Autores

Lopes, L.C.S. (UFPA) ; Parente, A.G.L. (UFPA)

Resumo

Esse é um estudo (auto)formativo da prática pedagógica de um professor de ciências naturais que assumiu o ensino como investigação com os estudantes sobre o tema alimentação a partir do preparo de mudas, plantio e colheita de temperos, livres de agrotóxicos. Objetivamos apresentar reflexões sobre o conhecimento químico nos anos iniciais projetando novas práticas. A pesquisa ação-investigação da prática ocorreu em uma turma multisseriada, no município de Igarapé-Miri/Pa, no ano de 2018. Os registros produzidos como fotos, textos e entrevistas com os pais, permitiram avaliar a repercussão da prática pedagógica na vida dos estudantes, a contextualização e a interdisciplinaridade dos conteúdos escolares. A reflexão crítica da prática permitiu aprofundamentos sobre os conhecimentos químicos nos anos iniciais.

Palavras chaves

(Auto)formação; Ensino de ciências; Alimentação

Introdução

A (auto)formação requer refletir criticamente sobre as experiências e práticas profissionais, visando novas aprendizagens para o professor. A (auto)formação se opõe ao modelo de formação baseada na racionalidade técnica e compreende que não há soluções técnicas para a complexidade que envolve questões relacionadas ao ensino e a aprendizagem. Nesse sentido, a pesquisa sobre a própria prática assume a perspectiva (auto)formativa, objetivando tornar explícitas as representações sobre o ensino e a aprendizagem, bem como as técnicas e métodos de ensino, proporcionando novas aprendizagens para o professor. André (2016) argumenta sobre a pesquisa da própria prática como um espaço oportuno de analisar os propósitos e ações das atividades do professor. Assim, visamos apresentar e analisar uma prática sobre o tema alimentação no ensino de ciências. O alimento faz parte da vida das pessoas, reflete a riqueza e a cultura de uma sociedade, sendo imprescindível discutir sobre sua qualidade (VALENTE, 2002). No âmbito da escola, poderia alinhar-se com a construção de práticas que valorizassem a contextualização e a interdisciplinaridade. Compreendemos a contextualização como uma estratégia que visa incorporar as vivências e as relações que são estabelecidas numa determinada realidade (WARTHA et al, 2013) e a interdisciplinaridade, como sendo a integração dos conhecimentos de áreas distintas do ensino, que permitem estabelecer relações sobre um assunto que requer um olhar mais amplo (SEVERINO, 1998). Objetivamos neste estudo apresentar uma prática pedagógica e projetar novas discussões sobre os conhecimentos químicos relacionados à temática alimentação. Assim, pretendemos situar novos direcionamentos discutindo sobre agrotóxicos e alimentação.

Material e métodos

A pesquisa sobre a prática pedagógica assume a perspectiva (auto)formativa, na qual o professor é ao mesmo tempo, ator e investigador, gerando aprendizagens novas com o trabalho colaborativo que realiza e a reflexão crítica que propõe delineamentos futuros (Nóvoa 1988). A atividade foi desenvolvida em uma escola multisseriada, na zona rural do município de Igarapé-Miri/Pa, no ano de 2018. A turma era composta por 13 estudantes com idades que variam entre 8 e 11 anos, matriculados nas turmas do 3ª ao 5ª anos do ensino fundamental. A iniciativa surgiu da problemática de conseguir hortaliças e temperos, sendo esses de difícil aquisição. A prática se configurou como uma ação-investigação (THIOLLENT, 1986) visto que buscou-se solucionar um problema local, na qual o professor e estudantes poderiam propor alternativas. Sugerimos à turma, o preparo, o plantio e a colheita dos seguintes alimentos: pimenta de cheiro (Capsicum chinense), pimentão (Capsicum annuum), tomate (Solanum lycopersicum), coentro (Coriandrum sativum) e chicória (Erungium foetidum). Para avaliar a prática pedagógica observamos os registros escritos pelos estudantes, fotos das atividades e entrevista com os pais. No âmbito do mestrado profissional em Docência em Educação em Ciências e Matemática, avaliamos a possibilidade de recuperar a experiência pedagógica produzindo memórias. A produção de tais memórias visa compartilhar potencialidades geradas no âmbito da prática para incentivar a abordagem do conhecimento químico nos anos iniciais. Essa proposição implica em novas aprendizagens para o professor em uma perspectiva colaborativa de parceria entre universidade e escola.

Resultado e discussão

Preparar as sementes, plantar e colher permitiu o grupo lidar com a problemática que viviam na comunidade de outra forma, construindo um alternativa que permitiram relacionar conteúdos escolares. Foram feitas observações sobre as necessidades ambientais para a germinação das sementes e desenvolvimentos dos vegetais, além de discussões sobre seus ciclos reprodutivos, condições ambientais para a sobrevivência dos vegetais. Abordamos atividades experimentais sobre a influência da luminosidade no desenvolvimento da planta. Preparamos o ambiente para plantar as sementes e recorremos a conteúdos matemáticos para isso. Nos registros elaborados pelos alunos foi possível explorar a importância da linguagem como meio de registros, comunicação, introduzindo palavras novas e ampliando as possibilidades de criarmos novos sentidos. Discutimos sobre comunidades tradicionais da Amazônia (com ênfase nas comunidades quilombolas e indígenas) destacando a relação com a aquisição de alimentos e o cultivo de vegetais para a subsistência, incentivando e valorizando iniciativas de cuidar da alimentação. Em entrevistas, os pais se mostraram muito satisfeitos com as atividades. Reconheceram a ação e o engajamento dos estudantes e do professor. Sarria e Scotto (1998) afirmam que a horta escolar apresenta possibilidades de trabalhar conteúdos químicos como: propriedades químicas, transformações, substâncias e soluções. Tais conteúdos poderiam ser relacionados ao assunto agrotóxicos e alimentos industrializados, aprofundando e ampliando as discussões ao construir novas relações.

Figura 1



Figura 2



Conclusões

Preparar sementes, plantar, cuidar e colher no contexto das necessidades da comunidade constitui-se em uma alternativa para lidar com os conteúdos de ensino em uma turma multidisciplinar. Assim, criamos a oportunidade para ensinar ciências, matemática, língua portuguesa, história e geografia. Recuperar a prática pedagógica considerando o processo (auto)formativo permitiu avaliar possibilidades de introduzir novas discussões, mas desta vez valorizando o conhecimento químico nos anos iniciais.

Agradecimentos

Referências

ANDRÉ, Marli. Formar o professor pesquisador para um novo desenvolvimento profissional. In: Práticas inovadoras na formação de professores. Papirus Editora, 2018. p. 17-34
NÓVOA, António. A formação tem que passar por aqui: as histórias de vida no Projeto Prosalus. O método (auto) biográfico e a formação. Lisboa: Ministério da Saúde, p. 107-130, 1988.
SARRÍA, EHG; SCOTTO, A. L. Alimentos: uma questão de química e de cozinha. Didática das ciências naturais: contribuições e reflexões. Tradução de Beatriz Affonso Neves. Porto Alegre: Artmed, p. 185-237, 1998.
SEVERINO, Antônio Joaquim. Conhecimento pedagógico e a interdisciplinaridade: o saber como intencionalização da prática. In: Vani Catarina Arantes Fazenda (Organizadora). Didática e Interdisciplinaridade. Campinas, SP: Papirus, 1998.
THIOLLENT, Miguel. Metodologia da Pesquisa-Ação. São Paulo: Cortez: Autores Associados, 1986.
VALENTE, Flávio LS. Segurança alimentar e nutricional: transformando natureza em gente. Direito à alimentação: desafios e conquistas. São Paulo: Cortez, p. 103-36, 2002.

WARTHA, Edson José; SILVA, EL da; BEJARANO, Nelson Rui Ribas. Cotidiano e contextualização no ensino de química. Química nova na escola, v. 35, n. 2, p. 84-91, 2013.