Autores

Aragão, S.B.C. (USP) ; Marcondes, M.E.R. (USP)

Resumo

Esse trabalho trata-se de uma investigação acerca das concepções de 58 alunos dos últimos anos do curso de licenciatura em química de cinco instituições de ensino da região metropolitana de São Paulo sobre o conceito de Alfabetização Científica (AC). Os dados foram coletados por meio de três instrumentos e entrevistas semiestruturadas com os alunos que declararam ter o desejo de se tornarem professores de química. Os resultados indicaram um distanciamento entre a visão e a prática de ensino desses licenciados. Sendo a visão de ensino próxima às tendências construtivistas e com abordagem CTSA, relacionadas a níveis mais altos de AC, porém, a prática está relacionada à tendências mais tradicionais de ensino relacionadas à níveis mais baixos de AC.

Palavras chaves

alfabetização científica; formação de professores; ensino de química

Introdução

O conceito Alfabetização Científica está ganhando proporções cada vez maiores no Ensino de Ciências. Apesar de tratar-se de um termo polissêmico, ele tem sido bastante discutido por pesquisadores na área de ensino de ciências não somente para defini-lo, mas também discute-se quais parâmetros devem ser considerados para alfabetizar cientificamente os alunos no ensino básico (Aragão, 2014; Sasseron e Carvalho, 2011; Bybee, 2008; Santos, 2007; Pérez, 2006; Shwartz, 2005; Fourez, 2003; Santos, 2007; Chassot, 2000; Hurd, 1997; Pella, 1976; Hurd, 1958). Diante deste cenário, foram investigadas as concepções de 58 alunos de 5 cursos de licenciatura em química da região metropolitana de São Paulo acerca do conceito de Alfabetização Científica (AC). A construção do conceito de AC pelos futuros professores de química se faz necessária porque permite que o professor trace o possível percurso que os alunos trilharão durante o Ensino Médio em termos de conceitos, procedimentos e atitudes. Ter a sua própria definição de AC é importante para adicionar uma perspectiva pedagógica do professor à aplicação do currículo (Shwartz et al., 2005). Para este trabalho, definiu-se a AC como um conjunto de habilidades que podem permitir aos alunos compreenderem a ciência e suas relações com outras dimensões. Habilidades como: entender os principais conceitos, princípios e teorias da ciência; saber utilizar a linguagem científica; saber aplicar o conhecimento em diferentes contextos, como o científico, histórico, social e ambiental; entender a natureza da ciência; entender como a ciência e a tecnologia trabalham juntas e entender o impacto que a ciência e a tecnologia causam na sociedade (Sasseron e Carvalho, 2011; Santos, 2007; Bybee, 2008).

Material e métodos

A pesquisa, qualitativa, foi realizada com 58 alunos do penúltimo e último anos do curso de licenciatura em química, de 5 instituições de ensino superior na região metropolitana de São Paulo. A coleta dos dados iniciou em 2011, por meio de 3 instrumentos elaborados pelos pesquisadores e validados pelo grupo de pesquisa GEPEQ-USP. Os instrumentos piloto foram validados após aplicação alunos do curso de licenciatura da USP. O 1o instrumento tratava-se de um questionário contendo 15 afirmações relativas às estratégias de ensino que deveriam ser hierarquizadas. Nesse instrumento, as 15 estratégias estavam distribuídas em diferentes níveis de Alfabetização Científica, proporcionando investigar as escolhas dos alunos dentro dos níveis de AC de Bybee (2008). No 2o instrumento, os licenciandos deveriam expressar suas concordâncias ou discordâncias, parcial ou totalmente, com afirmações sobre o que uma pessoa deveria entender sobre ciência ao terminar o Ensino Médio e o que as aulas de química deveriam possibilitar ao aluno ao longo do Ensino Médio (Shwartz, 2005). No 3o instrumento, os licenciandos deveriam elaborar uma sequência didática a respeito do conceito de soluções em termos de objetivos, conceitos e estratégias que usariam para construção desta sequência didática. Além disso, foram entrevistados 4 licenciandos e 3 coordenadores das instituições de ensino. Por fim, foram analisadas as ementas das disciplinas de prática de ensino buscando-se indícios implícitos ou explícitos de AC. A análise das ideias dos 4 alunos obtidas nos 3 instrumentos, nas entrevistas e nos outros dados coletados foi feita em conjunto. Com isso, delineou-se perspectivas de ensino com as visões dos futuros professores de química acerca do conceito de Alfabetização Científica.

Resultado e discussão

Verificou-se que os licenciandos pareceram desconhecer o ensino por investigação, enfatizando a experimentação como prática verificacionista e motivacional. Apresentaram ideias sobre a contextualização de ensino, porém, no nível da exemplificação, que segundo Silva e Marcondes (2010) é o nível mais superficial de contextualização. A visão de ciências majoritária foi a descontextualizada, aproblemática e ahistórica (Cachapuz, 2011). Essas concepções foram agrupadas em perspectivas de ensino (quadro 1). Também foram identificados que são raras as oportunidades que os alunos de licenciatura têm de aplicar os conceitos, especialmente em relação à história da ciências, faltam atividades que promovam a reflexão e a elaboração de sequências didáticas com essa abordagem. Segundo Shwartz (2005), professores podem apresentar uma atitude antagônica entre objetivos e prática de ensino de química, ou seja, para eles, um dos objetivos é desenvolver a AC para todos os alunos em um nível de compreensão básico. Entretanto, a prática do professor prepara os alunos como se todos fossem seguir carreira na área científica. Esse distanciamento também foi encontrado nessa pesquisa com os professores em formação, pois por meio das análises dos dados identificou- se um distanciamento entre visão e prática de ensino. Verificou-se que os alunos escolheram e concordaram com estratégias de ensino com características próximas a visão II definidas por Roberts (2007), de que o ensino de ciências deve estar voltado para formação da cidadania, para que o aluno saiba aplicar o conhecimento aprendido na escola em sua vida prática. Porém, no plano de aula e na entrevista foram verificadas características próximas à visão I, na qual o ensino de química não é relacionado com outras dimensões.

Quadro 1 - Perspectivas de ensino - concepções dos futuros professores

As perspectivas de 1 a 4 - concepções dos licenciandos, 5 - conjuntos dos aspectos semelhantes; 6 – resultado esperado pelo pesquisador.

Conclusões

Verificou-se as perspectivas de ensino dos licenciandos e observou-se um distanciamento entre visão e prática de ensino deles. Esses resultados podem levar a uma reflexão sobre a formação inicial de professores de química. Sugere-se a inclusão de atividades que permitam a elaboração e reflexão sobre a visão de ciências, as atividades experimentais investigativas e discussões sobre a abordagem CTS para que possam contribuir na formação desses futuros professores que enfrentarão o desafio de alfabetizar cientificamente os alunos do ensino básico.

Agradecimentos

Referências

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