Autores

Régis Campos Silva, R. (CEFET-MG) ; Sergio Calefi, P. (IFSP- SERTÃOZINHO) ; Jose dos Reis, M. (UNIFRAN) ; Jose Nassar, E. (UNIFRAN)

Resumo

Esta investigação descreve os resultados que demonstram a linguagem e as concepções de estudantes de graduação que realizam iniciação científica (IC) sobre certos conceitos envolvendo a luminescência do íon Eu3+. Foi observado que a graduação e a IC oferecem ao estudante a linguagem que lhes permite discutir sobre vários conceitos relacionados com a luminescência do Eu3+, bem como seu uso para elucidação estrutural. No entanto, partindo de respostas de alguns estudantes, foi constatado que os mesmos se apropriam dos conceitos de um modo mecânico, sem sua plena compreensão. Os resultados sugerem ainda a necessidade de discussão de certas expressões comumente utilizadas nos laboratórios de pesquisa, mas nem sempre compreendidas pelos estudantes de IC.

Palavras chaves

luminescência; elucidação estrutural; iniciação científica

Introdução

Compostos do íon európio (Eu)(III), quando excitados, emitem luz vermelha como resultado de transições eletrônicas no subnível 4f. Por esta razão, é grande o interesse em aplicar este íon na investigação de propriedades e funções de sistemas e na determinação de substâncias. Características específicas da luminescência do íon Eu(III) possibilitam que seus compostos sejam utilizados como sondas analítico-estruturais, para investigar por exemplo, a estrutura de biomoléculas como proteínas, ácidos nucleicos e carboidratos (COURROL; SAMAD, 2008). São também inúmeros os trabalhos que utilizam o íon Eu(III) para elucidação estrutural. Um exemplo é a incorporação do Eu(III) a vidros e cristais para inferir a simetria destes (REISFELD, 2004), bem como, inferir sobre a simetria das esferas de solvatação do íon Eu3+ em diferentes solventes (MARTINS; ISOLANI, 2005). Todo este conhecimento, muito utilizado no meio acadêmico, na maioria das vezes tem início na iniciação científica (IC), que consiste em uma etapa na qual alunos, matriculados em curso de nível superior, vivenciam uma pesquisa científica vinculada a um projeto elaborado e desenvolvido sob a orientação de um docente (MASSI; ABREU; QUEIROZ, 2008). A IC é considerada uma atividade importante nas instituições de ensino superior, pois incentiva o aluno de graduação à pesquisa, colocando-o em contato direto com as atividades científicas. Os estudantes inseridos em programas de IC têm a possibilidade de obter uma formação acadêmica mais plena, tendem a repetir menos disciplinas, refletem mais sobre suas vocações e sobre o curso em que estão matriculados e encontram uma preparação mais sólida para o ingresso na pós-graduação (BRIDI, 2004). De um modo geral, a IC proporciona ao estudante o contato com diversas formas de veiculação dos conteúdos científicos, favorecendo a apropriação da linguagem científica, e consequentemente, o desenvolvimento das suas habilidades de comunicação oral e escrita no campo científico (MASSI; ABREU; QUEIROZ, 2008). Porém, há diferenças entre o fazer ciência e o compreender ciência. Entende-se que compreender ciência envolve a percepção e o entendimento da construção do conhecimento científico. Para alunos de IC, que estão envolvidos no “fazer ciência”, que é em geral, o objetivo dos laboratórios de pesquisa onde estes estudantes trabalham, esta percepção se torna ainda mais necessária (QUEIROZ; ALMEIDA, 2004). Pelo fato de o fenômeno da luminescência ser amplamente explorado por diversos grupos de pesquisa, e de o Eu(III) ser um dos íons lantanídeos mais utilizados para a elucidação estrutural, a quantidade de trabalhos científicos que envolvem os conceitos relacionados ao tema é enorme. No entanto, há uma carência considerável de material didático sobre o tema, o que contribui para a utilização de expressões que na maioria das vezes são reproduzidas de maneira mecânica. Em função desses fatores propusemo-nos a investigar como se dá a apropriação e a construção de conceitos de luminescência por estudantes de IC.

Material e métodos

Foi realizado um levantamento dos trabalhos que utilizaram a luminescência do Eu3+ para elucidação estrutural, nos arquivos online da 32ª reunião anual da SBQ. Como critério, estipulou-se que seriam selecionados os trabalhos que apresentassem como primeiro autor um estudante de IC e o endereço eletrônico (e-mail) deste para contato. Dos 20 trabalhos que utilizaram a luminescência do Eu(III), apenas quatro se enquadraram nestes critérios. Para os primeiros autores destes trabalhos foram enviadas mensagens (via e-mail) consultando sobre a possibilidade de participar de uma pesquisa (on-line) sobre a utilização da luminescência do Eu(III). Os quatro estudantes, se dispuseram a responder. Para a coleta de dados foi elaborado um questionário com objetivo de investigar como se dá a apropriação de conceitos relacionados com a luminescência do Eu(III) por estudantes de iniciação científica, em especial, na utilização dos espectros de emissão do Eu(III) para elucidação estrutural. Para a elaboração das questões, utilizou-se expressões e conceitos muito utilizados em artigos e trabalhos da área, algumas expressões utilizadas inclusive pelos próprios estudantes em seus trabalhos e artigos. As questões foram enviadas gradativamente (via e-mail), ou seja, só era enviada a questão seguinte após o recebimento da resposta anterior. Foi pedido aos estudantes que as respostas fossem dadas da maneira mais espontânea possível.

Resultado e discussão

A seguir, alguns questionamentos e repostas dos estudantes de IC: Pergunta: Em relação ao íon Eu(III), quais são as vantagens de utilizá-lo nas caracterizações de materiais? “Eu não sei explicar muito bem a vantagem de utilizar o íon Eu3+. Sei que a vantagem é devido ao estado emissor do íon ser o 5D0, não sei muito bem em que isso interfere, mas acho que é na elucidação da simetria.” Pergunta: Você cita em um de seus trabalhos, que a transição 5D0 → 7F2 é sensível ao ambiente químico do íon emissor. Você sabe explicar o motivo? “Esta pergunta eu não sei te responder no momento. O motivo pelo qual esta transição é sensível ao ambiente químico envolve alguns conceitos que eu não entendo completamente ainda. Fiz um curso de espectroscopia do íon Eu3+, mas acabei não entendendo direito essa parte. Vou ver se acho isso em algum lugar porque é uma dúvida que eu sempre tive.” Pergunta: Você cita em um de seus trabalhos, que o número de desdobramentos de uma transição é dada pela fórmula 2J + 1. Você sabe explicar o por quê desta relação? “De cabeça não lembro muito bem, mas o que eu acho que é eu vou escrever. Essa formula é proveniente da regra de seleção de Laporte, mas não tenho certeza." Pergunta: Você cita em um de seus trabalhos, as transições que ocorrem por dipolo elétrico e quais ocorrem por dipolo magnético. Você sugere uma explicação do porquê do nome transição por dipolo elétrico e transição por dipolo magnético? “Acredito que há alguma semelhança desses tipos de dipolos com os campos correspondentes, o campo elétrico e o campo magnético. Como se fosse alguma alteração na presença desses campos.” Pergunta: Como se sabe quais transições acontecem por dipolo elétrico e quais acontecem por dipolo magnético? “Sei disso porque já li em artigos, mas o porquê destes nomes eu não sei.” É nítida a diferença entre o fazer e o compreender ciência. Neste caso, a permanência constante e participativa no local de trabalho onde se produz a ciência, não foi capaz de fazer com que os estudantes criassem explicações plausíveis dos questionamentos. (QUEIROZ; ALMEIDA, 2004). Analisando as respostas, percebemos que de um modo geral, o contato com a produção escrita científica (dissertações, teses, artigos, etc.) não foi suficiente para que o estudante respondesse aos questionamentos de forma consistente. As respostas contêm fragmentos de expressões utilizadas na área, o que indica a ocorrência de repetição empírica. Não foram apresentados nas respostas, características do estudante que sugerissem a sua clara intenção em se posicionar como sujeito do seu discurso (SANTOS; QUEIROZ, 2007). Em alguns questionamentos, porém, observamos que o estudante se mostra autor de sua fala, demonstrando coerência e segurança nos argumentos. Pergunta: Em relação ao íon Eu(III), quais são as vantagens de utilizá-lo como sonda estrutural? “A maior vantagem de utilizar o íon Eu3+ nestas caracterizações é que ele tem uma transição que é sensível ao ambiente químico em que o íon se encontra que é a transição 5D0 → 7F2. Quando o íon está em um sítio com centro de inversão, ela se torna proibida e fica com intensidade menor do que a transição 5D0 → 7F1 que não é sensível ao ambiente químico. Além disso, a transição 5D0 → 7F0 também pode trazer informações a respeito do número de sítios presentes na matriz, uma vez que os níveis 5D0 e 7F0 não são degenerados. Se a transição correspondente aparece no espectro com um ombro ou desdobrada, significa que o íon Eu3+ está presente em mais de um sítio na matriz. Essas características específicas destas transições e as poucas e finas linhas presentes nos espectros tanto de emissão quanto de excitação é que fazem do Eu3+ uma importante ferramenta de investigação de estruturas inorgânicas, sendo muitas vezes denominada sonda espectroscópica.” Pergunta: Nota-se que a sequência das transições nos espectros de emissão do íon Eu(III) estão em ordem crescente (0-0,0-1,0-2,0-3,0-4,...). Você acha que esta ordem crescente sempre é seguida para outros íons terras-raras? “Não é sempre assim para todos os íons terras-raras. Até o Eu, que apresenta o orbital f semi-preenchido, é assim. A partir do Tb (pois Gd não tem transições no visível) ocorrem transições na ordem inversa àquela apresentada para o íon Eu. O Tb tem 9 elétrons, ultrapassando o limite de 7 elétrons, invertendo a ordem da transição.” Nota-se que este estudante conseguiu elaborar uma explicação para o motivo dos espectros de emissão do Tb(III) aparecerem em ordem decrescente nos valores de J. Foi o único dos estudantes entrevistados que explicou o fenômeno e é o que possuia o maior tempo de iniciação científica. Analisando suas respostas, notamos que o estudante adotou a posição de autor, deixou transparecer as necessidades, por ele imaginadas, do seu leitor, e tratou de atendê-las por meio da inserção da explicação ou justificativa de certas expressões (SANTOS; QUEIROZ, 2007).

Conclusões

Com a análise das respostas dos estudantes de IC, pode-se inferir a maneira com que eles se apropriam da linguagem científica para explicar conceitos relacionados à luminescência do íon Eu(III), mais especificamente, à maneira de interpretar dados de espectros de emissão do Eu(III) para elucidação estrutural. Acredita-se que os estudantes se apropriam do discurso científico por meio da convivência no ambiente onde provavelmente passam a maior parte do tempo, o laboratório de pesquisa. O ambiente em que temos, explicitamente, o fazer ciência, cria condições que proporcionam ao estudante o compreender ciência. Observa-se por algumas respostas dadas, o desenvolvimento da autonomia e do senso-crítico. A oportunidade de produzir o conhecimento científico os proporciona a chance de questionar e argumentar. Observamos porém, respostas aos questionamentos que são simplesmente, meras repetições de jargões muito utilizados no meio científico. De tanto repetir certas afirmações, estas se tornam verdades que não necessitam de questionamentos. Expressões, termos e conceitos que não há tempo e ou interesse em compreendê-los, se tornam jargões e verdades absolutas. Sugere-se que os estudantes de IC e seus respectivos orientadores, possam discutir além das metodologias utilizadas e dos resultados adquiridos, certas expressões comumente utilizadas, mas nem sempre compreendidas. Outra sugestão, é que os estudantes de IC possam apresentar os trabalhos desenvolvidos para outros grupos de pesquisa, que não estejam habituados com os jargões da área. Espera-se que trabalho, possa contribuir para que o fazer ciência sempre esteja ao lado do compreender ciência.

Agradecimentos

Aos estudantes de IC, por toda a sinceridade nas respostas. questionamentos. A professora Salete Linhares Queiroz, que possui diversos trabalhos similares a este.

Referências

COURROL, L. C., SAMAD, R. E. Applications of europium tetracycline complex: a review. Current pharmaceutical Analysis, n. 4, p. 238-248, 2008.

REISFELD, R.; ZIGANSKY, E.; GAFT, M. Europium probe for estimation of site symmetry in glass
films, glasses and crystals. Molecular Physics, n.11, p. 1319-1330. 2004.

MARTINS, T. S.; ISOLANI, P. C. Terras raras: aplicações industriais e biológicas. Química Nova, n. 28, p. 111-117, 2005.

MASSI, L.; ABREU, L. N.; QUEIROZ, S. L. Apropriação da linguagem científica por alunos de iniciação científica em Química: considerações a partir da produção de enunciados científicos. Revista Electrónica de Enseñanza de las Ciencias, n. 7, p. 704-721, 2008.

QUEIROZ, S. L.; ALMEIDA, M. J. P. M. Do fazer ao compreender ciências: reflexões sobre o aprendizado de alunos de iniciação científica em química. Ciência & Educação, n. 10, p. 41-53, 2004.

SANTOS, G. R.; QUEIROZ, S. L. Leitura e interpretação de artigos científicos por alunos de graduação em química. Ciência & Educação, n. 13, p. 193-209, 2007.