Autores

Rodrigues, N.C. (UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO DO SUL) ; Correia, D. (UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO DO SUL)

Resumo

O livro didático continua sendo uma das ferramentas pedagógicas mais utilizadas pelo professor em sala de aula. Assim, este trabalho tem o objetivo analisar as abordagens do modelo atômico de Bohr nos livros de Química, e se estas promovem a aprendizagem. Para tanto, foram analisados quatro livros didáticos de Química aprovados no Programa Nacional do Livro Didático (PNLD) 2018. Para o tratamento dos dados, utilizou-se a Análise de Conteúdo. Os resultados apontam que a maior parte dos critérios analisados são contemplados nesses livros e, portanto, possibilitam a aprendizagem do modelo atômico de Bohr.

Palavras chaves

Modelo atômico de Bohr; Livros de Química; Ensino Médio

Introdução

No início do século XX, muitos fenômenos atomísticos eram conhecidos, mas permaneciam fisicamente inexplicáveis. Alguns cientistas concluíram que a física clássica precisava de revisão, surgiram então sugestões hipotéticas inconsistentes com a física clássica. Com o desenvolvimento da espectroscopia, surgiu a indagação sobre a estrutura interna e dinâmica dos átomos, o que levou ao desenvolvimento da mecânica quântica. O modelo atômico de Bohr, que foi publicado na Philophical Magazine entre julho e novembro de 1913, como uma trilogia intitulada On the Constitution of Atoms and Molecules, desafiava as leis de Maxwell ou a física clássica que diz que uma partícula carregada em rotação deveria irradiar energia e, consequentemente, colapsar no núcleo (ROSA et al, 2014). Uma das questões mais controversas no ensino de modelos atômicos é se e como ensinar o modelo de Bohr. Alguns pesquisadores da área afirmam que não devemos ensinar o modelo atômico de Bohr, porque ele inibe a capacidade dos alunos em aprender a verdadeira natureza quântica dos elétrons nos átomos. No entanto, de acordo com McKagan et al. (2008) não existe nenhuma evidência concreta que ensinar o modelo de Bohr impede que os alunos aprendam o modelo de Schrödinger. Parente et al. (2014) destaca que na disciplina de química: [...] frequentemente são utilizados conceitos de física moderna. Conceitos como nível quântico principal, nível quântico secundário e radiação são apresentados sem nenhuma dedução quando apresentados pela disciplina citada. Não há, porém, um número signicativo de estudos sobre o aprendizado de modelos atômicos. Os poucos estudos que existem geralmente tratam da controvérsia sobre se a ênfase deve ser dada ao conhecimento atual ou a uma abordagem histórica e quais modelos são mais apropriados para o ensino. (PARENTE et al., 2014, p. 2) Embora o modelo atômico de Bohr seja o mais simples de abordagem quântica, a maioria dos livros não trazem conceitos suficientes para torná-lo de acessível compreensão aos alunos, em todos os seus aspectos e contribuições (SHILAND, 1997). O livro didático é um dos principais instrumentos para orientar o ensino e a aprendizagem do currículo de uma disciplina específica. Por isso, justifica-se analisar como o modelo atômico de Bohr é apresentado nos livros didáticos, pois nos auxilia a pensar criticamente sobre a eficiência de uma das ferramentas pedagógicas mais utilizadas em sala de aula. (LARANJO, 2014) Neste sentido, Tenfen e Tenfen (2017) mencionam que muitos livros didáticos tendem a ignorar o contexto da descoberta, resultando em um grande déficit no poder explicativo. Os livros didáticos oferecem aos professores do Ensino Médio uma abordagem não empirista e não construtivista. Para Peduzzi e Basso (2005), uma sugestão para os livros didáticos seria: Um maior número de figuras e ilustrações, e talvez a ligação dos temas discutidos com sítios da Internet, poderiam tornar o texto ‘menos pesado’ (é quase um artigo científico, como ressalta um dos respondentes!), mais atraente/acessível tanto para o professor como para o próprio aluno. (PEDUZZI e BASSO, 2005, p. 555) Rosa et al. (2014), sugere a interdisciplinaridade para o ensino do modelo atômico de Bohr, visto que o modelo contribui para interrelação entre as ciências com as disciplinas de química, física e biologia. É necessário manter uma linha histórica e não considerar o conhecimento como algo do acaso. Dessa forma, o presente estudo teve como principal objetivo analisar as abordagens do modelo atômico de Bohr nos livros de Química, e se estas promovem a aprendizagem

Material e métodos

Este estudo trata-se de uma Análise Documental com abordagem predominantemente qualitativa. De acordo com Gil (2002, p. 46), a Análise Documental é muito comum em estudos que buscam explorar informações em documentos públicos, presentes em bibliotecas ou arquivos, além de “cartas pessoais, diários, fotografias, gravações, memorandos, regulamentos, ofícios, boletins, etc.” A partir das leituras e análise prévia dos documentos selecionados, utilizou-se a Análise de Conteúdo como procedimento para interpretação dos materiais e, conforme Bardin (2011), agrupamos oito categoriais de critério de análise relacionadas ao Modelo Atômico de Bohr dos livros didáticos: (i) apresenta as limitações do Modelo Atômico de Rutherford que foram superadas pelo Modelo de Bohr; (ii) apresenta a natureza quântica do Modelo Atômico de Bohr; (iii) deduz o Modelo Atômico de Bohr através de seus postulados; (iv) associa o Modelo Atômico de Bohr à explicação das linhas espectrais; (v) usa o Modelo Atômico de Bohr para explicar fenômenos do cotidiano; (vi) faz uso de imagens para representação do Modelo; (vii) apresenta as limitações do Modelo Atômico de Bohr e (viii) apresenta Modelos Atômicos mais recentes. A Análise de Conteúdo foi aplicada em quatro Livros Didáticos, que foram denominados de LD seguido das numerações 01 a 04, da disciplina de Química do primeiro ano do ensino médio que compõe o Programa Nacional do Livro Didático (PNLD) do ano de 2018, que serão referidos ao longo da discussão de acordo com os códigos apresentados: LD01 (CISCATO et al, 2016); LD02 (NOVAIS; ANTUNES, 2016); LD03 (REIS, 2016) e LD04 (SANTOS; MOL, 2016).

Resultado e discussão

O Quadro 1, sintetiza os resultados obtidos a partir das categorias de análise estabelecidos pelas autoras após a leitura dos LD. Categoria 1 - Apresenta as limitações do Modelo Atômico de Rutherford que foram superadas pelas propostas de Bohr: Como ponto de partida para o ensino do Modelo Atômico de Bohr, os livros didáticos partem das limitações que o Modelo Atômico de Rutherford apresentava. Para o desenvolvimento de seu modelo atômico, Bohr teve como ponto de partida o modelo atômico de Rutherford, que havia sido postulado há dois anos e não era amplamente reconhecido na época. No início do século XX, Ernest Rutherford, através de seus experimentos, sugeriu que os átomos consistiam em um núcleo pequeno, denso e carregado positivamente, rodeados por elétrons carregados negativamente, que ocupavam uma grande região conhecida como eletrosfera. No entanto, de acordo com a eletrodinâmica clássica, esse modelo era inconsistente. O eletromagnetismo clássico prevê que toda partícula em movimento circular está constantemente emitindo radiação eletromagnética, ou seja, como esse elétron estaria perdendo energia, consequentemente, ele perderia velocidade e cairia em espiral até se colidir com o núcleo, dessa forma, todos os átomos seriam instáveis. Categoria 2 - Apresenta a natureza quântica do Modelo Atômico de Bohr: No geral, os livros didáticos apresentam a natureza quântica do átomo para explicar o problema da estabilidade atômica. Categoria 3 - Deduz o Modelo Atômico de Bohr através de seus postulados: Após a apresentação da natureza quântica dos átomos, com exceção do LD04, os livros descrevem os principais postulados que deduzem o Modelo Atômico de Bohr. Esses postulados são apresentados por Usberco e Salvador (2002) da seguinte forma: (i) os elétrons descrevem órbitas circulares ao redor do núcleo; (ii) cada uma dessas órbitas tem energia constante (órbita estacionária). Os elétrons que estão situados em órbitas mais afastadas do núcleo apresentarão maior quantidade de energia e (iii) quando um elétron absorve certa quantidade de energia, salta para uma órbita mais energética. Quando ele retorna à sua órbita original, libera a mesma quantidade de energia, na forma de onda eletromagnética (luz). Categoria 4 - Associa o Modelo Atômico de Bohr à explicação das linhas espectrais: Este último postulado apresentado, é usado por LD03 e LD04 para explicar as linhas espectrais, que são energias emitidas quando um elétron passa de uma órbita para outra. Categoria 5 - Usa o Modelo Atômico de Bohr para explicar fenômenos do cotidiano: Além da explicação da linhas espectrais, a maior parte dos livros analisados, exceto LD02, descrevem que os postulados propostos por Bohr permitiram explicar fenômenos cotidianos como, por exemplo, o brilho das lâmpadas de neon e as cores observadas na queima dos fogos de artifício. Quando o conteúdo visto em sala é relacionado com fatos do cotidiano o aprendizado se torna mais significativo, a explicação de fenômenos como arco-íris e fogos de artifícios, podem ser estabelecidas fazendo a relação destes fenômenos com os saltos quânticos do elétron dentro de um átomo. Nesse sentido, visto que o estudo do átomo se constitui de conceitos abstratos, é preciso que os docentes desenvolvam metodologias de ensino que auxiliem no processo de ensino-aprendizado do aluno, de maneira contextualizada e macroscópica por meio de práticas experimentais (SILVA et al. 2014) . Categoria 6 - Faz uso de imagens para representação do Modelo: Todos os livros que compõe o escopo desta pesquisa apresentaram imagens para a representação do Modelo Atômico de Bohr. Os livros didáticos precisam ser elaborados para serem facilitadores no processo de ensino e aprendizagem. Para isso, o uso de imagens e ilustrações são importantes, pois potencializa a motivação e estimula a criatividade dos alunos. Categoria 7 - Apresenta as limitações do Modelo Atômico de Bohr: A maioria dos livros, com exceção do LD03, não apresentam as limitações do Modelo Atômico de Bohr ou Modelos Atômicos mais recentes. Algumas fragilidades e contradições do modelo já eram claras quando foi publicado em 1913, mais tarde, outros problemas se tornaram aparentes com experimentos mais aprimorados e uma teoria atômica melhor elaborada da mecânica quântica. O modelo de Bohr é proposto por meio de postulados, que em si não podem ser provados, no entanto, como são geralmente evidentes, sua aceitação é comumente aceita. No LD03 é ressaltado que um aspecto importante é que o modelo atômico de Bohr funciona muito bem para o átomo de hidrogênio, ou para átomos que têm apenas um elétron, como os isótopos do hidrogênio, ou até mesmo o He+ e Li2+, entretanto, ele não funciona para átomos com mais de um elétron, para esses átomos os resultados de suas equações não condizem com os valores experimentais. Outro ponto a ser relatado aqui neste estudo é que a ideia de uma órbita definida do elétron em torno do núcleo atômico viola o princípio da incerteza, descoberto por Werner Heisenberg em 1927, ao contrário do que o modelo de Bohr descreve, os elétrons no átomo têm certa probabilidade de estar em determinadas área, sendo assim, eles não se movem em órbitas, a ideia de nuvem eletrônica é mais apropriada. Alguns outros problemas do átomo de Bohr são a não consideração da teoria da relatividade, o fato do átomo assumir uma geometria plana e não conseguir explicar as ligações químicas. Categoria 8 - Apresenta Modelos Atômicos mais recentes: O modelo atômico de Bohr é considerado um marco na física teórica, uma vez que a quantização da energia foi integrada pela primeira vez e com sucesso na teoria atômica. Atualmente, existem modelos atômicos mais avançados, no entanto, o modelo de Bohr ainda é o mais conhecido e abordado em livros de química e física do ensino médio. Dentre os livros analisados, apenas LD03 apresenta o modelo atômico de Sommerfeld, que entre 1914 e 1915, propôs algumas correções para a teoria de Bohr, visando resolver algumas inconsistências desse modelo, sugerindo que as órbitas seriam elípticas, além disso, Sommerfeld introduz a relatividade na explicação do movimento dos elétrons. Depois de algumas modificação, o modelo atômico proposto por Bohr foi amplamente aceito no âmbito científico. (VASCONCELOS, 2018) Embora exista modelos atômicos mais aprimorados, como os modelos quânticos de Schroedinger e Heisenberg, para os alunos do ensino médio, o átomo de Bohr continua sendo a principal porta de entrada para atomística quântica. Este modelo possibilita em sala de aula a discussão de propriedade atômicas, sem a necessidade de excussão de cálculos muito complexos (PARENTE et al., 2013).

Quadro 1. Categorias de análise dos livros didáticos



Conclusões

No geral, os livros apresentam modelos atômicos como fatos estabelecidos, não apresentando a abordagem histórica com base na experimentação. Aqueles que defendem uma abordagem histórica consideram o modelo de Bohr como um passo histórico importante na compreensão dos átomos, seu modelo foi construído a partir de evidências experimentais que se tinha na época, como o modelo atômico de Rutherford, as linhas espectrais e os princípios da mecânica quântica. Embora o modelo atômico de Bohr apresente algumas deficiências, ele é claramente superior aos modelos anteriores e em contraste com os modelos atômicos mais modernos, fenômenos atômicos, como as linhas espectrais, podem ser entendidos através de postulados e sem a necessidade de cálculos complexos. O modelo de Bohr ainda é uma alternativa eficaz para explicação de propriedades atomísticas. É evidente que nos anos iniciais do ensino de química, grande parte dos alunos não têm habilidades matemáticas para entender modelos quânticos. Claramente, um entendimento completo da noção moderna no átomo com base na mecânica quântica não seria apropriado no ensino médio. Todavia, é importante que seja apresentado aos alunos que existem teorias atômicos mais recentes. Os resultados deste trabalho mostram que os livros didáticos contemplam a maior parte dos critérios dos critérios de análise e, portanto, consideramos que possibilitam o avanço da aprendizagem.

Agradecimentos

Referências

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CISCATO, C. A. M.; PEREIRA, L. F.; CHEMELLO, E.; PROTI, P.B. Química. 1. ed. São Paulo: Moderna, 2016. v. 1
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