Autores

Sena, E.T.T. (UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARÁ, CAMPUS ANANINDEUA) ; Santos, J.K.R. (UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARÁ, CAMPUS ANANINDEUA)

Resumo

Esta produção apresentará os métodos utilizados para confecção de uma História em Quadrinhos (HQ) destinada ao público jovem. Tal produção é autoral, inédita e visa ser um recurso didático criativo para aprender Química de modo contextualizado. Como instrumento gerador do conhecimento químico, utilizou-se a "poção de zumbificação", da qual, fez-se uso das propriedades da Tetrodotoxina para promover a contextualização e apresentação dos conceitos de funções, polaridade e solubilidade de compostos orgânicos. Como resultado, cita-se a formulação de eixos norteadores para construção da HQ, cujo intuito, é facilitar a compreensão do leitor sobre os conceitos químicos abordados. Por fim, defende-se o uso deste material para fins informativos e didáticos instigadores do conhecimento químico.

Palavras chaves

História em Quadrinhos; Tetrotodotoxina; Poção de zumbificação

Introdução

A contextualização da História em Quadrinhos (HQs) deste trabalho foi baseada na série sobre Zumbis (The Walking Dead), presente na plataforma de streaming Netflix®. Destaca-se que ao longo do percurso investigativo e construtivo do recurso didático aqui apresentado, notou-se que o universo zumbi, apesar de exercer grande fascínio sob o público jovem, ainda é pouco explorado no ramo educacional. Nesta direção, até o presente trabalho, não foram encontrados registros de HQs com este tema gerador para o Ensino de Química, evidenciando assim, a originalidade e importância do material produzido. O protótipo deste recurso didático está estruturado nos rituais de zumbificação voduísta. Desta forma, serão abordadas nesta História em Quadrinhos as propriedades da Tetrodotoxina, principal substância presente na “poção de zumbificação” (“pó-zumbi”). A “poção de zumbificação” é uma prática do Vodu, religião mais popular do Haiti. O termo “zumbi” adveio desse ritual que é tradicionalmente realizado por bokors (sacerdotes de vodu). Estes são definidos por Moreira (2016), como “feiticeiros” dotados de poderes sobrenaturais que prestam serviços de cunho espiritual. McAlister (1995) explica que, na crença vodu, os bokors são capazes, por “meios mágicos”, de ressuscitar “cadáveres” para torná-los seus subordinados. Assim, o sentido do termo “zumbi” foi dado graças ao estado comportamental das pessoas sob o efeito desse ritual que, normalmente, apresentavam-se desprovidos de racionalidade ou vontade própria. O preparo ritualístico do “pó-zumbi” consiste no uso de ingredientes que variam desde restos mortais ao uso de ervas e, em geral, apresentam potencialidade toxicológica (TORRES, 2020). Moreira (2016) explica que o uso desse pó não ocasionava a morte, mas uma falsa morte, e o uso dele pelos bokors se dava para que estes conseguissem se apropriar dos corpos de suas vítimas sem deixar rastros. A busca pela fórmula da zumbificação levou Wade Davis na década de 1980 a estudar mais de perto a sua composição. E, após acompanhar um bokor durante o preparo do ritual, Davis publicou em seu livro “The Serpent and the Rainbow” que o ingrediente principal estava no fígado e vísceras do peixe baiacu, ricos em uma Toxina altamente letal, chamada Tetrodotoxina (TTX), responsável por causar nas vítimas uma “falsa morte”, já que elas, ao entrarem em contato com a toxina, apresentavam uma redução drástica em seus batimentos cardíacos e sinais respiratórios, aparentando estarem mortas. As toxinas, conforme Klaassen (2001), geralmente são substâncias produzidas por organismos vivos, sendo eles de origem vegetal, animal, fungos ou bactérias. A Tetrotodotoxina (TTX) se encaixa nessa categoria, já que sua produção se dá por meio de bactérias aquáticas e, simbioticamente, é encontrada em animais marinhos da família Tetraodontidea, como o peixe baiacu. Sobre as HQs vale ressaltar que elas são uma fonte de informação, incentivo à leitura, geradora de motivação, podendo promover um ensino lúdico e dinâmico, pois trabalham com ilustrações que aprofundam a conexão e interpretação criativa das palavras com as imagens (RAMOS; VERGUEIRO, 2010). Em geral, a proposta da inserção de HQs na sala de aula é vista como um importante instrumento mediador do processo de aprendizagem do aluno. Ao tempo, em que possibilitam ao leitor deste gênero a aquisição de conhecimento, o aguçamento de sua criatividade e propicia também, o desenvolvimento de uma visão satírica, contestadora e crítica dos fatos abordados (SEVERO; SEVERO, 2015). Isto posto, o presente trabalho visa apresentar uma história em quadrinhos, contextualizada na produção da “poção de zumbificação”, para aprender sobre a Tetrotodotoxina (TTX), com ênfase em suas propriedades químicas e ação no organismo, entre outros assuntos. Vale destacar que o material pode ser usado como recurso didático e/ou de leitura complementar, até mesmo lido de modo livre por pessoas interessadas no tema.

Material e métodos

Este trabalho apresenta uma produção autoral realizada para fins educativos, voltado ao ensino de química. Ele tem caráter descritivo, com ênfase no viés qualitativo, prezando pelas aprendizagens de conteúdos voltados ao ensino médio. Considerou-se a junção das categorias de Caráter “Motivador” e “Explicativo”, formuladas por Testoni (2004). Logo, a construção da HQ, estruturou-se da seguinte forma: I. Construção de Caráter Motivador: Nessa categoria, as HQs são construídas a partir de enredos que instigam no aluno o desejo de saber mais sobre os conteúdos abordados. Desta forma, escolheu-se a temática zumbi como tema gerador, pela dedução de que este tema, por ser bastante popular entre o público jovem, detém grande potencial para estimular alunos a buscar compreender mais sobre os conteúdos químicos abordados pela narrativa, incentivando-os a ler o material na íntegra, pesquisar e conhecer mais sobre assuntos desencadeadores no produto didático construído e apresentado neste trabalho. II. Construção de Caráter Explicativo: Nessa categoria, as HQs são construídas com intuito de abordar os fenômenos científicos de modo mais abrangente e ilustrativo. Logo, a produção desta HQ, deu-se a partir de uma abordagem mais detalhada acerca dos acontecimentos científicos retratados em seu enredo (“poção zumbi”), de modo a levar ao leitor uma visão geral e ilustrativa acerca dos fenômenos químicos ocorrentes em cada acontecimento relatado. Desta forma, a abordagem contextual atrelada ao uso de HQs, requer um conjunto de estratégias que viabilizem o seu desenvolvimento, tais como o aprofundamento dos assuntos a serem expostos, a discussão e reflexão sobre o tema, avaliação preliminar da metodologia e a definição dos temas geradores da investigação para confecção do material (BOTERF, 1984). Assim, para construção deste produto, inicialmente foram realizadas (em produções bibliográficas e sites científicos), pesquisas acerca das propriedades físicas e químicas da Tetrodotoxina, visando identificar quais conteúdos de química poderiam ser trabalhados a partir da contextualização do ritual de zumbificação exposto na HQ. Essas pesquisas foram realizadas essencialmente em sites de base internacional como PubChem que fornece em seu acervo, dados estatísticos e detalhamento das propriedades físicas e químicas da molécula de Tetrodotoxina. Esse site viabilizou a leitura da Tetrodotoxina de forma mais minuciosa, de modo a identificar quais conteúdos estavam condizentes à matriz curricular do Ensino Médio. A partir da identificação dos conteúdos, utilizou-se o site PixTon para criação da HQ. Esse site oferece diversificados recursos, como cenários, balões textuais, expressões e posturas corporais. Este conjunto de ferramentas possibilitou, a partir do acionamento imaginativo das autoras deste trabalho, a formulação de uma HQ com diferentes cenários e expressões dos personagens criados, enriquecendo a narrativa visual construída.

Resultado e discussão

Para a produção da HQ em questão, foram elaborados três tópicos orientadores. Eles serviram como norteadores conceituais, metodológicos, de sequenciamento temático e imagético. Antes de apresentar tal encadeamento, vale ressaltar que a HQ produzida possui 36 quadrinhos, dispostos em 6 páginas, de papel A4. Para ilustração da produção, considerando a limitação de páginas do trabalho escrito, foi realizado dois recortes do produto. Na “Figura 1”, consta a capa da História em Quadrinhos autoral e o detalhamento dos conteúdos químicos abordados nela. Na “Figura 2”, há um agrupamento com 04 Quadrinhos (Q), cuja seleção se deu pela potencialidade representativa deles para ilustrar os fatos relatados. Esses quadrinhos foram selecionados e numerados no rodapé de cada quadrante ilustrado, conforme a sequência do seu aparecimento, estando assim identificados: Q1, Q2, Q3... até o Q36. Tópico 1: Apresentação do tema a partir da contextualização com a série de tv Neste tópico, a escolha da temática foi ponto crucial, devido ela ser o convite ao leitor para conhecer a história a ser contada. Assim, havia a necessidade de escolher um tema que pudesse gerar curiosidade e interesse nos jovens. Logo, a escolha pela temática zumbi, foi fundamentada em sua popularidade entre o público que gosta de produções cinematográficas do gênero. Desta forma, estrategicamente, no início da HQ foi citada a série televisiva produzida pela AMC®, The Walking Dead, de modo a instigar a curiosidade do leitor e realizar a contextualização da série com a zumbificação haitiana. A série norte-americana criada no ano de 2010 por Frank Darabont teve suas origens nas HQs produzidas por Robert Kirkman, que ao longo de pouco mais de 10 anos de criação, ainda faz mistério acerca das possíveis causas da zumbificação, fomentando a curiosidade do público. Assim, partindo da curiosidade e mistificação acerca do processo supracitado, a associação com a série foi vista como uma boa estratégia para atrair a atenção do aluno e estimulá-lo a conhecer sobre a zumbificação com o enfoque químico, histórico, entre outros. Tópico 2: Associação com o conhecimento Químico Com base no ritual de zumbificação dos borkos, identificou-se na estrutura da Tetrodotoxina, associações intrínsecas ao conhecimento químico que pudessem ser adaptadas ao contexto juvenil. A Tetrodotoxina, principal responsável pela ocorrência da “falsa morte”, é um composto orgânico bastante complexo que possui características muito específicas como, por exemplo, a termoestabilidade e a solubilidade. Sendo esta última característica apresentada ao leitor a partir de outras duas peculiaridades: (I) pouca solubilidade em água; (II) boa solubilidade em ácido acético. Essas curiosidades são citadas na HQ antes da apresentação dos conteúdos químicos que de fato serão abordados. Isso é feito com o intuito de provocar no leitor uma reflexão inicial acerca de como os borkos realizam o preparo da “poção” sem a presença da água, que é conhecida como um “solvente universal”. Tal estratégia pode ser descrita como um meio de incentivar o leitor a querer descobrir quais fatores irão interferir diretamente na pouca solubilidade da Tetrotodoxina em água e, o porquê de ela solubilizar mais facilmente em ácido acético. Além disso, tal estratégia dá margem, por exemplo, para abordar de modo mais aprofundado os conceitos da Solubilidade de Compostos Orgânicos, que são fundamentados principalmente na polaridade, força de atração intermolecular e no tamanho da cadeia carbônica do composto. Tópico 3: Aprofundamento das correlações teóricas Durante estudos acerca das propriedades da Tetrodotoxina, observou-se que a explicação para sua baixa solubilidade em água e boa solubilidade em ácido acético é dada a partir da sua estrutura carbônica, cuja classificação é feita como sendo uma parte polar (boa afinidade com a água) representada pela presença de cinco grupos Hidroxilas (OH). A parte pouco polar (baixa afinidade com a água) representada pelo Andamantano Oxigenado; e, a outra parte, composta por um grupo iônico fortemente alcalino (solúvel em ácidos orgânicos fracos) representado pelo grupo Guanidínio. O aprofundamento conceitual de tais características foi equilibrado com o cuidado de manter a harmonia associativa da parte escrita com a parte imagética do material, de modo a levar ao leitor, ordenadamente, o entendimento satisfatório dos conteúdos expostos. A exemplo disso, a estrutura da Tetrodotoxina é exposta no Q15 (Figura 2) com o objetivo de permitir a visualização dos grupos funcionais característicos de funções orgânicas e, suas especificidades quanto à solubilidade. Seguindo a proposição de equilíbrio (conteúdo químico/ilustração), também houve a preocupação de trazer em todo o enredo explicativo desta HQ, uma discussão fundamentada na ilustração visual dos conceitos de polaridade, força de atração intermolecular e tamanho da cadeia carbônica. Para visualização de tal fato, trouxemos os Q19, Q23 e Q28 (“Figura 2”) como exemplificação. Por conseguinte, através da ilustração inicial da Tetrodotoxina, a HQ pôde trazer ao leitor a caracterização e (re)conhecimento das funções orgânicas (álcool, éter e hidrocarbonetos), para posteriormente, determinar a sua polaridade e força de atração intermolecular. No que tange a polaridade, cada função orgânica presente na Tetrodotoxina foi analisada de forma individual em seus respectivos quadrinhos, de modo a permitir que o leitor enxergue como ocorre a formação ou ausência de polos em suas estruturas. Também, destacou-se como esses polos interferem na formação das forças de atração intermolecular (Ligação de Hidrogênio, Dipolo Permanente e Dipolo Induzido), essenciais para compreender a solubilidade do composto em água. Além disso, foi explicada a influência do tamanho da cadeia carbônica, através da exemplificação da quantidade de ligações C-C e C-H presentes no composto Andamantano Oxigenado, e o porquê de a Tetrodotoxina ter uma boa solubilidade em ácido acético. Nessa última explicação, é exposto ao leitor que o Guanidínio, terá uma boa solubilidade em ácidos orgânicos fracos como o ácido acético, devido ser um composto iônico altamente alcalino. A partir do que foi exposto neste terceiro tópico, pode-se afirma que para produção desta HQ, cujo objetivo é levar o conhecimento químico acerca do processo de zumbificação, as ilustrações são de fundamental importância, pois elas permitem que o leitor promova um diálogo entre a parte textual e imagética, ajudando-o no processo interpretativo dos fatos e, consequentemente, na absorção do conhecimento químico a qual ele foi exposto. Além disso, elenca-se que a presença das ilustrações teve por objetivo tornar a leitura mais atrativa e prazerosa, tendo em vista, que a leitura de materiais com explicações estritamente textuais torna-se, ao olhar do aluno, cansativa e desestimulante. Por fim, vale informar que a HQ é finalizada em tom de continuidade, isso ocorre devido a objetivação das autoras em produzir uma coletânea sobre o tema. Isso se dá ao fato de que o processo de zumbificação realizado por borkos ocorre em duas etapas fundamentais: (I) a ocorrência da falsa morte para que os Borkos se apropriem do corpo de suas vítimas (pó-zumbi); (II) e o estado de zumbificação/submissão que as vítimas se encontram após a falsa morte. Desta forma, seria possível promover ao leitor o maior aprofundamento químico envolvido no processo de zumbificação descrito neste trabalho.

1: Capa da HQ; 2: Identificação dos conteúdos químicos a partir da estrutura da TTX; 3: Detalhamento dos conteúdos dentro de Química Orgânica.


Q15: Ilustração TTX; Q19: Solubilidade Função Álcool; Q23: Solubilidade Hidrocarbonetos; Q28: Solubilidade Função Éter.

Conclusões

Através da produção autoral em questão, notou-se a importância da busca de novas ferramentas didáticas que transcendam apenas a pretensão informativa e conceitual pautada no texto em si. A produção em questão é uma alternativa para despertar o interesse de participar ativamente no seu processo de aprendizagem, instigando leituras e estudos sobre o conhecimento químico. Logo, a HQ construída, cujo tema gerador no ensino de química, são os zumbis da “vida real” (produzidos por Borkos), mostra grande potencial para ser utilizada com alunos do Ensino Médio, à medida que aborda conteúdos básicos e fundamentais da Química Orgânica a partir da contextualização de um assunto a qual eles tenham curiosidade.

Agradecimentos

À Universidade Federal do Pará, Campus Ananindeua pela formação qualificada. À minha orientadora pela condução na proposição. À CAPES pela bolsa no Programa Residência Pedagógica.

Referências

1. BORTEF, G.L. Pesquisa participante: proposta e reflexões metodológicas. In: Repensando a Pesquisa Participante (C. R. Brandão, org.), pp. 51-81, São Paulo: Brasiliense. 1984.
2. DAVIS, Wade. A sepente e o Arco-íris. Rio de Janeiro: Jorge Zahar. 1986
3. KLAASSEN, C. D.; WATKNS III, J. B. Toxicologia: A ciência básica do tóxicos de Casarett & Doull’s. McGraw, 5ª ed. Hill, Lisboa, p.864. 2001.
4. MCALISTER, Elizabeth. A Sorcerer´s Bottle: The Visual Art of Magic in Haiti”. In: Cosentino, Donald J. (ed.) Sacred Arts of Haitian Vodou. Fowler Museum of Cultural History, UCLA, Los Angeles, CA. 1995.
5. MOREIRA, I.R.M. “ZOMBIES! ALLER VITE! ALLEZ!”: ALGUMAS CONSIDERAÇÕES SOBRE O ZUMBI DO CINEMA DOS ANOS 30. Universidade Federal Fluminense, instituto de ciências humanas e filosofia curso de graduação em antropologia. Niterói, RJ. 2016.
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7. SEVERO, M.F.S.; SEVERO, D.F. AS HQS COMO FERRAMENTA PEDAGÓGICA EM SALA DE AULA. Rev. Incelências. Vol. 4. n.1. Jul 2015.
8. TESTONI, L.A. Um corpo que cai: As histórias em Quadrinhos no Ensino de Física. Dissertação (Mestrado em Educação). São Paulo: Universidade de São Paulo. 2004.
9. TORRES, R.A. ZOMBIS, BOKORS Y TETRODOTOXINA: LOS MISTERIOS DEL VUDÚ. Academia, 2020.