALAKAUSKAS; MAYO., 1998; YAINOY et al., 2019). Nesta perspectiva, este trabalho tem como objetivo simular a enzima PcEST, através da avaliação de estabilidade, por meio dos métodos computacionais de dinâmica molecular, em busca de entender a atividade catalítica da enzima PcEST, deste modo agregando informações para aumentar a sua resistência nessas condições e contribuir para a produção de Monacolina J e consequentemente para a síntese de sinvastatina. As informações obtidas a partir de sua análise serão de suma importância para a conjectura de novas variantes da enzima PcEST propostas para futura síntese e ensaios biológicos

Material e métodos

Inicialmente, após a busca de dados na literatura foi obtida a estrutura tridimensional da enzima PcEST do fungo Penicillium chrysogenum, pelo banco de dados de proteína (PDB) com o código 6KJD (LIANG; LU, 2020). Para a preparação dos sistemas utilizou-se a enzima PcEST em complexo com o substrato Lovastatina. As mutações constituíram na produção de sete mutações, são elas: D106A, D131A, S57A, W344F, W344K, Y127A, Y127F, conforme a literatura. Para o preparo das estruturas utilizou-se o servidor PDB2PQR. Os estados de protonação foram atribuídos pelo programa PROPKA à pH 7.0. Para o preparo do substrato utilizou-se a lovastatina presente na estrutura cristalográfica com o código pdb (6KJD), as cargas da lovastatina foram calculadas no programa Gaussian 09, utilizando o método Hartree-Fock com o conjunto de base 6-31G*. Com o intuito de investigar a estabilidade da enzima PcEST realizou-se a simulação de dinâmica molecular utilizando o programa Amber18 (CASE et al, 2005). Utilizou-se o módulo tLeap para criar os arquivos de entrada para a simulação de DM, o campo de força Amber ff14SB (KAMENIK et al., 2020) foi utilizado para descrever o conjunto de átomos da enzima. Em seguida, o sistema foi solvatado em uma caixa de formato cúbico representada pelo modelo de água TIP3P com tamanho 12 Å entre o limite da caixa e os átomos do sistema usando condições periódicas de contorno. Íons de Na+ foram incluídos no intuito de preservar a eletroneutralidade do sistema. A Dinâmica molecular envolve quatro etapas: minimização de energia, aquecimento, equilíbrio e simulação de dinâmica de produção (YE; LI; HU, 2021). Primeiramente todas as moléculas de água e contra íons foram minimizadas por 8000 ciclos, logo após todos átomos de hidrogênio da enzima foram minimizados por 3000 ciclos utilizando o método steepest-descent seguido de 2000 ciclos de gradiente conjugados, os átomos de hidrogênio das moléculas de água foram minimizados por 8000 ciclos, por último todo sistema foi minimizado por 5000 ciclos com steepest-descente e 5000 ciclos de gradiente conjugado totalizando 10000 ciclos. Após a minimização, iniciou-se o aquecimento do sistema utilizando o termostato de Langevin, através de 200 picossegundos de dinâmica molecular com o objetivo de aquecer o sistema gradativamente de 0 a 303,15 K (30 ºC). Todos os sistemas foram equilibrados para iniciar a etapa da produção de 500 ns de DM com ensemble NPT à pressão de (1atm) e temperatura de (303,15 K) constantes. Para diferenciar as interações de longa distância utilizou-se o raio de corte (cutoff) de 8, 0 Å. O algoritmo SHAKE (SONG et al., 2019) foi empregado para restringir as ligações envolvendo átomos de hidrogênio mantendo-os em suas distâncias de equilíbrio pré-definidas durante as minimizações possibilitando utilizar um passo de integração de 2 fs para realização dos cálculos de DM.

Resultado e discussão

A amostragem foi obtida para os sistemas mutantes para avaliar parâmetros estruturais e energéticos dos sistemas de estudo. No estudo acerca da enzima PcEST, a presença das mutações (D106A, D131A, S57A, W344F, W344K, Y127A e Y127F) podem desempenhar uma função estrutural relevante em relação a estabilidade e dinâmica. As evoluções das conformações nos sistemas foram analisadas através do desvio médio quadrático (do inglês, Root Mean Square Deviation − RMSD), bem como da flutuação quadrática média (do inglês, Root Mean Square Fluctuation −RMSF) de cada estrutura com relação à estrutura de referência do passo de equilíbrio, calculado após o alinhamento baseado nos átomos da espinha dorsal. Figura 1, mostra o gráfico RMSD, em que o receptor é representado na cor preto, o complexo pela cor vermelha e os ligantes representados por suas respectivas cores. Por meio da análise o gráfico RMSD exibe uma variação estável nos sistemas D106A, D131A, S57A, W344F, Y127A e Y127F, onde os valores RMSD de todos os complexos encontravam-se dentro de uma flutuação aceitável em uma faixa de 1 a 3Å indicando o alcance do equilíbrio estrutural destes sistemas. Conquanto, o sistema W344K apresentou uma elevada variação, de acordo o gráfico RMSD, com variação de 1 à 10 Å, apontando a instabilidade neste sistema ao longo da simulação de dinâmica molecular, além disso a mutação Y127A sofreu uma elevada oscilação ao longo da DM, no entanto permaneceu estável dentro dos 3 Å. Deste modo, a partir da visualização das estruturas apresentadas nas trajetórias é possível notar um elevado movimento do complexo com a mutação W344K, quando comparado as demais mutações, que apresentaram oscilações moderadas. Os resultados alcançados com o gráfico RMSF apontam sentidos semelhantes entre todos os sistemas. Os resíduos que possuem maiores valores de flutuação se encontram na região C-terminal Através do estudo é possível observar que as flutuações relevantes encontram-se presentes na região de loop R2 (127-153), com oscilação que se aproxima à 5 Å, e loop R1 (222-248), com flutuações próximas a 4 Å. As regiões N-terminais formam diferentes oscilações, enquanto as regiões C- terminais formaram flutuações semelhantes com flutuação que chega próximo à 6 Å. Observou-se que os ligantes apresentaram interações de hidrogênio diferente uma das outras. Ademais, conforme os resultados obtidos, as interações de hidrogênio mais estáveis presentes no sítio catalítico da proteína envolvem os resíduos presentes no Loop R1 das enzimas mutantes. Estudos apontam a importância dos loops R1 (resíduos 222-248), R2 (resíduos 127-153) e R3 (resíduos 290-319) ao redor do sítio catalítico, pois são capazes de determinar a abertura e o fundo da bolsa de ligação ao substrato, respectivamente, atuando como uma trava para abertura do túnel de ligação do ligante (LIANG; LU., 2020). Por meio das análises realizadas, verificou-se que todos os sistemas apresentam divergências em suas interações de hidrogênio, em virtude de suas mutações. A mutação D106A formou interação com o resíduo Glu242, o mutante D131A apresentou interação com o resíduo Ser58, já o mutante S57A, formou interação de hidrogênio com o resíduo Gly348. Os mutantes W344F e W344K não apresentaram interações de hidrogênio significativas. A mutação Y127A, apresentou uma ligação de hidrogênio com o resíduo Arg139. O mutante Y127F apresentou interações com os resíduos Ser58 e Tyr171. Ademais, verificou-se que os resíduos Gly348, Phe130 e Phe310 contribuem na estabilidade do ligante lovastatina devido à formação de interações de van der Waals. Ademais, foi realizado um estudo de análise energética, nesta análise, utilizou- se os últimos 100ns de simulação de Dinâmica Molecular dos sistemas mutantes para os cálculos de energia livre de ligação proteína-ligante usando o método SIE . Na análise energética utiliza-se uma parte da trajetória em que os intervalos estabelecidos (últimos 100ns) foram selecionados. Sendo utilizados 10.000 frames com intervalo igual a 2, resultando em 5.000 frames para o cálculo. O método utilizado foi capaz de predizer a afinidade de ligação de todos os sistemas. Empregando a abordagem SIE, foi possível obter os seguintes valores de energia, -8,48 kcal/mol para o mutante D106A, com melhor afinidade e -2.82 kcal/mol para o mutante W344K de menor afinidade.

RMSD

Representação do gráfico RMSD da simulação de Dinâmica Molecular.

RMSF

Representação do Gráfico RMSF ao longo da simulação de dinâmica molecular.

Conclusões

Neste estudo, empregamos a dinâmica molecular e cálculos de energia livre de ligação para fornecer insights sobre s estabilidade da PcEST, Enzima responsável pela hidrólise da lovastatina em Monacolina J, principal precursora na síntese de sinvastatina. De acordo com os nossos resultados a mutação D106A apresentou o complexo proteína-ligante (∆G bind) com maior afinidade o que está de acordo com os resultados experimentais que o representam com maior estabilidade em termos de termoestabilidade e solubilidade. Entretanto, a mutação W344K, exibiu menor afinidade devido o rompimento das interações de hidrogênio, bem como a perda interações durante a simulação de dinâmica molecular com os principais resíduos localizados no sítio ativo da enzima PcEST Nossos resultados apresentaram que essa alta afinidade deve-se à relativa alta no número de interações com os resíduos-chave nos sítios ativos da enzima, em especial Ser58, Phe130, Tyr171, Phe310, Trp345 e Gly348. Além disso os resíduos Phe 130 e Phe310 formam empilhamentos pi com o anel naftaleno da lovastatina, apresentando forte interações de van der Waals. Portanto, este estudo permite uma interpretação molecular das principais interações que ocorrem entre a enzima PcEST e seu substrato lovastatina, contribuindo assim para uma melhor análise e compreensão dos processos catalíticos desse alvo biológico e auxiliando no processo de novos candidatos a fármacos. Espera-se que os resultados aqui relatados possam ser úteis para agregar informações para aumentar a sua resistência nessas condições e contribuir para a produção de Monacolina J e consequentemente para a síntese de sinvastatina. Deste modo, as informações obtidas a partir de sua análise serão de suma importância para a conjectura de novas variantes da enzima PcEST propostas para futura síntese e ensaios biológicos.

Agradecimentos

Agradeço à toda equipe LPDF (laboratório de planejamento e desenvolvimento de fármacos) pelo suporte e ensinamentos, ao programa PPGQMMM, à Fapespa pela bolsa de pesquisa e a meus familiares e amigos pelo apoio e incentivo.

Referências

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