Autores

Marcondes, R. (PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ENSINO DE CIÊNCIAS E) ; Pereira dos Santos, C. (DEPARTAMENTO DE QUÍMICA, UEPG) ; Fockink, D.H. (DEPARTAMENTO DE QUÍMICA, UEPG) ; Mendes Sandri, M.C. (DEPARTAMENTO DE QUÍMICA, UEPG) ; Machado Reis, R. (DEPARTAMENTO DE QUÍMICA, UEPG) ; Stets, S. (DEPARTAMENTO DE QUÍMICA, UEPG) ; de Castro Rozada, T. (DEPARTAMENTO DE QUÍMICA, UEPG) ; Goncalves Magalhaes, C. (DEPARTAMENTO DE QUÍMICA, UEPG)

Resumo

O ano de 2020, devido à pandemia do coronavírus, desafiou os educadores a adotar abordagens diferenciadas. Surgiram muitas informações com idoneidade questionável, as chamadas Fake News, suscitando uma análise crítica sob a perspectiva do ensino de ciências. Assim, essas notícias foram utilizadas na discussão de conceitos científicos junto a estudantes ingressantes nos cursos de graduação de ciências exatas e biológicas, participantes de um curso de extensão, realizado numa IES paranaense. Os participantes produziram textos a respeito da veracidade das informações divulgadas e resolveram exercícios relativos aos conteúdos trabalhados. Verificou-se que houve melhor compreensão desses conteúdos e o despertar do senso crítico dos alunos em relação às notícias correntes na mídia.

Palavras chaves

escrita científica; Fake News; ensino de Ciências

Introdução

Segundo dados do último censo realizado pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira - INEP (BRASIL, 2020), no período de 2009 a 2019 houve um aumento na taxa de desistência de ingressantes de cursos superiores no país, chegando ao alarmante percentual de 59% de matriculados em instituições públicas e particulares em cursos presenciais e à distância. Entre as principais justificativas apresentadas, estão o não atendimento às expectativas, falta de apoio e interação institucional, falta de conexão com o curso, dificuldades financeiras, baixo desempenho acadêmico, reprovação, entre outros. Portanto, é notório que a realidade educacional brasileira está em crise em todos os seus níveis, mas, principalmente, no que se refere à educação básica, razão pela qual os alunos ingressantes no ensino superior possuem muitas dificuldades nos anos iniciais dos cursos, em particular, aqueles que têm como base a Matemática, a Química, a Física e o Português. Esse fato foi confirmado na instituição que deu origem ao projeto aqui apresentado, Universidade Estadual de Ponta Grossa – UEPG, a partir da pesquisa de Marcondes e Silva (2019), realizada com estudantes do primeiro e segundo ano dos cursos de licenciatura em Química e Física. Observou-se a presença de lacunas em determinados conteúdos estruturantes, oriundas de uma disparidade entre o ensino básico e superior, percebidos e apontados pelos próprios estudantes, e que podem e contribuem para uma maior dificuldade na apropriação do conhecimento em cursos de nível superior, pois estão intimamente ligados aos fatores de desistência supracitados. Diante da constatação dessas lacunas formativas, da identificação de grande evasão nos cursos de graduação das áreas de Ciências Exatas e Biológicas da referida instituição e da complexidade das causas da evasão, impôs-se a necessidade de estabelecer medidas para seu combate e superação. Tais medidas, muitas vezes, requerem investimentos em estratégias tecnológicas e didáticas que qualifiquem os processos pedagógicos, bem como a preocupação com o despreparo discente para as disciplinas que exigem aprofundamento conceitual, que deveriam ter sido abordadas no ensino médio. Por isso, é importante o desenvolvimento de projetos que buscam identificar e sanar essas dificuldades iniciais, propiciando uma nova oportunidade de aprendizagem dos conhecimentos básicos nessas disciplinas, que serão fundamentais para melhor adaptação, engajamento e, consequentemente, prosseguimento no curso. Com base em tais necessidades, estruturou-se o Projeto Scientia – Fundamentos de Química, Física, Matemática e Escrita Científica, que pode ser caracterizado como uma iniciativa de fortalecimento do processo de ensino e aprendizagem de acadêmicos dos cursos de graduação da UEPG e de outras instituições, que objetiva, em última instância, combater os altos índices de reprovação e evasão associados às disciplinas em questão. O projeto foi desenvolvido, inicialmente, no formato presencial, continuado durante o período da pandemia do covid-19 no formato remoto, denominando-se então “Scientia na Pandemia”. Portanto, objetiva-se neste trabalho relatar alguns dos resultados obtidos durante a aplicação do projeto Scientia na Pandemia, envolvendo problematizações com Fake News sobre álcool gel, a explosão ocorrida em Beirute e acidez de alguns alimentos, bem como divulgar ações afirmativas para a permanência dos alunos no ensino superior, principalmente no atual cenário pandêmico.

Material e métodos

O projeto “Scientia na Pandemia” foi desenvolvido no período de junho a setembro de 2020, de maneira remota, utilizando a plataforma Google Meet, onde ocorreram os encontros semanais, e a plataforma Google Classroom, onde as atividades desenvolvidas foram organizadas e arquivadas. Os encontros foram conduzidos por professores do departamento de Química da UEPG e por um pós-graduando em Ensino de Ciências e Educação Matemática da mesma instituição. Estes foram realizados aos sábados, com duração média de 2 horas e contou com a participação de 15 estudantes dos cursos de Farmácia, Química, Ciências Biológicas e Economia, que foram auxiliados por monitores (graduandos) dos cursos de Farmácia e Licenciatura em Química. O projeto foi estruturado em dois blocos principais, sendo que o primeiro utilizou as Fake News como ponto de partida para as problematizações, enquanto o segundo bloco utilizou a explosão ocorrida na cidade de Beirute, capital libanesa, em 04 de agosto de 2020, como assunto problematizador. Neste artigo, apresenta-se apenas o primeiro bloco do projeto. A metodologia de trabalho utilizada se baseou nos três momentos pedagógicos propostos por Delizoicov (2002) e as Fake News foram utilizadas principalmente na problematização inicial.

Resultado e discussão

A propagação de notícias falsas que se dizem amparadas cientificamente têm sido um problema constante, sobretudo, com a rápida disseminação pelas redes sociais. Com a pandemia do Covid-19 esse problema se tornou ainda mais delicado e com consequências graves, podendo colocar em risco a saúde de muitas pessoas. Uma das formas de combater essas informações equivocadas é discutir e divulgar informações precisas e com acurácia, embasadas em conhecimento científico, por meio do ensino de ciências, que cada vez mais precisa estar concatenado com a realidade vivenciada pelos alunos, servindo de apoio para a formação de uma massa crítica. Portanto, conforme descrito no Quadro 1, as Fake News associadas à pandemia causada pelo coronavírus (Sars-CoV-2), adotadas como problematização, possibilitaram abordar diversos conceitos químicos, como ácidos, bases e pH, grupos funcionais, soluções e unidades de concentração, funções inorgânicas e interações intermoleculares, além de desenvolver habilidades acerca de cálculos matemáticos básicos e redação científica. Os conceitos abordados permearam assuntos relacionados ao Ensino Médio, visando o fortalecimento das bases conceituais dos alunos participantes do projeto, de maneira contextualizada e participativa, contribuindo assim, para melhor adaptação dos acadêmicos aos desafios inerentes ao início do curso, principalmente nos moldes de um ensino remoto. Além da aprendizagem conceitual, a metodologia de trabalho baseada nos 3 momentos pedagógicos permitiu aos acadêmicos aplicar os conteúdos aprendidos na análise de situações reais. Exemplo disso poder ser visto na construção textual dos acadêmicos A e B a partir dos encontros 1 e 2, quando foram desafiados a apresentar argumentos favoráveis ou contrários ao vídeo que questionava a eficácia do álcool 70% contra o coronavírus. O álcool é efetivo no combate ao vírus e outros agentes infecciosos, pois contribui para manter a assepsia das mãos, objetos e superfícies, por atuar em na parede celular desestruturando proteínas ou lipídios de revestimento. Além disso, possui secagem consideravelmente rápida por conta de sua volatilidade (capacidade de evaporar). Estudos destacam como ideal a utilização do álcool na concentração de 70% devido ao tempo propiciado de contato com as superfícies ou a pele. Todavia, ele pode atuar na eliminação dos microrganismos em concentrações de 60 a 95%; concentrações maiores que 70%, entretanto, além de possuírem valores menos acessíveis podem causar irritabilidade à pele. Além disso, a presença de água na formulação é fundamental para a entrada do álcool na célula para efetuar a desnaturação (ACADÊMICO A, ACADÊMICO B) Também quando questionados sobre a eficácia das receitas caseiras de álcool gel, os alunos conseguiram se posicionar de forma incisiva e coerente, como mostra a fala do acadêmico B: Essas “receitinhas” não funcionam. Para entender o porquê, é relevante que saibamos qual a composição do álcool que está sendo utilizado. O mais indicado é o 70%, ou seja, de todo o conteúdo, 30% é composto por água e o restante por álcool. É de suma importância que seja esta concentração, pois facilita a desnaturação das proteínas do micro-organismo, já que possui água, então a passagem do álcool é facilitada e o combate deste se faz completo. Além de retardar a volatilização, assim o tempo em que o álcool tem para desinfetar é maior (ACADÊMICO B). Outro aspecto importante, tratado no encontro 5, corresponde a “anatomia” das Fake News, o que permitiu discussões acerca de como saber se uma notícia é falsa ou verdadeira e como buscar fontes confiáveis de informação. Isso estimulou o aperfeiçoamento do pensamento crítico e científico em vista das fontes, geralmente artigos científicos, utilizadas pelos acadêmicos para fundamentar seus argumentos, como é possível perceber na fala do acadêmico A, a seguir: Durante esse momento fragilizado, muitas Fake News são espalhadas, e no meio do desespero e da preocupação, algumas pessoas acabam adotando esses “ensinamentos” para suas vidas, colocando-as em risco. Antes de realizar um procedimento ou de adotar uma informação de qualquer tipo na internet, deve- se verificar se essa informação vem de um lugar seguro e confiável. Existem características que podem identificar mais facilmente uma Fake News, mas a principal dica é: não acredite imediatamente em tudo que vê na internet, muitas vezes pesquisar em mais de uma fonte ou consultar um especialista da área pode te livrar de sérios problemas (ACADÊMICO A). A atividade proposta a partir do encontro 5 também possibilitou a produção textual pelos acadêmicos, por meio da qual observou-se o aprimoramento dos estudantes na habilidade de escrever corretamente, de maneira mais fluida e objetiva, ferramenta essencial para o exercício acadêmico. Ainda é importante ressaltar que os vídeos e conteúdos utilizados potencializaram as problematizações bem como oportunizaram atividades interdisciplinares, que envolveram conteúdos de biologia, física, matemática e química. O material também foi fundamental para identificar deficiências e erros conceituais, oferecendo um ambiente propício para repensar e construir, de maneira integrada, uma base mais sólida acerca das habilidades trabalhadas nas áreas da Química e da Matemática.

Quadro 1

Síntese das problematizações e das atividades desenvolvidas no primeiro bloco de atividades

Conclusões

O relato de experiência aqui apresentado mostra que a abordagem de Fake News pode ser uma boa forma de problematizar o ensino de ciências, oportunizar a abordagem conceitual de vários conteúdos de elevada importância para a formação acadêmica e ainda contribuir para oportunizar aprendizagens para além da conceitual. A metodologia baseada nos três momentos pedagógicos também se mostrou adequada para abordar os conteúdos conceituais de forma aprofundada e contextualizada, bem como para promover a aplicação dos conhecimentos em contextos reais. Ela também se mostrou passível de aplicação mesmo no contexto remoto. Portanto, considerou-se que esta metodologia pode ser promissora para o desenvolvimento de atividades futuras. Contudo, acredita-se que a metodologia de trabalho empregada terá mais êxito à medida que os participantes possam discutir entre si, bem como realizar as atividades presencialmente. O desafio para evitar a reprovação massiva e a evasão, acentuada pelo contexto pandêmico, deve ser assumido por todos os formadores e o trabalho aqui relatado mostrou ser um caminho possível para buscar sanar as lacunas formativas dos acadêmicos ingressantes e gerar resultados no médio e longo prazo.

Agradecimentos

Referências

BRASIL. Ministério da Educação. Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira. Resultados, 2020. Disponível em: https://www.gov.br/inep/pt-br/areas-de-atuacao/pesquisas-estatisticas-e-indicadores/censo-da-educacao-superior/resultados. Acesso em: 13 mai. 2021.

DELIZOICOV, D.; ANGOTTI, J. A.; PERNAMBUCO, M. M. Ensino de ciências: fundamentos e métodos. São Paulo: Cortez, 2002.


MARCONDES, R.; SILVA, S. L. R. A relação ensino básico/ensino superior: Um estudo de caso sobre o PIBID interdisciplinar de química e física. In: CONGRESSO NACIONAL DE ENSINO DE CIÊNCIAS E FORMAÇÃO DE PROFESSORES, 2, 2019, Catalão – GO. Anais [...] Catalão – GO: GEPEEC, 2019. p. 550-563. Disponível em: http://cecifop.sistemasph.com.br/index.php/cecifop/CECIFOP2019/paper/view/467/554. Acesso em: 13 mai. 2021.