Autores

dos Santos, D.G.L. (UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO) ; de Lima, M.S. (UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO) ; Queiroz, S.L. (UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO)

Resumo

Este trabalho buscou realizar a análise da qualidade do argumento em textos escritos de estudantes do ensino superior de Química. Os textos analisados são resultantes de uma atividade baseada na resolução de um estudo de caso de caráter interrompido. A fundamentação teórico-metodológica para análise e discussão dos textos repousa nos estudos acerca da argumentação científica escrita e status epistêmicos propostos por Kelly e Takao. Foi possível verificar que os alunos foram capazes de apresentar argumentos fundamentados em dados e informações da literatura, indicando sua relativa compreensão do poder retórico que tais evidências trazem à argumentação científica.

Palavras chaves

Argumentação cientifica; Ensino de química; Níveis epistêmicos

Introdução

Apesar do aumento considerável no número de estudos acerca da argumentação (SOUZA; QUEIROZ, 2019), existe ainda uma escassez quanto àqueles dedicados à análise de argumentos científicos no ensino superior de Química (SÁ; QUEIROZ, 2007). Dentre as atividades didáticas que podem fomentar a argumentação, cita-se os estudos de caso interrompidos (ECI), que se caracterizam pela adição gradativa de informações à narrativa (LIMA et al., 2022). Nesta variação, a narrativa é construída com base no conteúdo de um artigo de pesquisa (HERREID, 2005), e desta maneira, o caso retratará um problema que foi realmente enfrentado por pesquisadores. O objetivo deste trabalho é analisar a argumentação escrita de estudantes do ensino superior de química a partir da aplicação de um ECI sobre a temática de análise de sedimentos em recursos hídricos. O caso utilizado neste trabalho foi criado a partir do estudo de Voigt et. al. (2016), acerca dos efeitos de atividades agrícolas próximas a rios e barragens realizadas sem planejamento ambiental. Quando os cientistas argumentam, eles realizam movimentos retóricos que se iniciam com a apresentação das contingências específicas dos seus experimentos até alcançarem o estabelecimento de generalizações (LATOUR, 2000). Ou seja, os argumentos são iniciados com a indução dos fatos pelo uso dados (gráficos, tabelas etc.) até a apresentação de asserções gerais e teóricas. A partir disso, Kelly e Takao (2002) propõem um modelo que busca capturar as os movimentos realizados na argumentação, propondo seis níveis epistêmicos (NE) para tal, como aqueles ilustrados na Figura 1. Visto que o modelo é ainda dependente da tarefa e da área do conhecimento em questão, os níveis apresentados na Figura 1 estão redefinidos de acordo com os conteúdos abordados no ECI.

Material e métodos

O ECI foi aplicado junto 2 grupos de 4 bacharelandos em Química matriculados em uma disciplina de comunicação cientifica. O caso é dividido em 4 partes e contava com atividades de levantamento de hipóteses na Parte I, delineamento de um procedimento experimental (escolha de pontos de amostragem e de técnica analítica instrumental) na Parte II, debate e comparação de procedimentos experimentais na Parte III, e avaliação e discussão de dados de concentrações de metais pseudototais e biodisponíveis em sedimentos na Parte IV. Como atividade final, cada aluno preparou um texto com estrutura semelhante à de um artigo, que abordasse o processo de resolução do caso. O corpus de análise deste estudo se constitui nas seções Resultados e Discussão e Conclusões de quatro textos selecionados, nos quais seus estudantes-autores deveriam ter assinado um Termo de Consentimento Livre e Esclarecido e ter participado de todas as atividades de aplicação do ECI. Cada um dos textos foi dividido em Unidades de Análise (UA) que consistem em proposições terminadas com um ponto final. Cada uma das proposições UA foi classificada nos NE da Figura 1. A partir desta classificação, Kelly e Takao (2002) estabelecem três critérios para avaliar a qualidade dos argumentos: i. São mais fortes os argumentos que distribuem as proposições de maneira balanceada entre os NE. ii. São mais fortes os argumentos que relacionam várias fontes de dados (NE inferiores) às afirmações teóricas (NE superiores). iii. São mais fortes os argumentos que apresentam maior predominância de assertivas teóricas (NE superiores) na seção de Conclusões.

Resultado e discussão

A Figura 2 apresenta a distribuição das UA (proposições) dos 4 textos analisados, e um exemplo de proposição elaborada pelo Estudante 1 junto à sua classificação em NE, de acordo com a Figura 1. A partir da Figura 2, nota-se que, para os textos dos Estudantes 1 e 2, as proposições se distribuíram equilibradamente ao longo de todos os NE, demonstrando atendimento ao primeiro critério e indicando que sua argumentação possui proposições de diferentes naturezas, como exemplificado na Figura 2. No trecho proposto, são estabelecidas comparações entre os dados (NE III), avalia os dados com base em normas técnicas (NE II e VI) e estabelece uma conclusão (NE V). Já para os Estudantes 3 e 4, as proposições se classificam nos três últimos NE, o que indica um maior foco para o uso de informações embasadas por normas técnicas e respaldadas pela literatura, mas sem exploração significativa dos dados provenientes no ECI. Com base no segundo critério, os argumentos dos Estudantes 1 e 2 são melhores do que os do 3 e 4, visto que os primeiros possuíam um equilíbrio entre as proposições de NE I e NE VI e V, o que indica a elaboração de conclusões respaldadas em dados. Por fim, em relação ao terceiro critério, os Estudantes 1, 2, 3 e 4 possuíam, respectivamente, 2, 0, 0 e 1 proposições de níveis inferiores na seção de Conclusões, e 7, 3, 7 e 9, em Resultados e Discussão. Ou seja, todos os textos atenderam ao critério, com destaque para os Estudantes 2 e 3, nos quais não são encontradas proposições de níveis I, II ou III nas Conclusões, ou seja, de acordo com o critério, estes estudantes produziram argumentos mais fortes.

Figura 2

Distribuição nos NE das proposições presentes nos textos dos quatro estudantes que solucionaram o caso "Uma barragem que não está para peixe".

Figura 1

Níveis epistêmicos para a análise de argumentos escritos pelos estudantes acerca das resoluções escolhidas para o problema abordado no ECI.

Conclusões

Os resultados do presente trabalho demonstraram que os alunos foram capazes de apresentar argumentos fundamentados em dados e informações da literatura, indicando sua relativa compreensão do poder retórico que tais evidências trazem à argumentação científica. Através do Modelo Adaptado, que se mostrou efetivo para a avaliação de argumentos escritos pelos estudantes, foi possível analisar como os alunos correlacionam, em maior ou menor extensão, assertivas teóricas e empíricas para construir um texto científico.

Agradecimentos

À FAPESP (processos 2018/23809-3, 2020/14789-9 e 2021/06074-2) e ao CNPq (processo 304974/2020-0) pelo apoio financeiro.

Referências

[1] SOUZA, N. S.; QUEIROZ, S. L. Argumentação colaborativa apoiada por computador no ensino de ciências: uma revisão. Revista Brasileira de Ensino de Ciência e Tecnologia, v. 12, n. 3, p. 131-157, 2019

[2] SÁ, L. P.; QUEIROZ, S. L. Promovendo a argumentação no ensino superior de química. Química Nova, v. 30, n. 8, p. 2035-2042, 2007.

[3] LIMA, M.S; OLIVEIRA, I. M; QUEIROZ, S. L. Estudo de Caso Interrompido na Promoção de Conhecimento Ambiental de Graduandos em Química: Resíduos Sólidos Urbanos em Foco. Química Nova na Escola, v. 44, n. 2, p. 149–159, 2022.

[4] HERREID, C. F. The interrupted case method. Journal of College Science Teaching, v. 35, n. 2, p. 4-5, 2005.

[5] LATOUR, B. Ciência em ação: como seguir cientistas e engenheiros sociedade afora. São Paulo: Editora UNESP, 2000.

[6] KELLY, G. J.; TAKAO, A. Epistemic levels in argument an analysis of university oceanography students’ use of evidence in writing. Science Education, v. 86, n. 3, p. 314-342, 2002.