Autores

Cedran, D.P. (UNIVERSIDADE ESTADUAL DE MARINGÁ) ; Kiouranis, N.M.M. (UNIVERSIDADE ESTADUAL DE MARINGÁ)

Resumo

A simbologia química é um dos temas importantes no estudo da química, pois por meio dela se tenta traduzir os fenômenos subatômicos, trazendo assim, embasamento para melhor compreensão de diversos da química. No entanto, pesquisas revelam que os alunos apresentam dificuldades ao lidarem com esse aspecto da química, o que pode dificultar o estudo da química em seus aspectos gerais. Com base nestas reflexões, o presente trabalho tem como objetivo principal, identificar se estudantes ingressantes no ensino superior compreendem e significam alguns símbolos amplamente usados em química, por meio de suas representações, em situações de ensino. A análise dos questionários indica que os alunos abordam coerentemente os símbolos, no entanto tiveram dificuldades ao representá-los.

Palavras chaves

simbologia química; representação; ensino de química

Introdução

A química é uma das ciências das quais os alunos encontram dificuldades na elaboração de conceitos, na interpretação dos fenômenos o que lhe impõe a característica de disciplina difícil. Isto pode ser justificado, quando se prioriza a transmissão de conceitos sem correlações e aplicações, com ênfase na memorização de definições, fórmulas e leis. Em outros momentos, o ensino atual privilegia aspectos teóricos por meio da transmissão de conteúdos, em níveis de abstração inadequados aos estudantes. A simbologia química fundamental na comunicação se desenvolveu com a história da descoberta dos elementos, contudo na alquimia já ganhava importância tanto para comunicar quanto para garantir seu caráter oculto Andrade Neto, Raupp e Moreira (2009). Historicamente a linguagem química se aperfeiçoou e ganhou novos enfoques e com isso a necessidade de criar uma linguagem comum que fosse capaz de comunicar a ciência química. Estudos têm indicado a importância da simbologia, bem como dificuldades que estudantes encontram ao lidarem significativamente com esta linguagem e, por vezes lançam mão da memorização desvinculada do processo e do contexto. Esta temática foi tratada então por Herron (1975) em artigo publicado no Journal of Chemical Educacion, no qual o professor descreve algumas de suas experiências, relatando as dificuldades percebidas em seus estudantes. De acordo com o autor e professor, seus alunos não conseguiam diferenciar as representações de átomos, íons ou moléculas e, quando questionados, não exprimiam diferenciação alguma nas representações, quando estas usavam os mesmos elementos químicos. Nesse sentido, Herron (1975) justifica a dificuldade de seus alunos atrelando a problemática aos níveis de formação cognitivos necessárias para compreensão da química. Como as representações não são compreendidas em termos moleculares, os estudantes se utilizam desta simbologia de maneira mecânica, não conseguindo então diferenciar a simbologia de uma molécula ou de um íon, por exemplo. Outras pesquisas também indicam as dificuldades encontradas por estudantes em compreender a simbologia química. Brito e colaboradores (2008), realizaram uma pesquisa com um grupo de 46 estudantes de licenciatura em química, dos quais necessitavam fazer o balanceamento e a representação de uma reação química. Com as respostas obtidas, os pesquisadores concluíram que todos os alunos conseguiram balancear corretamente a equação, no entanto a representação foi feita de maneira insatisfatória. Os resultados desta pesquisa indicam que, apesar de os alunos expressarem corretamente os coeficientes da reação, eles não compreendiam o que isto de fato representava, e como apontado pela pesquisa, provavelmente realizavam a operação de maneira algébrica, sem estabelecer relações com os modelos moleculares envolvidos na reação. Outros estudos também indicam a problemática da simbologia no ensino e aprendizagem da química. Kiouranis, et al (2012), realizou uma pesquisa com 81 alunos do terceiro ano do ensino médio, afim de investigar se estes alunos compreendiam alguns dos símbolos bastante utilizados na química. Os resultados mais significativos da pesquisa desta pesquisa, mostraram que, apenas 6 alunos conseguiram explicar corretamente as representações como, símbolos, estados físicos e sentido da reação (por meio das setas). No que diz respeito a representação de algumas substâncias, 39 alunos conseguiram indicar corretamente o que a simbologia da água líquida representava, enquanto que para água sólida este número ficou em 28. Assim, as pesquisas aqui destacadas, indicam as dificuldades que os estudantes apresentam ao interpretar a simbologia química, bem como sua representação. Desse modo, se os alunos têm, por muitas vezes problemas em entender tal simbologia, operar sobre eles, em outras situações, pode ser ainda mais complicado e sem significados. É preciso, sobretudo compreender que a simbologia representa a química em suas relações, situada em um micro mundo não observável (CHASSOT, 1993). Nessa perspectiva, este artigo tem como objetivo identificar se os estudantes indagados compreendem alguns símbolos amplamente usados em química e os significam, através de suas representações/modelos. Consideramos que com a representação apresentada pelos estudantes, é possível conhecer seus modelos mentais, que indicam se o ‘símbolo foi significado’. A preocupação em elaborar modelos está diretamente ligada à concepção, de que através das operações do pensamento, é possível formular hipóteses, operando sobre a capacidade de abstração que pode ser, ou foi desenvolvida, usando características interpretativas e justificativas para realidade conhecida (EICHLER, 2001, p.69). Assim, esta pesquisa é fruto da preocupação que perpassa a simbologia e as representações utilizadas na química e buscou uma reflexão sobre o comportamento dos estudantes frente à essas representações.

Material e métodos

Para o desenvolvimento da pesquisa, foi aplicado e analisado um questionário composto de questões abertas relacionadas à simbologia empregada na química, com a finalidade de investigar a familiaridade que os estudantes possuem com a mesma, elaborando posteriormente modelos acerca dos símbolos e fenômenos apresentados. Assim, 72 estudantes ingressantes de uma universidade pública do estado do Paraná que cursam a disciplina de Química Geral responderam a questão que foi disponibilizada no primeiro dia de aula da disciplina e respondida individualmente por eles, de forma que em sua análise fosse possível perceber as dificuldades trazidas, provavelmente, da educação básica, no que se refere ao tema. Desse modo, a questão respondida pelos estudantes está abaixo indicada: Considere os seguintes símbolos: H2O(s); H2O(g); Na; Na+(aq); HCl(g); HCl(aq) a) Explique o que cada símbolo representa. b) Represente cada situação acima, supondo que cada átomo é uma esfera. A escolha dos símbolos acima apresentados se deve ao fato de que, cada um representa condições específicas, que julgamos importantes na compreensão da química, e que se justapõe à outra nos exemplos dados, como no caso da água sólida e gasosa, ou elemento sódio e íons sódio em meio aquoso. Com base nas respostas analisamos as informações contidas nas respostas dadas ao item a da questão, identificando através do item b, se os símbolos explicados pelos alunos podiam ser representados adequadamente por eles, por meio da utilização de modelos.

Resultado e discussão

Apesar de a química ser basicamente empírica, seu objeto específico de estudo não é observável. Seu empirismo vai além da simples observação, passando então para reflexões mais profundas nas relações existentes entre o indutivo e o dedutivo, o concreto e o abstrato e daí surge a necessidade da utilização dos símbolos, para que através deles se faça compreensível o que não pode ser diretamente manipulado. Assim, ressaltar a importância conferida ao entendimento da simbologia da química é compreender que não é possível o estudo desta ciência em qualquer nível de ensino, se os alunos não se apropriaram devidamente das representações simbólicas que facilitam a comunicação em química. Segundo Brito e colaboradores: As fórmulas e as equações químicas são mediadoras do conhecimento químico, e o sucesso do ensino e consequentemente de sua aprendizagem dependem da maneira como os professores trabalham e relacionam esta simbologia com outros aspectos do conhecimento químico, principalmente os aspectos macroscópicos e microscópicos (BRITO, et al, 2008, p. 1). Nesta perspectiva, foi pedido aos alunos que explicassem a simbologia das substâncias contidas na questão que norteou esta pesquisa e, posteriormente foram analisadas, de acordo com a categoria inapropriada ou apropriada conforme as teorias estabelecidas pela ciência atual. Considerando então as explicações obtidas, pôde-se perceber que apesar de os símbolos usados nesta pesquisa serem amplamente usados na química e em outras ciências, nem sempre os estudantes conseguiram explicar apropriadamente o que cada um representava. Dentre todas as substâncias empregadas na química, provavelmente a água é uma das mais utilizadas e é notável que em sua simbologia estejam presentes as menores dificuldades de acepção. No entanto, quando combinada a simbologia desta substância ao símbolo de seu estado físico, 24 alunos explicaram de maneira inapropriada a simbologia. Pode-se então notar que mesmo apresentando a nomenclatura da água, algumas dificuldades foram encontradas, em que o índice (s) foi interpretado como solução, ou ainda utiliza-se a expressão “água no formato gasoso”, que pode também ser encontrado em outras respostas, dando a impressão de que a água assume uma forma diferente dependendo do seu estado físico. Ainda consideramos inapropriada a indicação algorítmica das moléculas, como no caso em que o estudante explica o símbolo da H2O(g) como “1 molécula de água no estado gasoso”, já que compreende-se o estado físico por uma união de moléculas, e não somente a participação de uma molécula. Apesar de as explicações não implicarem necessariamente na concepção concreta dos estudantes de que o estado físico é permitido com a participação de uma única molécula, ou que esta assume uma “forma”, dependendo do estado em que se encontra, a representação dos alunos a partir das respostas do questionário (item b) indicam que esta realmente pode ser a concepção assumida por alguns deles. Como exemplos destas concepções têm-se a figura 1a indicando que o estado físico influencia no arranjo da molécula e nas figuras 1b e 1c, o estado físico foi representado por uma única molécula, não havendo diferenciação no mesmo. Estas representações, no que se refere ao esperado para estes estudantes, refletem a convergência encontrada entre os ensinamentos escolares, e o que de fato se compreende sobre determinado conceito, aqui caracterizados pelos símbolos discutidos. As dificuldades encontradas pelos estudantes revelam, portanto que, nem sempre as tentativas de impressões dos conteúdos escolares são frutíferas, e que deve existir a necessidade e as condições para se assimilar as contribuições do meio escolar (INHELDER; PIAGET, 1976, p.251). Outra representação bem presente nesta pesquisa, com relação à molécula de água em seus estados físicos distintos, indica o distanciamento dos átomos na molécula de água (Figura 1d). Nesse sentido, os estudantes possivelmente assumiram a ideia de uma menor interação no estado gasoso e maior no estado sólido, no entanto, admitiu-se a aproximação ou não dos átomos e não das moléculas. Apreciando então todas as representações, poucas puderam ser avaliadas como apropriadas, já que existia a necessidade de representar a situação presente nos símbolos. As representações consideradas como corretas podem ser exemplificadas pela figura 1e. Por meio da análise das respostas apresentadas é possível notar que a maioria dos alunos reconhece a simbologia da água em seus estados físicos, sendo 47 para H2O(s) e 46 para H2O(g). No entanto, a representação correta para estes símbolos é 9 para H2O(s) e 11 para H2O(g), tornando-se perceptível a dificuldade dos estudantes em simular, ou ainda, demonstrando suas concepções diversas sobre os símbolos apresentados. Esta informação torna-se evidente quando analisamos o número de estudantes que apresentam explicações apropriadas, e representações inapropriadas (33 estudantes). Ainda que uma parte dos estudantes tenha conseguido fazer a “leitura” dos símbolos, pode-se afirmar que eles pouco puderam interiorizar durante seus processos de escolarização o significado atribuído aos símbolos químicos e provavelmente pouco puderam refletir sobre seus modelos “interiores”, sobre suas imagens mentais. No que concerne a escola, muito se prioriza a repetição, a generalização e pouco se opera sobre o que se conhece (DOLLE, 1983, p.71). No que se referem às outras substâncias questionadas, os estudantes tiveram dificuldades ainda maiores para explicar a simbologia. Para o Na+(aq), 33 alunos apresentaram repostas com elementos considerados inapropriados para leitura e representação do símbolo. As explicações representam as dificuldades mais importantes que os estudantes apresentaram, para a simbologia do Na+(aq) utilizando-se de informações e termos que não se enquadram nas situações, como a “perda de um átomo”, ou a designação deste símbolo como “amônia ionizada em estado líquido”. Estas mesmas informações gerais foram apresentadas para a água. Já as representações também demonstram os problemas no entendimento da simbologia. Para o Na e Na+(aq), tivemos 11 estudantes que representaram a simbologia igualmente (Figura 2a), ou seja, sem distinções entre um elemento ou um íon, o que expressa a pouca significação do símbolo por parte destes estudantes. Para o Na, as representações inapropriadas foram poucas. Mesmo assim, consideramos relevante demonstrar algumas representações (Figuras 2b e 2c), e nelas é possível compreender que alguns estudantes não sabem diferenciar quando uma substância é constituída de um único elemento ou mais. Já para o HCl(g) e HCl(aq) o número de explicações apropriadas ficou em 4 e 32 respectivamente do total de 72 estudantes. Em diferentes momentos da aplicação do questionário e na análise das respostas, foi possível perceber que os alunos não conseguiam compreender por que era pedido para explicar ou representar os símbolos, por exemplo, do HCl(g) e HCl(aq), já que, por sua vez, entendiam que os dois representavam a mesma substância, ou seja, os dois foram considerados em sua maioria como “ácido clorídrico”, gasoso ou aquoso. Encontramos para estes símbolos as maiores dificuldades, e isto se evidenciou quando em suas explicações designavam o HCl(g) e HCl(aq) como “Acido cíclico gasoso” e “Acido cíclico aquoso” ou “Hidróxido de cloro (gasosa)” e “Hidróxido de cloro (solução aquosa)”. Já nas representações destes símbolos encontramos dificuldades bem similares às encontradas para a água. Por meio da figura 2d perceber-se que o estudante tenta esboçar seu entendimento sobre os estados físicos da matéria. Mesmo assim, compreende que a maior ou menor aproximação presente nos diversos estados (interpretando, aquoso como estado), se dá pelo acostamento de átomos. Também verificamos 23 respostas com as mesmas representações para os dois símbolos, como na figura 2e. Em alguns casos o átomo de cloro foi “dividido” (Figura 2f) assim como o sódio.

Figura 2: Representações de Na, Na+(aq), HCl(g) e HCl(aq)

Representação(ões): 2a: mesma substância; 2b, 2c, 2f: de átomos como moléculas; 2d: estados como aproximação ou não de átomos; 2e: mesma substância.

Figura 1: Representação da H2O(s) e H2O(g)

Representação(ões): 1a: estado com arranjo diferente das moléculas; 1b e 1c: estado com uma molécula; 1d: aproximação ou não de átomos; 1e: adequada.

Conclusões

As explicações e representações dos estudantes são reveladoras, já que podem indicar o tipo de ensino eles vêm recebendo. Também são importantes porque exprimem suas concepções, seus modelos, mostrando, as fragilidades e a complexidade do pensamento. Assim, o processo de ensino e aprendizagem não pode ser pensado como um truque que pode ser ensinado ao aprendiz. O que depreende desse trabalho é que o estudante consegue interpretar de forma coerente as simbologias, contudo não o fazem de maneira coesa quando tentam uma explicação. Nesse sentido, os modelos são internalizados pelos estudantes de forma intuitiva, mas não compreendidos, na essência. Dessa forma, o modelo de ensino tradicional deve ser transposto e esse obstáculo da educação só será superado quando tivermos consciência de que o ensino deve ser a base de conhecimento racional, crítico e intencional. Nesta pesquisa, esperava-se que os alunos tivessem uma boa compreensão sobre a simbologia química, já que, na educação básica estas substâncias se apresentaram em vários momentos de estudos. No entanto, verificamos por meio das representações as lacunas de conhecimento químico relacionadas à simbologia que estes estudantes apresentam. Assim, neste processo de ensino e aprendizagem é importante o acesso a atividades que promovam a interiorização progressiva das ações, assim os alunos podem transformar seus objetos, experimentos e símbolos em representação. Desta forma, com as operações interiorizadas, os alunos podem mobilizar seus pensamentos, generalizar conceitos, e pensar nas particularidades de cada situação, pois não estão mais presos a uma única forma de pensar.

Agradecimentos

Referências

ANDRADE NETO, A. S.; RAUPP, D.; MOREIRA, M. A. A evolução histórica da linguagem representacional química: uma interpretação baseada na Teoria dos Campos Conceituais. In: VII Encontro Nacional de Pesquisa em Educação em Ciência, 2009, Florianópolis. Anais do Encontro Nacional de Pesquisa em Educação em Ciência. Florianópolis: Universidade Federal de Santa Catarina, 2009.
BRITO, M. S.; DAMASCENO, H. C.; WARTHA, E. J. As representações mentais e a simbologia química. In: XIV Encontro Nacional de Ensino de Química, 2008, Curitiba. Anais do Encontro Nacional de Ensino de Química. Curitiba: Universidade Federal do Paraná, 2008.
CHASSOT, A. I. Catalisando transformações na educação. Ijuí: Ed. Unijuí, 1993.
DOLLE, J. Para compreender Jean Piaget: Uma iniciação à Psicologia Genética Piagetiana. Rio de Janeiro: Ed. Zahar, 1983.
EICHLER, M. Os modelos abstratos na apreensão da realidade química. Educación Química. v.12, n.3, 2001, p. 61 – 71.
HERRON, J. D. Piaget for Chemists: Explaining what good students cannot understand. Journal of Chemical Education. v. 52, n. 3, 1975, p. 146 – 150.
INHELDER, B; PIAGET, J. Da lógica da criança à lógica do adolescente. São Paulo: Pioneira, 1976.
KIOURANIS, N. M. M.; BATISTON, W. P.; SILVA, C. F. N.; Compreensão da linguagem química simbólica por alunos de ensino médio. In: XVI Encontro Nacional de Ensino de Química, 2012, Salvador. Anais do Encontro Nacional de Ensino de Química. Salvador: Universidade Federal da Bahia, 2012.