Autores

Leuenroth, R.G.L. (IFES-VV) ; Ribeiro, J.S. (IFES-VV) ; Kauark, F.S. (IFES-VV)

Resumo

O objetivo deste trabalho é relatar uma estratégia de ensino aplicada para uma turma de segunda série do Ensino Médio de uma escola pública, envolvendo uma sequência didática investigativa, usando rótulos de produtos alimentícios, a fim de verificar as potencialidades da alfabetização científica, através das atividades criadas. Para análise dos resultados optou-se por pesquisa mista. Nas análises qualitativas foram criados parâmetros de desenvolvimento baseados na estrutura do conhecimento e em eixos de alfabetização científica. E na quantitativa foi feita uma comparação com produção de gráficos utilizando-se como instrumento de coletas de dados questionários pré e pós aplicação da intervenção pedagógica. Sendo possível verificar um avanço no conhecimento dos conceitos abordados.

Palavras chaves

Ensino de Química; Ensino por investigação; Alfabetização científica

Introdução

Hoje em dia vivemos em um mundo amplamente influenciado pela tecnologia, no qual as informações chegam a todo momento provenientes de diversas fontes. Devido a este fenômeno de massificação das informações, muitas vezes elas são expostas de formas equivocadas. Sampaio e Santos, (2000) já descreviam essa preocupação no ensino aprendizagem quando diziam que as mudanças tecnológicas impõem a área da educação uma tomada de posição entre tentar compreender as transformações do mundo e produzir conhecimento pedagógico para auxiliar o homem a ser sujeito da tecnologia ou simplesmente dar as costas para a realidade da sociedade baseada na informação. Procurando não transformar a química em uma disciplina quase vilãnesca, uma vez que, essa ciência tem participação importantíssima para o desenvolvimento científico-tecnológico do estudante, os professores precisam, cada vez mais, se adaptar a essa realidade. Segundo os Parâmetros Curriculares Nacional (BRASIL,1997) nos últimos quarenta anos, o conhecimento de Química incorporou outras abordagens, objetivando, principalmente, a formação de cidadãos mais conscientes de seus direitos e deveres na sociedade, porém, na prática podemos perceber que essa abordagem continua tendo simplesmente um sentido de “transmissão de conhecimento” e não de formação de cidadãos com pensamento crítico. Na nova Base Nacional Comum Curricular (BRASIL, 2019), para o ensino médio a Química foi integrada a Área de Ciências da Natureza e suas Tecnologias. Na descrição de seu texto, a BNCC, diz que no Ensino Fundamental, os estudantes devem ser capazes de: investigar características, fenômenos e processos relativos ao mundo natural e tecnológico, explorar e compreender alguns de seus conceitos fundamentais e suas estruturas explicativas, além de valorizar e promover os cuidados pessoais e com o outro, o compromisso com a sustentabilidade e o exercício da cidadania. Já no Ensino Médio, os estudantes devem aprofundar e ampliar os conhecimentos explorados na etapa anterior. Neste caso, utilizar a investigação como forma de engajamento dos estudantes na aprendizagem de processos, práticas, procedimentos científicos e tecnológicos, promover o domínio de linguagens específicas, o que permite que eles analisem fenômenos e processos, utilizando modelos e fazendo previsões. Dessa maneira, podem ampliar sua compreensão sobre a vida, o nosso planeta e o universo, bem como sua capacidade de refletir, argumentar, propor soluções e enfrentar desafios. As aulas de Ciências, especialmente as de Química podem ser espaços propícios para promover diversas interações educativas, pois essa disciplina debate diversos temas que possibilitam expressar ideias, sentimentos e conhecimentos científicos. Silva (1996, p.46). Neste sentido, o aluno não pode ser um agente passivo no seu contexto social, e o ensino de Ciências pode proporcionar competências e habilidades para que cada indivíduo venha a interagir com o mundo e interpretá-lo. Segundo Delizoicov, Angotti e Pernambuco (2002), o ensino de ciências pode se constituir num potente aliado para o desenvolvimento da leitura e da escrita, uma vez que contribui para atribuir sentidos e significados às palavras e aos discursos. Entretanto um grande desafio do professor é atribuir significados, para que os estudantes entendam a relação entre seu cotidiano e o conhecimento científico, uma vez que este é aplicado como memorização. Já a contextualização e a experimentação podem contribuir no processo ensino aprendizagem, pois permitem que os estudantes percebam esta significação dos conceitos químicos e também a relação da teoria com o mundo ao seu redor. Portanto, os conhecimentos científicos poderão auxiliar o processo de aquisição da linguagem escrita, possibilitando ao estudante ampliar a sua cultura, contudo, é fundamental a adoção de temas que estejam diretamente vinculados a sua vida, assim como é primordial o desenvolvimento de atividades de ensino, nas quais os alunos possam discutir diferentes pontos de vista sobre a questão envolvida na busca da construção coletiva do conhecimento. Dessa forma, conhecimentos básicos de Química, como ler e interpretar as informações contidas nas embalagens de produtos alimentícios, a sua utilização e conservação, fazem com que o indivíduo participe da sociedade em que vive, desempenhando assim a sua função de cidadão. Além disso, sabe-se que no cotidiano de uma sala de aula podem surgir muitas questões e o professor deve saber adequá-las as suas atividades, definindo a realidade que melhor se encaixa a essas questões. A partir desse ponto de vista surge então uma pergunta: Qual a potencialidade do Ensino por Investigação na aprendizagem de soluções e termoquímica? No intuito de encontrar respostas para tal pergunta, utilizou-se como meio a análise de rótulos e embalagens para o estudo de conceitos relacionados aos conteúdos soluções e termoquímica.

Material e métodos

Esta pesquisa foi classificada como qualitativa aplicada, visto que objetivou produzir conhecimentos aplicáveis à solução de problemas específicos (SILVEIRA; CÓRDOVA, 2009) apoiada em dados quantitativos e de cunho explicativo. Além disso, esse tipo de pesquisa se preocupou em identificar, os fatores que determinaram ou contribuíram para a ocorrência dos fenômenos (GIL, 2007). Resumindo, este tipo de pesquisa visou explicar o porquê das coisas através dos resultados oferecidos, e foi realizada em etapas: Etapa 1 – Escolha do tema, definição do tipo de pesquisa e levantamento bibliográfico Etapa 2 – Confecção, validação e aplicação da sequência didática. A aplicação da sequência didática ocorreu entre os meses de junho e julho de 2019 para uma turma de segunda série do Ensino médio. O Quadro 1 descreve o resumo das atividades realizadas durante a sequência didática. Aula 0 – Esclarecer os objetivos da sequência didática, suas etapas e forma de coleta de dados pela professora pesquisadora e promover o registro do conhecimento prévio dos estudantes acerca do tema “rótulos e embalagens”. Aula 1 - Identificar os modelos de rótulos existentes, as informações que devem estar presentes e o órgão que regulamenta essas informações, se valores relacionados estão dentro dos padrões estabelecidos. Aula 2 - Caracterizar água mineral e conceito de “dureza” e apresentar seu rótulo específico, calcular a concentração de íons presentes Aula 3 - Visualizar, anotar e analisar a experiência realizada com duas latas de “coca cola”, uma normal e uma zero, responder as questões relacionadas, analisar os rótulos dos refrigerantes utilizados. Aula 4 - Sala de aula invertida para tirar dúvidas da unidade caloria e sua função nos alimentos. Aula 5 - Aperfeiçoar o conceito de caloria, utilizando-o na prática, investigar o conhecimento aliado a vivência diária dos alunos em relação a solubilidade das substâncias em temperaturas diferentes. Aula 6 - Sala de aula invertida para tirar dúvidas dos conceitos de “diet” e “light”, evidenciando o conteúdo energético e a concentração de sódio. Aula 7 - Fazer a comparação entre rótulos de um mesmo produto com versões diferentes, analisando o valor energético e a concentração de sódio em ambos os produtos. Aula 8 - Revisar os tópicos abordados nas aulas anteriores através de um caça-palavras. Aula 9 - Explicar a montagem do jogo e os critérios de avaliação. Aula 10 - Criar um rótulo fictício do lanche obtido no jogo Aula 11 - Identificar a opinião dos estudantes acerca da sequência didática aplicada.

Resultado e discussão

Para estabelecer as categorias das análises dos resultados obtidos, voltamos para a base do conhecimento, na qual Vygostsky (1984) define a ZDP como a distância entre o “nível de desenvolvimento real” e o “nível de desenvolvimento potencial”, em que um é a capacidade que o indivíduo tem de resolução de problemas sozinho e o outro com a ajuda de um professor/colega. Unindo o conceito de ZDP com as dimensões e habilidades do Ensino por Investigação propostas, segundo Brito e Fireman (2018) e associando ainda os indicadores de AC propostos por Sasseron e Carvalho (2008), foi possível montar doze (12) categorias para determinar as potencialidades da promoção da alfabetização científica (AC), do desenvolvimento deste trabalho. O Quadro 2 mostra as categorias que foram criadas para análise: As categorias indicadas no quadro 2 são apresentadas a seguir: Nível 1 (N1) – O aluno é capaz de estabelecer as informações prévias, necessárias para o desenvolvimento da resolução do problema com a ajuda do professor/colega. Nível 2 (N2) – O aluno é capaz de estabelecer as informações prévias, necessárias para o desenvolvimento da resolução do problema sem a ajuda do professor/colega. Nível 3 (N3) – O aluno é capaz de a começar a desenvolver a resolução das atividades com a ajuda do professor/colega. Nível 4 (N4) – O aluno é capaz de a começar a desenvolver a resolução das atividades sem a ajuda do professor/colega. Nível 5 (N5) – O aluno é capaz de raciocinar e desenvolver a resolução das atividades com a ajuda do professor/colega. Nível 6 (N6) – O aluno é capaz de raciocinar e desenvolver a resolução das atividades sem a ajuda do professor/colega. Nível 7 (N7) – O aluno é capaz de fazer o levantamento de hipóteses para a resolução das atividades com a ajuda do professor/colega. Nível 8 (N8) – O aluno é capaz de fazer o levantamento de hipóteses para a resolução das atividades sem a ajuda do professor/colega. Nível 9(N9) – O aluno é capaz de criar justificativas para a resolução das atividades com a ajuda do professor/colega. Nível 10(N10) – O aluno é capaz de criar justificativas para a resolução das atividades sem a ajuda do professor/colega. Nível 11(N11) – O aluno é capaz de criar explicações para a resolução das atividades com a ajuda do professor/colega. Nível 12(N12) – O aluno é capaz de criar explicações para a resolução das atividades sem a ajuda do professor/colega. As aulas descritas no quadro 1, foram analisadas uma a uma, segundo essas categorias e verificamos, que a aplicação da sequência didática foi contínua, e o desenvolvimento das habilidades e competências que foram criadas durante todo o processo seria utilizado na última aula. Os grupos que apresentaram maior desempenho na utilização desses conhecimentos adquiridos, durante a aplicação foram aqueles, em que os participantes estiveram presentes na maioria das aulas desenvolvidas, mostrando que realmente a participação foi fundamental, para que se estabelecesse o processo de alfabetização científica. Após as análises, e principalmente os grupos que tiveram um maior interesse, conseguiram alcançar o Nível 6 (N6), onde o aluno é capaz raciocinar e desenvolver a resolução das atividades sem a ajuda do professor/colega. Foto1: participação dos alunos na aplicação da sequência didática Nessa foto podemos verificar a interação dos alunos durante o processo de aplicação da sequência didática, aqui principalmente mostrando a dedicação deles para o desenvolvimento do jogo, o qual foi a fase final da sequência. O intuito da última aula foi discutir com os alunos os pontos positivos e negativos da sequência didática, assim como ouvir as opiniões e sugestões deles sobre toda a vivência proporcionada por ela, na avaliação final foi feito um questionário, dividido em duas partes, foi aplicado para 33 alunos (94,3%). Na primeira parte dele, optamos por um instrumento mais qualitativo sobre a relevância do trabalho no cotidiano dos alunos, enquanto na segunda parte, um instrumento similar, seguindo os pressupostos de Guimarães e Giordan (2013). Para que pudéssemos ter uma visão mais ampla das respostas dos alunos antes de depois da SD, as respostas do teste foram quantificadas numa escala de 0 até 5 e transformadas em uma matriz de dados X (78x10) contendo 78 linhas (alunos) e 10 variáveis (perguntas referentes a leitura de rótulos). Assim, uma análise por componentes principais, dos dados foi realizada (FERREIRA et al., 1999). Para essa visualização empregou-se o software Mathlab 7.0 e o pacote computacional PLS_Toolbox 8.612 (WISE et al., 2004). O objetivo desta análise foi uma comparação mais ampla entre as respostas dos alunos, antes e depois da SD, a fim de observarmos a evolução dos alunos em relação a leitura e interpretação de rótulos. Gráfico 01: Gráfico biplot entre PC1 e PC2 das perguntas feitas antes (A) e depois (B) da sequência didática. De acordo com os gráficos biplot (Gráfico 7) podemos observar um grupo de alunos, que antes da sequência didática, não apresentava grande costume na leitura de rótulos (Gráfico 1) se deslocaram para o lado direto de PC1 no Gráfico 7b, demonstrando um interesse maior após a aplicação da sequência.

Quadro 2

Doze categorias para análise

fotos e gráfico

Imagens dos alunos e gráfico da conclusão do trabalho

Conclusões

Para fazermos uma análise final, voltamos as ideias defendidas por Vygotsky, onde ele diz que existe uma área potencial de desenvolvimento cognitivo, definida como a distância que medeia entre o nível atual de desenvolvimento da criança, determinado pela sua capacidade atual de resolver problemas individualmente, e o nível de desenvolvimento potencial, determinado através da resolução de problemas sob orientação de adultos ou de seus colegas. Baseado nesse conhecimento foi possível desenvolver os 12 níveis de análises para a verificação de AC. O que podemos verificar de forma mais incisiva é que a turma em questão atingiu o N6, esse nível diz que o aluno (ou no nosso caso, um grupo de alunos) é capaz de raciocinar e desenvolver a resolução de atividades sem ajuda de professor/colega. Voltando, então, para os eixos de AC propostos por Sasseron e Carvalho, verificamos que eles foram capazes de alcançar dois eixos – “seriação de informações” e “organização de informações” – estando em um terceiro eixo que é o “raciocínio lógico”. Analisando também as dimensões e habilidades propostas por Brito e Fireman, podemos dizer que a turma em questão está na dimensão do “Aprender Ciências”, o que correlacionando os dois eixos se mostra muito coerente, ou seja, eles estão aprendendo ciências, começando a usar o raciocínio lógico para resolução de problemas sem a ajuda de professor, e que se continuar sendo trabalhada dentro desse contexto, tende a ter um desenvolvimento ainda maior dentro dos parâmetros analisados.

Agradecimentos

Ao Ifes Vila Velha pelo auxílio prestado, ao PROFQUI pelo aprendizado, a Capes, pela bolsa em parte do Mestrado e ao 18° SIMPEQUI pela oportunidade de compartilhar desta experiência.

Referências

AULER, Décio; DELIZOICOV, Demétrio. Alfabetização científico-tecnológica para quê? Ensaio Pesquisa em Educação em Ciências. v. 3, n. 1, Belo Horizonte, jun. 2001.
BARDIN, Laurence. Análise de conteúdo. Lisboa: Edições 70, 1977.
BRASIL. Ministério da Educação. Diretrizes Curriculares Nacionais da Educação Básica. MEC, 2013. Brasília, DF, 2013. Disponível em http://portal.mec.gov.br/docman/julho-2013-pdf/13677-diretrizes-educacao-basica2013-pdf/file/. Acesso em 21 de set. de 2019.
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BRITO,Liliane Oliveira; FIREMAN, Elton Casado. Ensino de Ciências por investigação: uma estratégia pedagógica para promoção da alfabetização científica nos primeiros anos do ensino fundamental. Disponível em: https://doi.org/10.1590/1983-21172016180107, acesso em 21 de setembro de 2019.
DELIZOICOV, Demétrio; ANGOTTI, José André Peres; PERNAMBUCO, Marta Maria. Ensino de ciências: fundamentos e métodos. 3 ed. São Paulo: Cortez, 2002
Guimarães, Yara A. F.; Giordan, Marcelo. Elementos para Validação de Sequências Didáticas. In: IX ENPEC – Encontro Nacional de Pesquisa em Educação em Ciências, nov., 2013, Águas de Lindóia. Atas... Águas de Lindóia, SP, 2013
VYGOTSKY, Lev Semenovitch. A Formação Social da Mente. São Paulo: Martins Fontes, 1984.