Autores

do Amaral Fernandes, A.L. (UNIVERSIDADE FEDERAL DE JUIZ DE FORA) ; Sant'ana, A.C. (UNIVERSIDADE FEDERAL DE JUIZ DE FORA) ; Afonso, A.F. (UNIVERSIDADE FEDERAL DE JUIZ DE FORA)

Resumo

A interdisciplinaridade tem sido tema de discussões na área de educação ao longo dos anos. Documentos oficiais, como os Parâmetros Curriculares Nacionais e as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Formação de Professores da Educação Básica em Nível Superior, trazem a interdisciplinaridade como algo a ser discutido e implementado pelos educadores dos diferentes níveis de escolarização. Na Universidade Federal de Juiz de Fora, através do subprojeto Ciências Ciclo II, professoras da educação básica, juntamente com licenciandos de duas diferentes áreas do conhecimento, vêm desenvolvendo um trabalho com essa abordagem. Assim, através de entrevistas semiestruturadas, identificou-se a concepção de interdisciplinaridade para as supervisoras participantes bem como outras questões relacionadas.

Palavras chaves

Interdisciplinaridade; PIBID; Concepções

Introdução

O movimento da interdisciplinaridade surgiu em meados da década de 1960, na Europa, numa época em que os estudantes reivindicavam um novo estatuto de universidade e de escola. Nesse momento, se acreditava que o conhecimento era transmitido de forma fragmentada, não havendo um “conhecimento em totalidade” e consequentemente, poderia desaparecer aos poucos (FAZENDA, p.18, 2008). O movimento também chegou ao Brasil, mostrando a necessidade de um novo “paradigma da ciência e de seu conhecimento, já que interferia na própria organização da escola e de seu currículo” (LIMA E AZEVEDO, p.129, 2013), consolidando-se com o estudo da obra de Georges Gusdorf e, posteriormente de Piaget. A partir de então, Hilton Japiassu e Ivani Fazenda, influenciados pelos autores citados, iniciaram pesquisas nessa área, sendo o primeiro no campo da epistemologia e a segunda, no campo da educação (Thiesen, 2008). Com a promulgação da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, n. 9394, em 1996, dos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN) em 1998, as discussões se intensificaram, fazendo com que os professores, de diferentes áreas e níveis de ensino, iniciassem uma investigação sobre o assunto. (LIMA E AZEVEDO, 2013). Inclusive, as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Formação de Professores da Educação Básica, em Nível Superior (BRASIL, 2001) “reforça a necessidade de que a matriz curricular da formação do professor contemple estudos e atividades interdisciplinares” (p.54). Além disso o projeto político-pedagógico de qualquer curso tem por dever inserir uma discussão mais ampla envolvendo a parte cultural, social, econômica “e o conhecimento sobre o desenvolvimento humano e a própria docência, contemplando de forma interdisciplinar, a cultura geral e profissional” (BRASIL, 2008). Entretanto, os documentos oficiais não trazem uma definição sobre o que seja a interdisciplinaridade, ou como realizar um trabalho nessa perspectiva. Nos Parâmetros Curriculares para o Ensino Médio da área de Ciências da Natureza, Matemática e suas Tecnologias – Parte III (PCNEM) consta que: “A interdisciplinaridade tem uma variedade de sentidos e de dimensões que podem se confundir, mas são todos importantes”. (BRASIL, p.8, 2000). Construir um ensino não fragmentado, aquele em que o aluno se torna capaz de ter uma visão globalizada, é um desafio. As dificuldades encontradas podem ter origem em vários fatores, como por exemplo: nas universidades brasileiras, nas quais, os profissionais não são formados nesse modelo e nem sequer estão familiarizados com o termo; desinteresse, medo de mudança e a acomodação por parte dos docentes, o que mostra que estes não estão habituados a trabalhar em grupo (HARTMANN E ZIMMERMANN, 2007); “ausência de espaço e tempo nas instituições para refletir, avaliar e implantar inovações” (AUGUSTO E CALDEIRA, p.142, 2007). Há ainda outros elementos que os professores normalmente utilizam para não participarem da elaboração e desenvolvimento de um projeto interdisciplinar: falta de tempo, falta de ajuda por parte dos colegas e dificuldades encontradas dentro da escola (HARTMANN E ZIMMERMANN, 2007). A Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), através do subprojeto Ciências Ciclo II, que faz parte do Programa Institucional de Bolsa de Iniciação à Docência (PIBID), tem como um de seus objetivos, integrar licenciandos e professores da educação básica, atráves do desenvolvimento de métodos de ensino e aprendizagem, através da abordagem de temas, que fazem parte da matriz curricular de ciências naturais do ensino fundamental ciclo II, utilizando a interdisciplinaridade (Projeto PIBID – UFJF, 2013). No momento desta pesquisa, o subprojeto é composto por treze bolsistas de iniciação à docência, sendo que destes, dez são licenciandos da área de Química e três de Biologia. Apesar de existirem vagas para bolsistas do curso de Licenciatura em Física, estas sempre foram difíceis de ser preenchidas, por falta de candidatos. Dele também fazem parte o coordenador de área, que é docente do Departamento de Química da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF) e três supervisoras, professoras de Ciências do Ensino Fundamental, que recebem e acompanham os bolsistas nas escolas. Duas delas atuam em escolas estaduais e municipais e a terceira em uma escola da rede municipal de ensino, todas em Juiz de Fora. Sendo assim, este estudo tem como objetivo identificar a concepção do termo Interdisciplinaridade para duas professoras da rede estadual de ensino de Minas Gerais, e supervisoras do subprojeto Ciências Ciclo II do Programa Institucional de Bolsa de Iniciação à Docências (PIBID) da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF). Além disso, busca-se compreender como as docentes realizam o trabalho nessa perspectiva.

Material e métodos

Participaram deste estudo, duas supervisoras do subprojeto Ciências Ciclo II, integrante do Programa Institucional de Bolsa de Iniciação à Docência (PIBID) da UFJF. Ambas são licenciadas em Ciências Biológicas e atuam em escolas estaduais, localizadas nos bairros Jóquei Clube e Progresso, periferia de Juiz de Fora (MG). A terceira, docente da rede municipal na mesma cidade, não compareceu no dia da entrevista. Foram realizadas entrevistas semiestruturas com as duas docentes, individualmente, após a assinatura do Termo de Consentimento. Este instrumento tinha como finalidade, a obtenção dos dados necessários para responder as questões dessa pesquisa, ou seja, identificar a concepção das docentes sobre a interdisciplinaridade e compreender como desenvolvem o trabalho nessa perspectiva, já que participam de um subprojeto interdisciplinar. Segundo Manzini (2012), a entrevista semiestruturada é usada para estudar algo de um conjunto específico. Por isso, as perguntas devem ser organizadas de forma a ser possível uma flexibilidade na ordem, tanto para o entrevistador quanto para o entrevistado. Além disso, para Creswell (2008), este tipo de entrevista permite explorar os comentários e respostas dos entrevistados, explorando-os mais a fundo, permitindo ao pesquisador identificar elementos importantes para a conclusão da pesquisa. As respostas foram gravadas em áudio e transcrita na íntegra. Lüdke e André (1986) destacam as vantagens e desvantagens da gravação das entrevistas. Como vantagens apontam o registro de tudo que foi dito, aumentando a atenção do entrevistador ao entrevistado. Em contrapartida, como registra apenas o que foi dito, não revela a postura, gestos e possível inibição dos entrevistados. Para que a identidade das professoras fosse preservada, elas receberam a codificação P1 e P2. Para interpretação dos dados foram criadas categorias e a partir delas, foi feita a análise de conteúdo (BARDIN, 2011; FRANCO, 2005). De acordo com Bardin (2011), análise de conteúdo é “um conjunto de técnicas de análise das comunicações visando obter (...) indicadores (...) que permitam a inferência de conhecimentos relativos às condições de produção/recepção (...) destas mensagens” (p. 47).

Resultado e discussão

A partir dos dados, analisou-se: a concepção de interdisciplinaridade para as supervisoras; se elas foram formadas, durante a licenciatura, nessa perspectiva; as dificuldades enfrentadas para ministrar aulas interdisciplinarmente; a avaliação que elas fazem sobre o rendimento dos alunos com essas aulas e, por fim, a importância da interdisciplinaridade para a área da educação, segundo as docentes. Concepção de interdisciplinaridade: Mesmo que a interdisciplinaridade seja considerada fundamental no âmbito da educação, na sociedade atual (LEIS, 2005), sua definição ainda não encontra um consenso entre os autores. Leis (2005) afirma que “o conceito de interdisciplinaridade (...) tem sofrido usos excessivos que podem gerar sua banalização (p.3)”. Por isso, iniciou-se a pesquisa, procurando investigar como as professoras definem o termo, para assim, compreender como tem sido trabalhada a interdisciplinaridade nas aulas das mesmas. P1 leciona desde 2003. Para ela, a interdisciplinaridade acontece a partir da escolha de um determinado tema, como por exemplo, meio ambiente. Para abordá-lo, cada professor, na sua respectiva área, contribui com os conhecimentos específicos necessários para o entendimento do todo e, com isso, o aprendizado do aluno se torna mais significativo. Para P2, que está no magistério desde 2001, uma aula interdisciplinar se dá a partir da explicação de conceitos, por um mesmo professor, mas que são específicos de diferentes disciplinas. Ela acredita que isso seja algo inerente e que automaticamente, numa aula de ciências, é comum o trabalho na perspectiva interdisciplinar. Para exemplificar sua fala, ela cita “Aparelho digestivo”, conteúdo previsto no planejamento de Ciências do oitavo ano do Ensino Fundamental. Segundo a entrevistada, não há como ensiná-lo, sem relacioná-lo às reações químicas que ocorrem na digestão, conhecimento este da área de Química. Sendo assim, um único professor consegue trazer diferentes enfoques, mesmo não sendo da sua área de formação. Podemos perceber que as opiniões são distintas e divergentes. Para P1, um único professor não consegue elaborar uma aula interdisciplinar e para P2, é possível e pode acontecer com certa frequência. De acordo com Fortes (2009) o conceito de interdisciplinaridade sempre foi muito discutido. Por ter muitas definições, passa a ser intimamente ligada à vivência educacional e ao ponto de vista de cada indivíduo. Interdisciplinaridade na formação inicial: Ao serem questionadas sobre a interdisciplinaridade na formação inicial, elas apontaram que nada foi transmitido a respeito, e que começaram a estudar sobre o assunto, quando se depararam com o edital do concurso do Estado de Minas Gerais para professores da Educação Básica. Logo, é compreensível que não haja um consenso em suas definições. Ao mesmo tempo, mostra a importância da formação inicial de professores voltada para práticas interdisciplinares, visto que este tema já consta nos documentos oficiais. Além disso, atualmente, há necessidade de uma formação mais global, pois através dela, a escola conseguirá formar cidadão críticos e aptos ao mercado de trabalho. Pierson e Neves (2000) apontam que a formação dos professores que são aptos a superar a fragmentação do ensino através da interdisciplinaridade, passa a ser um papel importante nesse preparo do do aluno como cidadão e crítico diante dos problemas cotidianos. Dificuldades de elaborar aulas interdisciplinares fora do âmbito do PIBID: Quando perguntadas sobre as maiores dificuldades para elaborar uma aula ou projeto interdisciplinar, sem o auxílio dos bolsistas do PIBID, as respostas também se mostraram diferentes. Para P1, as aulas interdisciplinares são difíceis de acontecer, devido à resistência dos colegas. Também aponta a falta de tempo e ainda, inicia um discurso sobre o salário, no qual não está incluso o tempo necessário para planejar, pesquisar e preparar aulas com essa abordagem, já essas demandam maior dedicação. Segundo a literatura, os estudos vão ao encontro da fala de P1. Augusto e Caldeira (2007) afirmam que as principais barreiras apontadas pelos professores são falta de tempo, de conhecimento de outras disciplinas, problemas de relacionamento com membros da escola, ausência de uma coordenadora pedagógica, falta de interesse e mal comportamento dos alunos. E mesmo quando a escola faz reuniões para discussão desse assunto, o foco acaba voltado a questões de indisciplina, fato este que vem interferindo negativamente no processo de ensino e aprendizagem. Assim, as discussões se encerram nos problemas enfrentados dentro da sala de aula cotidianamente, mas que não dizem respeito à interdisciplinaridade. Já para P2, que diz ser a interdisciplinaridade algo inerente, não há muita dificuldade, basta apenas a boa vontade de realizar o trabalho. Ela também acredita que pode até precisar de alguma ajuda da escola quanto à escolha do tema, do que trabalhar com seu aluno, mas que a aula interdisciplinar é possível de ser elaborada com facilidade. Rendimento dos alunos com aulas interdisciplinares: Diferentes estudos apontam que aulas interdisciplinares contribuem para o processo de ensino e aprendizagem, ou seja, este passa a ser mais significativo. De acordo com Fortes (2009) a fragmentação do ensino faz com que o aluno tenha dificuldades no aprendizado, não o encorajando a desenvolver sua capacidade de relacionar conceitos. P1, com base nas avaliações realizadas por seus alunos, diz que com as aulas interdisciplinares, elaboradas com os bolsistas do PIBID, os estudantes aprendem mais. Na sua opinião, isso acontece porque os discentes gostam dessa abordagem, se interessando mais pelo o que está sendo ensinado, participando com mais frequência e apresentando mais curiosidade, através dos questionamentos. Acredita ainda que, por isso, já é tempo de todas as escolas se empenharem para desenvolverem aulas interdisciplinares. P2 diz, que, quando suas aulas apresentam uma abordagem interdisciplinar, há mais interesse por parte dos discentes. E quando há participação dos bolsistas do PIBID, o aprendizado é maior. Com as aulas interdisciplinares, a nota média dos alunos aumentou consideravelmente e juntamente com ela, a vontade de participar e de se tornar mais ativo em sala de aula. A importância da interdisciplinaridade: Segundo P1: “tudo que vai acrescentar para o aluno (...) eu acho importante”. Já P2 acha que com a interdisciplinaridade é possível fazer um ensino mais consistente e consequentemente, mais significativo para o aluno. E ainda completa: “tem uma consistência maior, uma clareza maior”. Hartmann e Zimmermann (2007) apontam a importância da interdisciplinaridade na educação, afirmando que ao considerar a rapidez e quantidade de informações passadas ao indivíduo, a interdisciplinaridade os torna capazes de integrar o conhecimento adquirido e interagir com outros.

Conclusões

Podemos perceber que, assim como mostra a literatura, o conceito de interdisciplinaridade não é claro, visto que as professoras apresentam diferentes definições para o termo. Essas divergências na definição fazem com a análise das outras questões trazidas na entrevista semiestruturada, também apresente diferenças. É, então, de extrema importância que se busque um consenso sobre a concepção do termo dentro de um mesmo grupo de trabalho, ou ainda sobre o que seriam metodologias interdisciplinares, para que de fato sejam realizadas atividades interdisciplinares nas escolas, a partir de um trabalho conjunto que envolva docentes que atuam na mesma escola.

Agradecimentos

UFJF - Universidade Federal de Juiz de Fora e a CAPES

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