Autores

Santos, C.L. (SEMED) ; Souza, M.M. (SEDUC) ; Alfaia, A.R. (SEMED) ; Rodrigues Alfaia, G. (SEMED)

Resumo

Este trabalho tende grande importância no ensino de ciências onde, ele agrega o estudante, como principal ator da relação família-escola, traz consigo uma carga de vivências, valores e costumes advindos do ambiente familiar e de como tornar as aulas de Ciências em seus conteúdos formais com sentido atrelado à realidade local, dessa forma encontramos na temática do cultivo e uso da macaxeira (Manihot esculenta) a ponte para a construção desse trabalho desenvolvido por professores da Escola Municipal Vereador Sebastião Andrade Machado, cujo o objetivo principal é descrever os procedimentos adotados para a implementação de um projeto entre escola e família tendo como temática o cultivo e produção de derivados da macaxeira em uma escola pública da zona rural do município de Nhamundá.

Palavras chaves

Ensino de Ciências; Família-escola; Escola Pública

Introdução

A educação permeia todos os ambientes que o ser humano está presente e pode acontecer de maneira informal, como dentro da família, ou de maneira institucionalizada, como no ambiente escolar, por exemplo (Ribeiro et al., 2015, p. 74). No entanto, a educação recebida no seio familiar e na escola não deveria acontecer de forma separada, embora cada espaço educativo em que o ser humano está inserido contribua de forma diferenciada para um bem comum do estudante: formação para o mundo (Moreira e Silva, 2015, p. 6; Ribeiro et al., 2015, p.75). O estudante, o principal do ator da relação família-escola, traz consigo uma carga de vivências, valores e costumes advindos do ambiente familiar e outros ambientes que precisam ser levados em consideração dentro do processo educativo formal adotado na escola (Freire, 1996, p.47). Nesse sentido, a educação escolar deve levar em consideração o contexto histórico e cultural do indivíduo para estabelecer ações que objetivem o aliar o conhecimento empírico ao conhecimento acadêmico trazido nos livros didáticos e aulas teóricas (Ribeiro et al., 2015, p. 76; Chassot, 2008, p.10). Nessa perspectiva, os saberes tradicionais da comunidade onde estão inseridos os estudantes, bem como sua família, trazem além de todo conhecimento passado de geração em geração dentro dos hábitos e costumes de um povo (Chassot, 2008, p, 11), a oportunidade de aproximação entre a família e a escola. Partindo da inquietação de como trazer a família para participação efetiva na vida escolar e de como tornar as aulas de Ciências em seus conteúdos formais com sentido atrelado à realidade local, encontramos na temática do cultivo e uso da macaxeira (Manihot esculenta) a ponte para a construção desse trabalho. A macaxeira, também conhecida como mandioca ou aipim é uma planta que é bem adaptada ao clima amazônico e que para as populações amazônicas tem papel fundamental na alimentação e fonte de renda advinda da agricultura familiar (Adams et al., 2005; Silva e Murrieta, 2014). Dela é possível extrair derivados como a farinha, a massa de tapioca, o tucupi, entre outros. Durante o período de plantio, colheita e de extração de seus derivados é comum o envolvimento de vários membros de uma mesma família. Percebendo-se a agricultura familiar voltada para o cultivo da macaxeira e o conhecimento tradicional dos estudantes recebidos ao longo de sua existência como membro da comunidade ribeirinha do Curiá, levantamos os seguintes questionamentos: 1) É possível trabalhar o conteúdo formal de Ciências atrelado a uma temática que leve em consideração à realidade dos estudantes? 2) Como trabalhar uma temática no ambiente escolar e aproximar a família? Portanto, neste trabalho, o objetivo principal é descrever os procedimentos adotados para a implementação de um projeto entre escola e família tendo como temática o cultivo e produção de derivados da macaxeira em uma escola pública da zona rural do município de Nhamundá, no Estado do Amazonas.

Material e métodos

Este estudo trata-se de uma pesquisa qualitativa, de cunho descritivo das atividades desenvolvidas e das impressões verificadas no desenvolvimento das ações, por meio da observação direta e análise do discurso dos participantes. A opinião dos participantes foi coletada por meio digital de gravação no aparelho de celular, meio de questionário aberto e depois transcrita para mídias digitais. As atividades foram realizadas com 40 alunos do 6º ao 9º ano do Ensino Fundamental da Escola Municipal Vereador Sebastião Andrade Machado, localizada na comunidade do Curiá, município de Nhamundá, a 382 km de Manaus, no Amazonas. As atividades foram realizadas entre abril e maio de 2022 dentro da disciplina de Ciências da Natureza com os estudantes, pais e comunitários do entorno escolar. Os temas curriculares abordados em sala de aula de acordo com a Base Nacional Comum Curricular (BNCC) foram Alimentação saudável, Bioma Amazônia, Misturas e Separação de misturas e Estrutura da matéria. Em concomitância a esses conteúdos, abordou-se aspectos relacionados ao plantio, cultivo, técnicas de uso e à produção de alimentos a partir da macaxeira, como tema transversal contemporâneo, dentro da perspectiva da Educação Ambiental, inserido no contexto da realidade local. Na sequência às aulas formais, realizou-se uma palestra na escola com a participação dos pais, funcionários e comunitários donos de casas de farinha de mandioca, responsáveis pela produção. A palestra teve como objetivo explicar a importância do trabalho com a macaxeira para a alimentação, movimentação do comércio, do aproveitamento integral dessas raízes e da manutenção do repasse de conhecimentos tradicionais de uma geração à outra por meio desse alimento. As atividades teóricas serviram de base para produção de oficinas de trocas de experiências e colaboratividade comunitária tendo como principais atores os estudantes e suas famílias.

Resultado e discussão

A sequência de aulas ocorridas em sala de aula com os estudantes e a palestra realizada com a comunidade escolar culminaram em uma oficina de produção de derivados da macaxeira e um convite à participação uma feira para exposição aberta dos resultados da oficina, envolvendo toda a comunidade escolar e pequenos produtores de farinha de macaxeira da comunidade do Curiá. OFICINA DE PRODUÇÃO DE DERIVADOS DA MACAXEIRA: EDUCAÇÃO FORMAL, APRENDIZADO ESCOLAR E O SABER TRADICIONAL As oficinas foram planejadas pelo professor da Disciplina de Ciências com colaboração dos estudantes e foi intitulada como “Técnica e produção dos derivados da macaxeira contextualizando com a educação ambiental e sustentabilidade”. Buscamos associar o conteúdo curricular com a construção colaborativa do diálogo com os estudantes em sala de aula com exemplos da realidade do cultivo e manufatura da macaxeira, para posteriormente, aplicarmos as oficinas. Após as ações em sala de aula e palestra com os pais de sensibilização à importância do trabalho com a macaxeira, as famílias dos estudantes foram convidadas a contribuir como oficineiros das atividades. As técnicas de trabalho ensinadas por eles consistiram na escolha dos tubérculos, o descasque (Figura 1A), cozimento (Figura1B), produção dos derivados (Figura 1C), degustação (1D), e produção de adubo com as cascas ações que envolveram alunos, professores, funcionários e comunidade do entorno escolar. Os estudantes puderam ter a presença dos pais como “professores” da atividade, o que possibilitou maior interatividade e trocas de experiências entre os envolvidos, mesmo que durante uma atividade curricular, aproximando dois alicerces de educação do indivíduo: família e escola. O estreitamento das relações entre esses dois atores educacionais é o ideal esperado para uma educação de qualidade, como um processo de construção coletivo (Maranhão, 2004, p.89-90; Aranha, 1996, 52). Essa perspectiva foi observada no discurso dos próprios pais participantes da atividade: “Eu como mãe de aluna acredito que foi de suma importância não somente para a escola, mas também para a comunidade [...] o que foi apresentado no projeto sobre os derivados da macaxeira, para mais pessoas conhecerem e valorizarem a agricultura familiar.” (Mãe de aluna, 2022) Além disso, os estudantes deste trabalho, em sua maioria, já participaram do processo de produção de derivados da macaxeira em suas casas. O cultivo da macaxeira na região amazônica é muito comum e envolve vários membros de uma mesma família para essa prática de subsistência, pois é importante fonte de carboidratos para a maioria das famílias ribeirinhas (Sena, 2006, p. 91). Nesse sentido, a oficina no ambiente escolar além de propiciar a ressignificação dos conteúdos formais, trouxe consigo a possibilidade de valorização dos saberes tradicionais quanto ao uso da macaxeira: um mutirão para tiração, produção de farinha e outros derivados. Para Chassot (2008, p.10), a escola deve valorizar os conhecimentos dos mais velhos como fontes de conhecimento que devem ser levados para a sala de aula. Dessa forma, pudemos evidenciar que no discurso dos próprios estudantes, a atividade trouxe diferencial para o conhecimento: “[...] Esse projeto da macaxeira foi inovador em nossa escola, pois por meio dele pude compreender vários conceitos relacionados às Ciências.” (Aluno 1, 2022) Portanto, o currículo formal pode ser trabalhado sem distanciamento da realidade em que estão inseridos os estudantes, agregando sentido real à teoria estudada em sala de aula, algo importante dentro do processo de aprendizagem significativa (MOREIRA, 2012; p.3). Como finalização dos produtos feitos durante a oficina fomos convidados, enquanto escola, a participar da III Exposição de Agropecuária de Nhamundá – EXPOANH em parceria com a Secretaria Municipal de Educação – SEMED, que defendia o tema “Meio ambiente e produtos da agricultura familiar: Valorização regionalizada no ambiente escolar”. Esta última ação contou com a apresentação pelos alunos do processo de produção, como um exercício da apresentação em público daquilo que haviam aprendido, proporcionando a interação social com a degustação e muita troca de conhecimento entre os estudantes e os diversos visitantes da feira (Figura 2).

Figura 1: Oficina de produção dos derivados da macaxeira.

(A) Descasque da macaxeira; (B) Limpeza da macaxeira; (C) Alimentos típicos produzidos; (D) Degustação; (E) Adubo orgânico da casca da macaxeira.

Figura 2: Participação dos estudantes na III Exposição de Agropecuária

Alunos e pais em atividade de apresentação do projeto desenvolvido na escola.

Conclusões

A possibilidade de articular o ensino formal da escola com atividades no qual os estudantes estão inseridos em seu cotidiano, como a tradição do cultivo e consumo dos derivados da macaxeira, abriu caminhos para que mais ações exitosas como a desta oficina aconteçam. Além de possibilitar o envolvimento de todo o corpo escolar, trouxe ainda a participação efetiva da família para o processo de ensino aprendizagem, naquilo em que é tão necessário na atualidade dentro das comunidades tradicionais: a valorização dos saberes dos antepassados. Nem de longe esgotamos as possibilidades de discussão da temática na escola, mas temos certeza de que o primeiro passo para a aprendizagem significativa foi dado. Portanto, sugerimos que cada professor, dentro de suas possibilidades pedagógicas, possa sempre contextualizar os saberes escolares ao cotidiano dos estudantes e suas famílias, para que possam também verificar como as atividades tornam-se mais proveitosas em termos de obtenção de conhecimentos e avaliações.

Agradecimentos

Agradecemos o Gestor da escola, professores, pais e aos organizadores da III Exposição de Agropecuária de Nhamundá – EXPOANH em parceria com a Secretaria Municipal de Educação - SEMED.

Referências

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