Autores

Capistrano, F.F.D. (UFPA) ; Sena, E.T.T. (UFPA) ; Santos, J.K.R. (UFPA)

Resumo

Este trabalho é fruto de intervenções didáticas realizadas no âmbito do Ensino Remoto Emergencial, com alunos de uma escola localizada no município de Ananindeua- Pa. Objetivou-se avaliar o uso de memes como instrumento facilitador do aprendizado do tema soluções. Como objeto de estudo, foram analisados os memes produzidos por alunos da 2ª série do Ensino Médio, de modo a observar o seu entendimento acerca de tais produções intelectuais. Destaca-se o uso satisfatório dos memes como mediador do conhecimento químico, pois foi evidenciado maior associação conceitual em detrimento apenas do viés cômico. Por fim, defende-se o uso deste recurso por professores que almejam ensinar química de modo atrativo, promovendo maior participação de seus alunos.

Palavras chaves

Memes; Ensino de Química; Ensino Remoto Emergencial

Introdução

A geração de alunos que vivenciam o novo quadro educacional remoto (ERE), denominada por muitos como “geração Z”, possui como uma de suas muitas marcas, sua constante inserção na denominada cultura cibernética, definida como o conjunto de técnicas (materiais e intelectuais), de práticas, de atitudes, de modos de pensamento e valores que se desenvolvem juntamente com o crescimento do ciberespaço (LÉVY, 2010). Com a popularização da cultura cibernética e consequente expansão do ciberespaço, observa-se o uso generalizado de plataformas e aplicativos online, como as diversas redes sociais existentes, muito presente nas vivências dos internautas. Nesse terreno cibernético surge uma linguagem expressiva/comunicativa, muito recorrente na vivência dos então proclamados por muitos autores como nativos digitais, que são os memes. Os memes, na internet, expandem-se de maneira extremamente rápida, atingindo milhões de replicações em poucos dias e até horas, rompendo as barreiras de língua e espaço (ARISTIMUÑO, 2014). O termo meme tem sua origem no trabalho do biólogo Richard Dawkins em sua obra intitulada “O gene egoísta” (1976). Dawkins buscava um termo para nomear a unidade de informação cultural, uma analogia ao gene, que é uma unidade de informação genética (JOKURA, 2017). Dawkins desenvolve que analogamente à propagação dos genes em situações específicas do mundo biológico, os memes difundem-se com facilidade no plano das ideias, cultura e do cotidiano dos indivíduos sofrendo mutações ao longo do processo. No entanto, Rocha (2020) alerta que o uso dessas ferramentas tem sido feito apenas em uma perspectiva instrumental, de forma limitada, que acaba reduzindo o ensino a uma prática meramente transmissiva e informativa, havendo assim a necessidade da criação de modelos de aprendizagem em espaços virtuais que promovam um ambiente de aprendizado colaborativo e dialógico (ROCHA, 2020 apud MOREIRA, 2018). Os memes possuem um forte teor comunicativo devido a particularidades no desenvolvimento de sua linguagem, sendo caracterizados por muitos autores como um gênero textual discursivo. O gênero discursivo meme constitui-se, portanto, como um enunciado verbo-visual. Importa, nesse caso, o significado visual produzido por intermédio da imagem e da materialidade linguística, ou a comunicação visual (KALANTZIS et al., 2016). Tomando como foco de discussão o ensino de química, especificamente, tem-se como pauta, dificuldades que sempre foram recorrentes como a explanação de conceitos puramente teóricos e com níveis consideráveis de abstração somadas às dificuldades proporcionadas pela prática remota de ensino, propiciando uma tendência ao desenvolvimento de aulas de caráter puramente expositivo e com baixa participação dos alunos. Considerando tais dificuldades no ensino de química no advento do remoto e difusão conjunta deste com a perspectiva da cultura cibernética, tem-se concretizado a relevância e viabilidade da utilização de recursos metodológicos alternativos que estão muito presentes no cotidiano dos alunos, como os memes. Nessa perspectiva, os memes dão-se como um importante recurso didático-pedagógico devido à sua potencialidade de gerar debates por meio da propagação de informações com teor humorístico, cujo sentido, dá-se pela relação da interpretação verbal e imagética do receptor. Assim, acredita-se que ao trabalhar com análise e produção de memes, o professor contribui com a formação de alunos críticos e criativos, à medida que esse recurso, aciona e desenvolve o conhecimento prévio do aluno (ANDRADE, 2018; MASSARUTO, VALE, ALAIMO; 2017). No intuito de viabilizar a compreensão dos conceitos químicos, os memes representam uma estratégia metodológica promissora, pois, conforme afirma Araújo (2012), os memes são construtivos pela forma como são apresentadas as informações. Isto porque na produção de um meme o aluno faz uso de um sentido já estabelecido no meme original e constrói um novo significado a este, ou seja, faz uso de sua compreensão química e criatividade para criar um produto com uma abordagem química, mantendo-se preferencialmente o teor cômico. Partindo da necessidade de metodologias que viabilizem um aprendizado satisfatório e participativo no âmbito do ERE, este trabalho tem por objetivo evidenciar, a partir de memes produzidos pelos alunos e a compreensão destes acerca de tais produções, a viabilidade e potencialidade que tal recurso possa alcançar como instrumento facilitador no ensino-aprendizado de química.

Material e métodos

Este trabalho de caráter qualitativo, teve como objeto de estudo os memes produzidos pelos estudantes da 2ª série do Ensino Médio da Escola Estadual Pitágoras, localizada no município de Ananindeua-Pa, totalizando 34 produções imagéticas autorais, cuja criação visava explorar conceitos relacionados ao conteúdo de soluções, tema das aulas ministradas. Logo, estes deveriam abordar conceitos de soluções insaturadas, saturadas e supersaturadas. Vale destacar que todos os memes analisados foram numerados e identificados conforme modelo sequencial: M1, M2, M3… até o M34. Para visualização dos memes e dos fatos aqui explanados, foram produzidas duas Figuras, cujo intuito é demonstrar os pontos centrais das análises feitas. Para tal produção autoral dos estudantes, foram indicados dois aplicativos disponíveis gratuitamente pela plataforma Play Store de diversos smartfones, como: Memesik - Criar Memes e Meme Generator Free. Assim, os autores deste trabalho não tiveram gerência sobre a escolha das imagens, sendo de responsabilidades dos idealizadores dos programas. Eles disponibilizam em seu acervo milhares de memes editáveis que favorecem o acionamento criativo de quem o faz uso. A proposição didática supracitada foi elaborada em grupo e fazia parte de uma estratégia metodológica para inovar as aulas de química realizadas de modo virtual, em função da pandemia do coronavírus. Tal proposta foi baseada nas ideias de Vasconcelos e Dionisio (2013) sobre colocar os alunos no centro do processo criativo e ativo de sua aprendizagem. Assim, inicialmente, foi proposto aos alunos a produção de seus próprios memes, de modo a fazê-los sentirem-se mais participativos no contexto do ERE e, por consequência, estimulá-los em seu processo inventivo e crítico-científico. Posteriormente, as produções foram apresentadas aos demais cursistas e discutidas sobre a interpretação do conhecimento químico alcançado. A análise dos memes produzidos pelos alunos, estruturou-se nos critérios de Compreensão e Avaliação formuladas por Lemke (2010). Sintetizadas em duas etapas assim descritas: Compreensão (produção imagética): Desta forma, preocupou-se em identificar os termos químicos utilizados pelos alunos para expressar seus conhecimentos sobre o assunto abordado em sala e, entender como foram aplicados com o gênero humorísticos dos memes produzidos por eles. Avaliação (comunicação da ideia): Nesta etapa, foi observada a leitura e expressão interpretativa dos alunos sobre os memes elaborados. Logo, preocupou-se em averiguar nos memes produzidos se o aluno conseguiu demonstrar seu domínio conceitual. Dito isso, a atividade foi desenvolvida em duas aulas com duração de 1h cada, na modalidade remota de ensino por intermédio da plataforma Google Meet.

Resultado e discussão

A avaliação sobre os memes produzidos pelos alunos, inicialmente foi pautada na produção imagética e comunicação da ideia. Ou seja, pertinência da produção com a temática soluções, e posterior associação do produto imagético com o conhecimento químico. As produções foram classificadas de acordo com níveis de complexidade e pretensão educativa, a saber: a) aprofundamento conceitual e exemplificação do conceito químico, b) teor humorístico com maior destaque. Constatou-se que dos 34 memes produzidos: 06 não possuem conexão teórica com o conteúdo de soluções, evidenciando a dificuldade de assimilação do conteúdo por parte dos alunos que os produziram; 07 abordam os conceitos químicos de forma insuficiente, evidenciando a necessidade de um reforço conceitual visando a melhoria no entendimento; e 21 memes abordam os conceitos de soluções de forma coerente, evidenciando a assimilação satisfatória sobre o conteúdo trabalhado. Em função desta pesquisa estar pautada em uma análise que visa compreender e avaliar como os memes dão-se como instrumento facilitador do aprendizado químico no âmbito do ERE, o primeiro aspecto (a) foi o mais valorizado, por entender que os alunos deveriam evidenciar a relação conceitual com maior aprofundamento. Considerando isso, dos 34 memes, 21 produções foram consideradas satisfatória no que tange ao aspecto almejado para fins didáticos e pedagógicos ao Ensino de Química. Apesar disso, destaca-se que o segundo agrupamento, também foi considerado no processo educativo dos estudantes, pois suscitou reflexões sobre superficialidade na utilização conceitual, relações de discriminação e falta de associação ou uso conceitual dos termos científicos. Assim, no segundo aspecto (b), 13 memes tiveram assimilação conceitual de forma insatisfatória. Isto posto, objetivou-se, a partir de cada um deles, inteirar-se dos mecanismos criativos utilizados pelos estudantes, de modo a observar como o emprego de tais estratégias evidenciam o seu nível de entendimento sobre o assunto. (a) Aprofundamento conceitual Dentro desse aspecto, preocupou-se em avaliar se os estudantes abordaram, nos memes produzidos, o conteúdo químico (tópico de soluções) de modo condizente à grade curricular do Ensino Médio e se faziam uso de explicações mais diretas ou pautadas em exemplos do cotidiano. Isso foi feito na perspectiva de identificar se eles conseguiram assimilar os conceitos de soluções de forma satisfatória ao ponto de expô-los adequadamente em suas produções. Assim, foram investigadas a presença de fugas no tema e a coerência conceitual através do uso apropriado de linguagens técnico-científicas acerca do conteúdo trabalhado. Como neste eixo foi valorizado o aprofundamento conceitual, destacou-se o fato de os estudantes associarem mais dois conceitos ilustrativos, pois isso evidenciaria uma maior estruturação conceitual. De modo concomitante, também foi observada a exemplificação dos conceitos químicos, com aplicação no cotidiano, a ocorrência da citação dos termos conceituais, ou associação de um exemplo sem maior aprofundamento conceitual ou associação com outros processos. Há ocorrências de produções que se destacam de forma mais conceitual que humorística fazendo uso de exemplificações, como exemplo os memes “M5” e “M20” (Figura 1). Em alguns memes, apesar da ausência de exemplificação, os alunos fizeram uso de linguagens mais técnicas para expressar suas ideias como destacada na produção “M34” (Figura 1), evidenciando domínio sobre o conteúdo trabalhado. Também tiveram elaborações com menor aprofundamento ou relação conceitual, mas que fazem uso de linguagens técnicas pautadas mais no teor humorístico das imagens, como no meme “M21” (Figura 1) evidenciando o bom entendimento dos alunos sobre o que estavam abordando em suas produções. Acerca disso, pode-se afirmar que os estudantes ao fazerem o uso de exemplificações nos memes, acabou por evidenciar o seu senso crítico-científico acerca dos fenômenos ocorrentes em sua realidade pessoal. Logo, os memes nessa categoria, podem ser vistos como um instrumento que possibilitou a expressão e trabalho de visões associativas, evidenciando o seu domínio sobre o conteúdo explanado. Logo, os memes com teor humorístico e com uso de exemplificação foi o eixo mais observado nas produções, evidenciando o acolhimento da atividade e bom alcance didático e de aprendizagem dos estudantes sobre o tópico soluções. (b) O teor humorístico em destaque Neste tópico, observou-se o teor humorístico como maior evidência. Quer dizer que os alunos evidenciaram mais viés cômico da palavra (destacando o sentido figurado, com valor conotativo) do que a aplicação ou associação conceitual. Também foram observados memes que apesar de trazerem uma abordagem química e com teor humorístico, não foram fiéis ao tema proposto pela atividade. Logo, o agrupamento deste tópico representa os 13 memes, correspondendo ao total das produções insatisfatórias de acordo com os objetivos educacionais traçados. A partir dessas produções, foi possível averiguar a percepção do aluno sobre o conteúdo de soluções e as possíveis causas para o seu baixo entendimento. Assim, foram identificados memes com teor humorístico, mas sem ao menos citar qualquer conceito químico como no meme “M23” (Figura 2), evidenciando a sua total ausência de entendimento sobre a atividade que havia sido proposta. Além disso, também, observou-se a presença acentuada de memes mais humorísticos que abordavam conceitos de misturas como no meme “M1” (Figura 2), evidenciando a limitação na compreensão do aluno, à medida que este, ao explicar tais conceitos, não desenvolve a sua relação com os conceitos de soluções. No entanto, compreende-se que tais formulações evidenciam que o aluno, apesar de não adentrar nos conceitos específicos de soluções, as entende como sendo uma mistura homogênea. Sobre isso, afirma-se que as produções dos memes analisados nessa categoria, demonstram que a preocupação em formular memes mais humorísticos, acaba por fazê- los deixar de lado o aprofundamento ou associação dos conceitos de soluções, dificultando assim, o seu entendimento sobre o conteúdo proposto. De igual modo, pode-se dizer isso sobre as produções que abordam conceitos de mistura, pois estes, ao fazer tal conceituação, deixaram o lado humorístico prevalecer a uma abordagem que viabilizasse o entendimento da sua relação com os conceitos de soluções. Logo, observa-se que o teor humorístico, quando prevalece à uma abordagem mais conceitual, acaba por dificultar a assimilação do aluno sobre o conteúdo proposto. No entanto, os memes com abordagem satisfatória foram maioria nos resultados observados. E, a partir disso, conclui-se que o uso dessa ferramenta didática no ensino de química foi satisfatório.

Figura 1 - Memes centrais da análise do eixo (a)



Figura 2 - Memes centrais da análise do eixo (b)



Conclusões

O estabelecimento da cultura cibernética atrelada às condições de desenvolvimento do ensino remoto é uma realidade incontestável na vida de estudantes e docentes da educação básica. Logo, os educadores químicos, no intuito de contornar as dificuldades e desinteresse recorrentes ao longo da disciplina, devem repensar e adaptar suas estratégias e ferramentas metodológicas visando o acompanhamento da realidade que seus alunos estão inseridos e, com isso, proporcionar melhorias no processo de ensino aprendizado da disciplina. Existem poucas investigações científicas sobre a utilização de memes que trabalhem especificamente no campo do ensino de química, evidenciando que muito ainda há de ser explorado e debatido sobre o potencial que tal recurso tem dentro da área em questão. Porém, como foi evidenciado nos resultados desta pesquisa, os memes demonstraram-se muito construtivos no processo de aprendizado dos conceitos químicos trabalhados. A partir da produção feita pelos estudantes pôde ser visualizado por intermédio da maioria dos produtos obtidos o ótimo nível de compreensão sobre os conteúdos trabalhados, bem como, o teor criativo e humorístico sutil, mas perceptíveis em tais produções. Por fim, defende-se na presente construção acadêmica o uso de memes como ferramenta facilitadora no processo de ensino-aprendizado de química por proporcionar aos alunos uma forma de ensino inovadora, atrativa que levou os estudantes ao centro do processo criativo da aula de química, fazendo desse não meramente um observador, mas um participante-colaborador no processo de aprendizagem.

Agradecimentos

À Universidade Federal do Pará, Campus Ananindeua pela boa formação. À nossa orientadora pelo suporte dado ao longo desta produção. À CAPES pela bolsa no Programa Residência Pedagógica.

Referências

1. ANDRADE, A. M.A. A Utilização de Memes como Ferramenta Didática No Ensino De História. I Encontro de Saberes Históricos. FAFIC, UERN. 2018.
2. ARISTIMUÑO, Felipe. O meme como expressão popular no ensino de arte - Alguns pensamentos e conceitos base do projeto EVMS. Art&. (São Paulo. Online), v. 12, p. 12, 2014.
3. ARAÚJO, J. X. Memes: a linguagem da diversão na internet. Análise dos aspectos simbólicos e sociais dos Rage Comics. Monografia final do curso de Comunicação Social/Jornalismo da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro, 2012.
4. JOKURA, T. De onde surgiu a palavra “meme”. 2017. Disponível em: <https://super.abril.com.br/blog/oraculo/de-onde-surgiu-a-palavra-meme/>. Acessado em: 16/05/2018.
5. KALANTZIS, M. et al. Literacies. 2. ed. Cambridge: Cambridge University Press, 2016.
6. LEMKE, J. Letramento metamidiático: transformando significados e mídias. Trabalhos em Linguística Aplicada, Campinas, 49, p. 455-479, jul./dez. 2010.
7. LÉVY, Pierre. Cibercultura. Tradução de Carolos Irineu da Costa. São Paulo: Editora 34, 2010. 1ª ed em 1999.
8. MASSARUTO, F.A.; VALE, L.F.; ALAIMO, M.M. Educomunicação: O meme enquanto gênero textual a ser utilizado na sala de aula. Revista Pandora Brasil. Vol 83. n.1. 2017.
9. MOREIRA, J.A.M. Transitando de um ensino remoto emergencial para uma educação digital em rede, em tempos de pandemia. Dialogia, n.34, p. 351-364, 2018.
10. ROCHA, M. B. (Re)Aprender a ensinar em tempos de Covid-19: discutindo os desafios na prática docente. Revista Práxis, v. 12, n. 1 (Sup.), dezembro, 2020.
11. VASCONCELOS, Leila Janot de; DIONÍSIO, Angela Paiva. Multimodalidade, capacidade de aprendizagem e leitura. In: Múltiplas linguagens para o ensino médio. BUNZEN, Clecio; MENDONÇA, Márcia (orgs.). São Paulo: Parábola Editorial, 2013, p. 43-67.