Autores

Nogueira Sanches, V. (UNESP-IBILCE) ; Gois, J. (UNESP-IBILCE)

Resumo

NESTE TRABALHO SÃO APRESENTADOS RESULTADOS DE PESQUISA REALIZADA COM LICENCIANDOS DE UM CURSO DE QUÍMICA EM ATIVIDADES DE ESTÁGIO CURRICULAR SUPERVISIONADO DE UMA UNIVERSIDADE PÚBLICA DO INTERIOR DO ESTADO DE SÃO PAULO. POR QUESTIONÁRIOS, ENTREVISTAS, SEMINÁRIOS E RELATÓRIOS, FORAM OBTIDOS DADOS SOBRE A ARTICULAÇÃO DE ENTRE SABERES TECNOLÓGICOS, PEDAGÓGICOS E DE CONTEÚDO (TPACK) MOBILIZADOS POR ESSES LICENCIANDOS. UTILIZAMOS ANÁLISE TEXTUAL DISCURSIVA PARA ANÁLISE DOS DADOS A PARTIR DE CATEGORIAS A PRIORI. OBSERVAMOS QUE PREVALECE NESTE GRUPO DE LICENCIANDOS AS CATEGORIAS TPACK E TPK, O QUE DEMONSTRA ÓTIMA HABILIDADE DE ARTICULAÇÃO ENTRE SABERES TECNOLÓGICOS, PEDAGÓGICOS E DE CONTEÚDO.

Palavras chaves

TPACK; Formação de Professores; Química

Introdução

O uso de tecnologia está amplamente difundido na sociedade em seus múltiplos espaços. Diversas tecnologias estão presentes no nosso cotidiano, inclusive em laboratórios didáticos de química e salas de aulas. O acesso a tais tecnologias também ocorre cada vez mais cedo no desenvolvimento humano com consequências ainda não plenamente compreendidas até o momento. A ampla presença de tecnologias também impacta a formação profissional docente, já que as novas gerações apresentam familiaridade com o uso de tecnologias e os docentes são incentivados a utiliza-las de diversas formas. As pesquisas sobre o uso de Tecnologias da Informação e Comunicação (TIC) em nosso país dão relevância para a Educação Básica e o Ensino Superior (MARIN; BERVIAN; GÜLLICH, 2019). Dentre os referenciais teóricos frequentemente utilizados nas pesquisas sobre formação docente, encontra-se o TPACK (Technological Pedagogical Content Knowledge) (SANTOS NETO; STRUCHINER, 2019), apoiado nas concepções de Conhecimento Pedagógico de Conteúdo (PCK) (SHULMAN, 1987; CIBOTTO; OLIVEIRA, 2017). Com isso, os saberes relacionados ao uso de TIC podem ser compreendidos como parte de um conjunto maior de saberes. Tanto no PCK quando no TPACK há um foco no conhecimento especifico relacionado à formação e prática docente. Nesse sentido, a concepção central é de uma intersecção entre tipos distintos de conhecimento, que formam saberes docentes específicos. Para Shulman (1987), ao partir das concepções de PCK, o professor adquire a capacidade de transformar um conteúdo monótono em uma aula didaticamente envolvente, onde tanto estudantes quanto docentes estariam engajados nas atividades de ensino e aprendizagem da sala de aula. Nesse sentido, o conhecimento do tipo PCK distinguiria um professor de um especialista na matéria a ser estudada. Já o TPACK (CIBOTTO; OLIVEIRA, 2017) coloca em relevo o Conhecimento do Conteúdo (CK), o Conhecimento Pedagógico (PK) e o Conhecimento Tecnológico (TK). A articulação dos três tipos de conhecimento, tomando dois conhecimentos de cada vez, acaba resultado em mais três tipos de conhecimentos. A primeira intersecção é denominada de Conhecimento Pedagógico de Conteúdo (PCK) e se refere à articulação entre PK e CK. A segunda intersecção é chamada de Conhecimento Tecnológico-pedagógico (TPK) e se refere à articulação de PK e TK. Por fim, a terceira e ultima intersecção é o Conhecimento Tecnológico do Conteúdo (TCK) e se refere à articulação entre TK e CK. O TPACK seria o resultado da articulação dos três conhecimentos já articulados anteriormente (PCK, TPK e TCK) (Figura 1). O TPACK foi apresentado inicialmente com a intenção de auxiliar na formação de professores (KOEHLER; MISHRA, 2005). Os autores elaboraram diálogos que procuram articular a formação docente, o uso de TIC, os conhecimentos pedagógicos e os conhecimentos específicos das disciplinas. Na formação de professores de professores de ciências (SANTOS NETO; STRUCHINER, 2019) e de química (MARTINS; CARBO; SOARES, 2021; GOIS, 2020) o TPACK se apresenta como importante referencial teórico que possibilita compreender de que maneira os licenciandos podem elaborar significados sobre o uso didático de TIC durante a formação inicial. Os resultados mostram a mobilização de conhecimentos nos diversos níveis, bem como ampla conexão entre os domínios de conhecimentos e a própria articulação central TPACK. Também há evidências de que as atividades propostas na formação docente têm um papel central na elaboração desses saberes, o que torna a formação inicial docente o principal processo de elaboração de saberes docentes. A formação docente com base nesses saberes possibilita a melhoria do ensino de Química na Educação Básica, o que possibilitará melhor exercício da cidadania por parte dos alunos. Também possibilitará a elaboração de aulas com ferramentas atualizadas de ensino e aprendizagem, que viabilizam o uso de recursos de visualização e manipulação de objetos moleculares virtuais, que possibilitam melhor compreensão das concepções da Química. As concepções TPACK sobre saberes docentes viabiliza a elaboração de atividades de ensino e aprendizagem utilizando ferramentas tecnológicas que ou já fazem parte do cotidiano dos alunos, ou possibilitará o uso dessas ferramentas no futuro. A própria percepção dos alunos sobre os conteúdos de química pode ser modificada positivamente com o uso de TIC. Neste trabalho analisamos a presença de categorias pedagógicas, tecnológicas e de conteúdos presentes em atividades de estágio curricular supervisionado de alunos de licenciatura em química de uma universidade pública do interior do estado de São Paulo.

Material e métodos

Esta pesquisa foi realizada com abordagem qualitativa do tipo estudo de caso (BOGDAN; BIKLEN, 1994). Os sujeitos de pesquisa foram 14 alunos de graduação em química na modalidade licenciatura, matriculados em uma universidade pública do interior do estado de São Paulo. Os participantes estavam matriculados em 2019 em disciplina de estágio curricular supervisionado do sétimo semestre de um curso que tem duração de oito semestres, com idades entre 23 e 26 anos. Estes alunos já haviam cursado disciplinas de cunho teórico-prático nas quais estudaram sobre a importância e formas de uso de TIC. Os licenciandos foram convidados a participar e aqueles que aceitaram assinaram o termo de consentimento do projeto de pesquisa, e são identificados neste trabalho como L1, L2, l3 etc. com a finalidade ética de preservar a identidade dos participantes. Para a coleta dos dados foram utilizados um questionário de concepções prévias, uma entrevista semi-estruturada realizada durante a aplicação dos estágios de regência, a apresentação de um seminário no final da aplicação dos projetos de regência e os relatórios finais de estágio. As entrevistas e os seminários foram gravados em formato de vídeo e os questionários e relatórios foram obtidos na forma de texto escrito. No quadro 1 destacamos as perguntas feitas a cada entrevistado. As entrevistas foram gravadas e as respostas foram transcritas, a partir de onde se realizou as análises e categorizações. Quadro 1 – Perguntas do questionário (Q), entrevista (E) e relatório (R) Q1 – O que você considera como uso de tecnologia para o ensino de Química? Q2 – Quais são os principais desafios e dificuldades para utilizar tecnologias no ensino de Química no ensino básico? E1 – Como você está utilizando tecnologia no estágio? E2 – Que outras ferramentas tecnológicas você poderia utilizar nestas atividades? R1 – Descreva a facilidade/dificuldade que você teve para elaborar a atividade com tecnologia. R2 – Descreva a facilidade/dificuldade que os alunos da escola tiveram para realizar as atividades com tecnologia. R3 – Como as atividades realizadas auxiliaram no processo de ensino e aprendizagem? Fonte: GOIS (2020). Os dados em vídeo foram transcritos e, junto com dos dados já textuais, formaram o corpus da pesquisa. Com base nos princípios da ATD (Análise Textual Discursiva) (MORAES; GALIAZZI, 2006), os textos foram unitarizados e categorizados de acordo com o referencial teórico TPACK (Quadro 2). Após a categorização, as ocorrências de cada categoria foram contabilizadas. Quadro 2 – Categorias atribuídas às falas dos entrevistados. Categoria Descrição Sigla Tecnológica e Conteúdo Articulação entre tecnologia e conteúdo. TCK Tecnológica e Pedagógica Articulação entre tecnologia e pedagogia. TPK Conteúdo e Pedagógica Articulação entre conteúdo e pedagogia. CPK TPACK Articulação de todos os elementos. TPACK Fonte: Elaborado pelos autores (2022).

Resultado e discussão

Com base nos dados coletados e nas concepções TPACK, elaboramos um quadro (quadro 3) para apresentar os resultados obtidos com a análise dos dados dos participantes. Os resultados são apresentados por entrevista, em que participaram 1, 2 ou 3 alunos de acordo com a disponibilidade de tempo de cada um. Os dados dos questionários, seminário e relatório foram analisados como um único agrupamento junto com as entrevistas. Foi associada a cada fala dos participantes uma categoria TPACK, no sentido de observar os elementos presentes nas categorias. Com esse tipo de análise, observamos quais aspectos foram mais relevantes e menos relevantes nas atividades de estágio dos licenciandos. Observamos muitas respostas dos participantes apontando a falta de infraestrutura das escolas, a falta de preparo didático para utilizar tais recursos tecnológicos ou até mesmo a falta de interesse dos alunos com determinados conteúdos. Em todas os grupos de dados examinados, as categorias predominantes foram TPACK e TPK. É notável a proporção em que TPACK e TPK aparecem nas respostas, em proporção muito maior que as outras categorias. As próprias perguntas elaboradas (quadro 1) apontavam em grande parte para o uso de tecnologias, mas todas elas possibilitavam que os participantes enfatizassem aspectos dos conteúdos, tecnologia ou aspectos didáticos. A despeito das possibilidades, prevaleceram as relações didáticas e tecnológicas nas respostas, mostrando uma preocupação e foco dos licenciandos com esses aspectos. Quadro 3 – Separação e contagem de cada categoria. Entrevistas/dados TCK TPK CPK TPACK E1 0 12 2 12 E2 0 2 10 8 E3 0 9 2 7 E4 0 2 0 0 E5 0 22 1 13 E6 0 5 0 3 E7 1 2 0 16 E8 1 5 0 5 E9 0 2 0 11 TOTAL 3 62 15 75 Fonte: Elaborado pelos autores (2022). É importante também destacar que as próprias atividades de estágio estão mais focalizadas em aspectos didáticos, um vez que outras disciplinas do curso já focalizam os aspectos de conteúdo. De qualquer maneira, é desejável uma articulação dos conhecimentos de conteúdo com os outros tipos. Da mesma forma que é positivo observar um foco pedagógico e tecnológico por parte dos licenciandos, também é preocupante observar que o foco nesta categoria minimiza as relações com os conteúdos, presentes em TCK e CPK. Nesse sentido, se observa uma deficiência neste grupo de licenciandos nas possíveis relações entre os conteúdos de química e os aspectos pedagógicos (CPK), bem como as possíveis relações entre conteúdos e tecnologia (TCK). Estas categorias que relacionam o conteúdo com aspectos pedagógicos e tecnológicos são tão importantes quanto as outras e não podem ser deixadas de lado na formação docente. Observando individualmente os dados, se observa que houve diferentes resultados, com maior presença de TPACK e TPK em alguns casos e menor em outros. Tem-se, por exemplo, E1, E5, E7 e E9 com mais de 10 ocorrências de TPACK, e há também E6 com apenas 3 ocorrências dessa categoria e 5 em TPK. Só observamos TCK em E7 e E8. Os principais destaques positivos estão em E1, E5 e E7, pois apresentam as maiores quantidades em TPACK. Com a finalidade de evidenciar a categorização dos dados, a seguir mostramos alguns exemplos que ilustram os resultados obtidos. TPK: E1 - Então, eu criei minha conta errada: eu criei como aluna, e eu devia ter criado como professor. Quando você cria como professor, você escolhe um quiz, ele te dá um código, e você joga esse código pra turma. Você escreve na lousa, e cada um na sala de informática acessa. (L5) Q7 - Buscar trazer algo que realmente desperte o interesse dos alunos. Não utilizar jogos monótonos ou slides desinteressantes. (L12) CPK: S - Então eu acompanhei as aulas de outros professores também. E a gente tentava não só abordar as questões mas trazer outros materiais, e nas aulas de química a gente levava eles pro laboratório com bastante frequência. Foi legal. (L2) S - Tá sendo interessante, porque como leva um pouco de tempo pra elaborar as coisas, né, tanto provas, quanto os trabalhos, quanto às atividades, eu acho que a gente tem que se preparar muito previamente. Demanda tempo. (L1) TCK: Q5 - Uso de meios tecnológicos para apresentação e demonstração dos conceitos químicos (L10). Q5 - A utilização de programas computacionais relacionados a química (L11). TPACK: E1 - A gente aplicou outro quiz, sobre petróleo. (L6) E2 - Foi uma ferramenta que o prof A apresentou pra gente, a gente fez como aluno, eu nunca tinha visto, tipo, nossa é um jogo, e ao mesmo tempo, sabe? Eu não senti dificuldade, eu só fiquei pensando como... tá… como eu vou perguntar cada coisa, tem que ser direto, tem que contextualizar. Eu fiquei lembrando, como que eu dei minha aula de álcool, como eu daria uma avaliação justa pra essa questão dos álcoois. (L5)

Figura 1 - Ilustração da estrutura TPACK, obtida em http://tpack.org

Figura 1 - Ilustração da estrutura TPACK.

Conclusões

Os resultados demonstram ampla prevalência das categorias TPACK e TPK nos resultados obtidos. Considerando que as disciplinas específicas de cursos de licenciatura tendem a enfatizar os aspectos pedagógicos, uma vez que já há ênfase de conteúdos na grande maioria das disciplinas do curso, é importante observar a necessidade de articulação entre conhecimentos pedagógicos, de conteúdo e tecnológicos nas atividades de estágio. A prevalência de TPACK nos resultados obtidos mostra que o curso em questão está atingindo o objetivo de articulação dessas categorias de conhecimentos. A grande presença de TPK também mostra que os conhecimentos tecnológicos e pedagógicos são de interesse dos alunos de cursos de licenciatura em Química. A pouca presença de TCK e CPK apontam a necessidade de maior ênfase na articulação desses saberes no curso.

Agradecimentos

Agradecemos os participantes da pesquisa pela colaboração

Referências

BOGDAN, Robert C.; BIKLEN, Sari Knopp. Investigação Qualitativa em Educação: uma introdução à teoria e aos métodos. Porto (Portugal): Porto Editora, 1994.

CIBOTTO, Rosefran Adriano Gonçales; OLIVEIRA, Rosa Maria Moraes Anunciato. TPACK–Conhecimento tecnológico e pedagógico do conteúdo: uma revisão teórica. Imagens da Educação, v. 7, n. 2, p. 11-23, 2017.

GOIS, Jackson. TIC como ferramenta cultural no ensino superior em química. # Tear: Revista de Educação, Ciência e Tecnologia, v. 9, n. 2, 2020.

Koehler, M. J.; Mishra, P. Teachers learning technology by design. Journal of Computing in Teacher Education, 21(3), 94-102, 2005.

MARIN, Jiulia Carla; BERVIAN, Paula Vanessa; GÜLLICH, Roque Ismael da Costa. Tecnologias da informação e comunicação (TIC) no ensino de ciências e teorias educacionais: estado do conhecimento. # Tear: Revista de Educação, Ciência e Tecnologia, v. 8, n. 2, 2019.

MARTINS, Jakline Estefane Alves; CARBO, Leandro; SOARES, Susel Taís Coelho. Conhecimento especializado de professores de Química–CTSK: uma análise de prática docente no ensino de hidrocarbonetos. Revista Prática Docente, v. 6, n. 1, p. e013-e013, 2021.

MORAES, Roque; GALIAZZI, Maria do Carmo. Análise textual discursiva: processo reconstrutivo de múltiplas faces. Ciência & Educação, v.12, n. 1, p. 117-128, 2006.

SANTOS NETO, Raul; STRUCHINER, Miriam. Um panorama sobre a integração do conhecimento tecnológico na formação de professores de Ciências. Revista Latinoameticana de Tecnologia Educativa, v. 18, n. 2, 2019.

Shulman, L. S. Knowledge an Teaching: foundations of the new reform. Harvard Educational Review, 57(1), 1-22, 1987.