Autores

Arend, K. (IFC) ; Stascheck, A. (IFC) ; Pacheco, N.C. (IFC) ; Silva, M.L.M. (IFC)

Resumo

Este trabalho relata as percepções das participantes do projeto Mulheres que Mudarão o Mundo em oficinas de Químicas. Foram abordados conteúdos das áreas das exatas e o objetivo principal foi a reflexão do papel das mulheres nestas áreas. Estas atividades foram oferecidas para estudantes do Ensino Médio em duas escolas estaduais do município de São Bento do Sul/SC. Nas duas oficinas realizadas, foram feitas explanações em relação ao desenvolvimento da fotografia, ressaltando a pesquisa realizada na área da química de mulheres nestas áreas. Também, houve realização de atividades práticas envolvendo a escrita invisível e cianotipia. A experiência foi essencial para a reflexão acerca do papel das mulheres no desenvolvimento das ciências.

Palavras chaves

fotografia; mulheres; química

Introdução

Os processos fotográficos desenvolvidos envolveram a pesquisa de inúmeros cientistas em diferentes áreas. Esses processos se fundamentam em reações de oxirredução, e atualmente, foram praticamente extintos, pois com o desenvolvimento da indústria fotográfica, foram substituídos por outros mais simples, rápidos, baratos e seguros. Porém, são usados por artistas e fotógrafos, pois produzem impressões fotográficas com resultados ainda não superados pela tecnologia digital. Os recursos tecnológicos provocaram mudanças no processo e no olhar do fotógrafo, que não precisa dos conhecimentos em química e física para produzir uma fotografia. É o que afirma Flusser (2013, p. 12-13).: “Em rigor; pode-se fotografar sem conhecer as leis de distribuição da luz no espaço, nem as propriedades fotoquímicas da película”. Porém, a compreensão da evolução dos processos fotográficos e como isso está relacionado ao desenvolvimento das ciências, é fundamental para entender o fazer fotografia. Assim, discutir assuntos relacionados ao universo da fotografia pode ser instigante pois as imagens fazem parte do cotidiano do aluno. As possibilidades de abordagem em sala de aula vão além dos processos desenvolvidos por John Frederick William Herschel, que são a Cianotipia e Antotipia. É possível, discutir a química dos sais de prata, desde as observações iniciais realizadas por Angelo Sala, Johann Heinrich Schulze e Elizabeth Fulhame, até a relação do tamanho dos cristais com o ISO dos fimes fotográficos. Também, discutir a evolução dos inúmeros processos ressaltando as reações químicas e como os fatores, como a temperatura e o pH, podem alterar os resultados das impressões. Entre os processos fotográficos, há uma diversidade deles que são desconhecidos totalmente pelo público, ficando as informações retidas em livros antigos (JAMES, 2009). Essa riqueza química é pouco explorada no Ensino de Química. Curiosidades em relação ao uso do café, do leite, da gelatina e de ovos, entre as fontes de proteínas nos materiais fotográficos se relacionam com tópicos de química orgânica. Também, a identificação analítica dos processos fotográficos para a preservação do patrimônio fotográfico pode gerar atividades que relacionam a química com a física e biologia. No Brasil, os experimentos realizados por Hércule Florence podem ser explorados, assim como os inventos de fotógrafos como Luigi Terragno que em 1860, sintetizou o Sulfomandiocato de ferro para a revelação dos processos fotográficos (AREND, et al., 2019). A reflexão sobre a ciências na fotografia é intigante para que os alunos tenham a compreensão de como ocorreu a evolução da fotografia. Assim, este tema foi escolhido para discutir o papel das mulheres no desenvolvimento das ciências. As mulheres que realizaram pesquisa na área de química e/ou fotografia e que foram selecionadas para a abordagem detalhada de suas atividades nas oficinas de Química da Fotografia foram: - Elizabeth Fulhame, química escocesa, que estudou a química do invisível. Produziu imagens fotográficas de rios usando ácido cloroáurico (HAuCl4) fotossensível num mapa de pano (seda). Fez outros estudos com redução de sais metálicos de ouro, prata, platina, mercúrio, cobre e estanho, usando como agente redutor gás H2, fósforo, ácido sulfúrico, fosfina entre outros reagentes tóxicos. Seus estudos foram fundamentais nas áreas de cinética e fotoquímica. Na área da fotografia seu trabalho não tem destaque, talvez pelo fato de não ter tido a sorte de ter boas relações ou porque seu trabalho foi isolado (HACKING, 2019). - Anna Atkins (1799-1871), botânica inglesa, que era amiga de Herschel que desenvolveu os processos de Antotipia, que envolve as impressões utilizando extrato de plantas, e a Cianotipia que é a impressão azul que se fundamenta da síntese do Azul da Prússia pela ação da luz. Foi responsável pelo desenvolvimento do primeiro livro feito com com a cianotipia, o “Photographs of British Algæ. Cyanotype Impressions” em 1843, que foi de grande relevância na botânica (JAMES, 2009). - Julia Margaret Cameron, (1815-1879) fotógrafa, amiga de Herschel, ganhou a primeira câmera aos 46 anos e realizou os testes fotográficos em seu galinheiro. Na época havia a necessidade de conhecimento grande de química pois os processos fotográficos antigos eram muito complexos e ela utilizou muitos deles (BRÄCHER, 2012). O projeto Mulheres que Mudarão o Mundo envolveu as áreas da Física, Informática, Matemática e Química e foi pensado na reflexão em relação ao fato de que as áreas das ciências exatas serem predominantemente masculinas. Assim, o projeto visou oferecer um espaço de discussão, aprendizado e integração entre alunas de escolas públicas do Ensino Médio e da graduação. As atividades envolveram rodas de conversa, oficinas nas diferentes áreas, exposição fotográfica e encerramento, num total de onze encontros de duas horas. Foi a oportunidade impar de abordar a química da fotografia através do papel das mulheres nestas áreas.

Material e métodos

As oficinas de química foram oferecidas em duas escolas com dois encontros em cada uma delas. No primeiro encontro, foram discutidos os seguintes temas: definição de fotografia, câmera escura, a química da prata, Antotipia, Clorótipo (baseado na decomposição da clorofila acelerada pela ação da luz), fotossíntese, teste indicador de amido, escrita invisível e raio-x. Na segunda oficina, foram abordados os seguintes temas: usos da fotografia, desenvolvimento das técnicas e Cianotipia (a química e seus usos). Referências na área para exemplificar através de imagens os assuntos abordados: a) o trabalho do fotógrafo Abelardo Morell que fotografa quartos de hotel usando o fundamento da câmera escura; b) o estudo de John Frederick William Herschel que, no processo de Antotipia, usou emulsões feitas com pigmentos de flores, plantas ou frutas silvestres, obtendo impressões com diferentes colorações; c) o portifólio da fotógrafa Mona Locks pois esta utiliza de extratos de couve, amora, açafrão, beterraba, urucum e páprica doce nas suas impressões; d) o trabalho da fotógrafa alemã Carola Becker pois a mesma faz fotos de folhas em diferentes estágios de decomposição demonstrando a variedade cromática; e) a pesquisa de Elizabeth Fulhame com sais de prata e lenços de seda para discutir como a ação do sol pode promover a redução da prata e provocar mudanças de coloração. A atividade prática foi feita com diferentes palavras escritas previamentes em papelão utilizando solução de amido. Cada aluna escolheu duas palavras e fez a revelação com solução de iodo. Após, a revelação houve uma discussão como estas palavras poderiam representar o ser professional no futuro. Na segunda oficina, foram mostradas algumas fotos feitas por Julia Margaret Cameron. Esta fotógrafa utilizou diferentes técnicas, mostrando um grande conhecimento da química que era muito comum aos primeiros fotógrafos. Após, o processo de Cianotipia, desenvolvido por Herschel, foi apresentado de maneira detalhada, mostrando detalhes da química do Azul da Prússia. O trabalho de Anna Atkins foi apresentado, e seus cianótipos discutidos, principalmente em relação a importância das imagens em livros. O trabalho de Jo Atherton que realiza um trabalho ambiental interessante, pois recolhe lixo plástico nas praias e faz cianótipos com este material sobre o papel sensibilizado. A atividade prática foi feita através do desenvolvimento de um cianótipo, utilizando plantas coletadas nas escolas. As alunas emulsionaram o papel e verificaram a ação da luz sobre o material sensibilizante.

Resultado e discussão

As atividades da primeira oficina provocaram uma reflexão sobre as características importantes para uma profissional. Cada aluna fez a revelação de duas palavras durante a atividade prática, usando solução de iodo através da formação do complexo amido-iodo que fica azul. Entre as palavras estavam: voz, maturidade, coragem, caráter, inteligência entre outras. A atividade da escrita invisível foi relacionada ao fato de que na fotografia analógica ocorre a formação de uma imagem latente que, posteriormente, é revelada através do uso de compostos químicos possibilitando a visualização de detalhes da imagem. A roda de conversa feita para refletir sobre estas características foi muito positiva, uma vez que todas perceberam que possuem estas características e que os desafios sobre as escolhas profissionais são os mesmos para muitas pessoas. Nestas atividades, as bolsistas também relataram suas experiências em relação ao fato de estarem matriculadas em cursos de áreas técnicas. A declaração das bolsistas possibilitou a reflexão de que mulheres podem estar onde quiserem, uma vez que possuem capacidade para realizarem o que quiserem. Neste sentido, a reflexão feita nas oficinas de Química, em conjunto com as outras atividades do projeto, pode provocar um incentivo às meninas para que ingressem em cursos das áreas técnicas. Vale ressaltar que a Declaração sobre a Ciência e o Uso do Conhecimento Científico aprovada na Conferência Mundial sobre Ciência promovida pela UNESCO em 1999, faz referência em relação a desigualdade de acesso à área tecnológica relacionada a questão de gênero: As meninas e as mulheres de muitos países da região vêm encontrando dificuldades ao tentaram ter acesso ao sistema educacional e, portanto, aos conhecimentos de C&T. Além do mais, a educação científica vem tomando como base abordagens que excluem as mulheres. (UNESCO, 2003, p. 24). Os diálogos também resultaram na reflexão da importância das pesquisas feitas por Elizabeth Fulhame e que condições ela tinha na época. Percebeu-se que as oportunidades que todas possuem de escolhas sobre o futuro não exclui elas das diferentes áreas, porém, os relatos das participantes indicam que ainda há preconceito da família e amigos em relação às áreas exatas. Na segunda oficina, as fotografias de Julia Margaret Cameron demostraram o quanto esta fotógrafa rompeu padrões na sua época. Ao contrário de outras mulheres da época ela fotografou pessoas, tendo fotografado Charles Darwin e outros cientistas conhecidos. A pesquisa isolada para aprimorar a qualidade das suas fotografias foi destacada, pois utilizou diferentes técnicas. O fato de ter como característica o desfoque em seu trabalho artístico levou a críticas exageradas na época. Atualmente, tem sido inspiração para diferentes fotógrafos. Esta situação foi interessante, pois houve relatos de que muitas vezes na escolha profissional ocorre a inspiração de alguém próximo. Em seguida, o trabalho de Anna Atkins provocou um encantamento nas participantes, uma vez que seu trabalho além de belo foi muito importante para sua época. O fato de ser amiga de Herschel, que desenvolveu a técnica da Cianotipia, favoreceu seu trabalho. Neste contexto percebe-se que eles tinham uma boa relação profissional, pois ela percebeu que o processo de impressão em azul poderia facilitar a divulgação de informações na área da botânica. Seu livro foi muito importante na área da botânica, pois as imagens desenvolvidas mostram informações detalhadas das plantas escolhidas. Após a abordagem técnica, o desenvolvimento dos cianótipos foram desenvolvidos pelas alunas que, mesmo enfrentando as dificuldades climáticas da região, verificaram a ação do sol na formação do Azul da Prússia. O céu estava nublado durante a aplicação das atividades, e esta foi a oportunidade de discutir o como as nuvens afetam a quantidade de radiação de recebemos. Após as oficinas, em momento de roda de conversa com as participantes, elas fizeram relatos das oficinas. Entre eles, destacamos as que lembraram da importância das mulheres na área: Aluna a: “porque vi que não é só homens que estão na área, e sim as mulheres também, em toda a parte desta área” e Aluna b: “gostei de aprender sobre as mulheres importantes na ciência”. Já outras alunas ressaltaram que o mais importante foi o conhecimento: Aluna c: “vimos como a fotografia está junto com a ciência fizemos experiência com folhas” e Aluna d: “eu gostei muito das aulas de química e aprendi como fazer cianotipia, foi muito legal”. Estes relatos sugerem que as atividades desenvolvidas foram eficientes no sentido de que poderiam estimular o gosto pela ciência. As oficinas apresentadas neste trabalho serão realizadas em outro momento, juntamente com as demais atividades do projeto. Porém, será oferecido para as alunas do IFC – campus São Bento do Sul. Assim, poderemos continuar estas atividades que são fundamentais para a valorização das meninas num espaço masculino, uma vez que, os cursos oferecidos no campus são na área das engenharias.

Conclusões

No contexto apresentado, é perceptível a importância de momento exclusivo de atividades para as alunas. Nestes momentos, é possível abordar a importância da mulher no desenvolvimento da ciência e, que nem sempre é reconhecido. Aliar a química da fotografia nas oficinas oferecidas é possível para provocar a reflexão de que todas podem ir e chegar onde querem, mesmo que as realidades sejam específicas para cada uma.

Agradecimentos

As autoras agradecem o IFC pelo aporte financeiro e as escolas participantes pela oportunidade. Também, as alunas participantes pela vivência durante as oficinas oferecidas.

Referências

AREND, K.; CARDOSO, A.M.A; FERREIRA, T.A.S. O experimento de Luigi Terragno: um resgate químico na fotografia do Brasil. In: 42ª Reunião Anual da Sociedade Brasileira de Química, 2019, Joinville. Anais 42ª Reunião Anual da Sociedade Brasileira de Química.
BRÄCHER, A. JULIA MARGARET CAMERON E A FOTOGRAFIA DE MADONAS. In: 21º Encontro Nacional da ANPAP, 2012, Rio de Janeiro. Anais do 21º Encontro Nacional da ANPAP. Disponível em http://www.anpap.org.br/anais/2012/pdf/simposio8/andrea_bracher.pdf. Acesso em: 18 jul. 2019.
FLUSSER, V. Ensaio sobre a Fotografia - Para uma filosofia da técnica. Lisboa: Relógio D'Água Editores, 1998.
HACKING, J. Tudo sobre a fotografia. Rio de Janeiro: Editora Sextante, 2019, 576p.
JAMES, C. The Book of Alternative Photographic Processes. Albany, New York: Delmar/Thomson Learning, 2ed. 2009.
Organização das Nações Unidas – UNESCO. A ciência para o século XXI: uma nova visão e uma base de ação-Brasília: UNESCO, ABIPTI, 2003. 72p.