Autores

Lamim, A.R.S. (UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO – USP) ; Queiroz, S. (UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO – USP)

Resumo

As práticas argumentativas são cada vez mais recorrentes em ambientes de ensino de química, sendo comumente retratadas em estudos da área. Nesse sentido, além do fomento da argumentação, surge a preocupação com a etapa primordial de coleta de dados, pois as ferramentas utilizadas nesse momento influenciam no prosseguimento da investigação. O presente trabalho tem como objetivo a realização de uma revisão bibliográfica sobre as ferramentas de coleta de dados empregadas nos trabalhos completos dos ENEQ e ENPEC de 2000 a 2020 sobre argumentação na educação química. Concluiu-se que a gravação e transcrição de episódios de aula são as formas mais recorrentes para investigar o processo argumentativo, enquanto a análise de materiais escritos predomina no que tange aos argumentos produzidos.

Palavras chaves

Argumentação; Educação química; Revisão bibliográfica

Introdução

A argumentação encontra-se presente em variados momentos do cotidiano, tais como nas decisões que tomamos sobre o que comer ou vestir e no jornal que lemos ou assistimos. Saber argumentar e avaliar argumentos são habilidades importantes para a vida em sociedade, pois argumentar possibilita ao indivíduo organizar seu pensamento e explicitar sua vontade. Ademais, a prática pública da argumentação propicia o estabelecimento de consensos sobre aspectos relevantes para a comunidade (SCARPA, 2015). Nas pesquisas científicas a argumentação também tem papel primordial, estando presente desde a elaboração de hipóteses e previsões até a apresentação dos resultados. Nesse sentido, entender as práticas argumentativas é uma maneira de compreender a construção da ciência (AYDENIZ, 2019). Por conta desse e de outros benefícios, a argumentação tem sido cada vez mais discutida em pesquisas e recomendada para inserção em ambientes de ensino. Entretanto, para além da sua discussão e fomento, surge a preocupação com a etapa fundamental de coleta de dados, a qual é apontada por Jiménez-Aleixandre e Brocos (2015) como um dos desafios metodológicos das investigações da área, pois as ferramentas utilizadas nesse momento influem no prosseguimento da investigação. O presente trabalho tem como objetivo apresentar quais são as principais ferramentas utilizadas nos trabalhos do Encontro Nacional de Ensino de Química (ENEQ) e do Encontro Nacional de Pesquisa em Educação em Ciências (ENPEC) para coletar dados sobre argumentação na educação química e os motivos associados às escolhas de tais instrumentos pelos pesquisadores. Para tal, foi realizada uma revisão bibliográfica dos anais do ENEQ e ENPEC, publicados no período de 2000 a 2020.

Material e métodos

O percurso metodológico do trabalho, adaptado de Silva (2013), está detalhado na Figura 1. Figura 1 –Percurso metodológico A etapa 1 consistiu na busca e obtenção dos trabalhos completos dos anais do ENPEC e ENEQ sobre argumentação na educação química. Para tal, foram escolhidos os documentos publicados entre 2000 e 2020 que possuíam no título, resumo e/ou palavras-chave os vocábulos argumentação (ou correlatos) e química. Ademais, as investigações deveriam apresentar estreita relação com a temática em estudo. O acesso aos anais do ENEQ, ocorreu por meio do site da Sociedade Brasileira de Química. Em tal repositório foram efetuadas as buscas por trabalhos, conforme os critérios preestabelecidos. Cabe salientar que as edições de 2000, 2002 e 2004 não possuem trabalhos completos e, por conta disso, seus anais não foram examinados. Encontrou-se 23 manuscritos que atendiam aos parâmetros propostos, os quais foram obtidos por meio de download. Quanto ao acesso aos anais do ENPEC, este ocorreu por meio de consulta ao repositório online de cada uma das edições do evento, as quais se encontram armazenadas no sítio da Associação Brasileira de Pesquisa em Educação em Ciências. Em tais repositórios foram efetuadas as buscas por trabalhos, conforme os critérios preestabelecidos. Encontrou-se 30 manuscritos que atendiam aos parâmetros propostos, os quais foram obtidos por meio de download. Na etapa 2 foi realizada a leitura do material e sua classificação segundo a ferramenta de coleta de dados utilizada. Na sequência, os resultados obtidos foram discutidos entre 2 pesquisadoras independentes (autoras deste trabalho) em busca de um consenso (etapa 3). Na etapa 4 houve a construção de tabelas e gráficos abarcando os resultados obtidos e sua posterior interpretação

Resultado e discussão

A Figura 2 apresenta a distribuição das ferramentas de coleta de dados usadas nas pesquisas sobre argumentação na educação química dos ENPEC e ENEQ. Figura 2 - Ferramentas de coleta de dados Conforme a Figura 2, podemos constatar que as ferramentas predominantes são a gravação e transcrição de episódios de aulas e análise de materiais escritos dos alunos. De acordo com Jiménez-Aleixandre e Brocos (2015), a escolha dos instrumentos de coleta de dados relaciona-se com os objetivos e questões de pesquisa, sendo que a seleção daqueles difere quando se pretende estudar os argumentos ou o processo argumentativo. Assim, constatamos que se o intuito da pesquisa são os argumentos, a ferramenta mais empregada é a análise de materiais escritos, os quais incluem resoluções a estudos de caso, rubricas, respostas a questões abertas, mensagens em fóruns de discussão e diários de bordo. Por outro lado, os trabalhos que buscam averiguar a argumentação, ou seja, o processo argumentativo, lançam mão, preferencialmente, da gravação e transcrição de episódios de aula, uma vez que há a possibilidade de visualização de ações e do contexto. A menor recorrência das demais ferramentas demonstra que os trabalhos têm pouca preferência por tais mecanismos de coleta, o que pode estar associado ao menor alinhamento desses instrumentos com a obtenção de dados sobre argumentação. Jiménez-Aleixandre e Brocos (2015) consideram os questionários pouco produtivos, pois não favorecem o aspecto prático e discursivo. Quanto à observação direta, um dos motivos que leva os pesquisadores a selecionar as gravações em detrimento daquela para estudar a argumentação é a possibilidade de rever repetidamente os episódios em análise (BAĞ; ÇALIK, 2017).

Figura 1 – Percurso metodológico



Figura 2 - Ferramentas de coleta de dados



Conclusões

Em suma, os resultados obtidos permitem concluir que a análise de materiais escritos produzidos pelos alunos é uma alternativa conveniente para averiguar aspectos relativos aos argumentos construídos, assim como a gravação e transcrição de episódios de aula, para estudar o processo argumentativo. Ademais, ressalta-se a pertinência das gravações frente à observação e a baixa viabilidade dos questionários no que concerne ao aspecto prático da argumentação.

Agradecimentos

Agradecemos à FAPESP (Processo 20/02757-5) e ao CNPq (Processo 304974/2020-0) pelo apoio financeiro à pesquisa.

Referências

AYDENIZ, M. Teaching and learning chemistry through argumentation. In: ERDURAN, S. (Ed.), Argumentation in chemistry education: Research, Policy and Practice. London: Royal Society of Chemistry, 2019. p. 11-31.
BAĞ, H.; ÇALIK, M. A Thematic Review of Argumentation Studies at the K-8 Level. Education & Science, v. 42, n. 190, p. 1-23, 2017.
JIMÉNEZ-ALEIXANDRE, M. P.; BROCOS, P. Desafios metodológicos na pesquisa da argumentação em ensino de ciências. Ensaio Pesquisa em Educação em Ciências, v. 17, p. 139-159, 2015.
SCARPA, D. L. O papel da argumentação no ensino de ciências: lições de um workshop. Ensaio Pesquisa em Educação em Ciências, v. 17, p. 15-30, 2015.
SILVA, O. B. Mapeamento da pesquisa no campo da formação de professores de química no Brasil (2000-2010). Tese (Doutorado em química) - Departamento de Química, Universidade Federal de São Carlos. São Carlos, p. 291. 2013.