Autores

Nogueira da Silva, B. (UNIVERSIDADE FEDERAL DE VIÇOSA) ; Marques Magalhães Rubinger, M. (UNIVERSIDADE FEDERAL DE VIÇOSA)

Resumo

A experimentação no ensino de Química é de grande importância no processo de construção do conhecimento científico. Porém, os professores de Química têm encontrado dificuldades na elaboração e aplicação de experimentos adequados para alunos cegos de forma inclusiva. Este trabalho descreve uma proposta de realização de um experimento de destilação simples da mistura de água e sal, no qual estudantes cegos podem utilizar a percepção tátil e auditiva para entender este processo de separação de misturas. A proposta didática foi testada com uma estudante cega do primeiro ano do ensino médio e constatou-se que houve aprendizagem significativa dos conceitos envolvidos neste processo de separação.

Palavras chaves

ensino para cegos; experimentação química; destilação simples

Introdução

Com a inclusão dos alunos com deficiência visual nas escolas de ensino regular surge a necessidade do desenvolvimento de metodologias que permitam a construção do conhecimento por parte desses estudantes no ambiente da escola não especializada (RODRIGUES, 2006, p. 302). Um problema do modelo de ensino normalmente adotado é a associação direta entre observação e visão, o que dificulta a inclusão do estudante com deficiência visual nas atividades que estão sendo realizadas na sala de aula. Para mudar esse paradigma, aulas práticas ou demonstrações de experimentos de química devem ser planejadas e executadas de forma a incluir a percepção dos objetos de estudo também por outros sentidos, de forma a integrar os alunos cegos e aumentar seu interesse pela aula. Para uma aprendizagem mais significativa, o aluno cego deve utilizar materiais e métodos de ensino que lhe permitam treinar seus outros sentidos como a percepção tátil e a audição (CERQUEIRA et al, 2000). Um experimento comumente realizado ou ilustrado no primeiro ano do ensino médio é a destilação. Uma explicação verbal dessa técnica de separação de misturas dificilmente seria suficiente para a compreensão do processo. Neste trabalho foi desenvolvida uma dinâmica para favorecer a participação dos estudantes cegos no experimento. A proposta visou possibilitar a realização do experimento também por estudantes videntes, de forma que a inclusão dos alunos cegos na turma possa se dar naturalmente durante a atividade. A proposta foi testada por uma estudante cegado 1º ano do EM de uma escola pública de Viçosa-MG.

Material e métodos

Antes da atividade, foram feitas perguntas orais à estudante cega, de forma a verificar o seu nível de conhecimento sobre o processo de destilação. Durante a aula foram registradas as observações feitas pela estudante sobre o equipamento e os fenômenos em análise. Inicialmente a aluna tateou todos os componentes do destilador separadamente, com finalidade de conhecê-los e o professor explicou a função de cada um. Em seguida a própria aluna misturou água e sal de cozinha e adicionou a mistura ao balão de destilação. O destilador foi montado com a ajuda do professor e novamente a estudante tateou o equipamento. A manta aquecedora foi ligada e a temperatura inicial foi lida pelo professor. Quando iniciou a ebulição, a aluna escutou o barulho da solução em fervura, podendo reconhecer assim o momento em que esse processo começou. Em intervalos de um minuto, a aluna tateava o equipamento para sentir o aumento da temperatura do balão e da alonga. A leitura da temperatura do vapor na entrada do condensador também era feita nesses intervalos e informada pelo professor. Esse processo ocorreu até uma temperatura suportável ao tato. Ao tatear o condensador a aluna percebeu que ali a temperatura estava sempre menor em comparação com as outras partes da montagem. Pôde verificar que uma mangueira ligava o condensador à torneira, e que água escorria por outra mangueira para a pia, concluindo que esta água circulando era responsável pela baixa temperatura do condensador. Quando a primeira gota de destilado chegou ao frasco coletor, este foi removido e algumas gotas de água destilada foram coletadas nas mãos da estudante. No final do experimento foi possível perceber pelo tato que havia um líquido no balão coletor (a água) e um sólido no balão de destilação (o sal).

Resultado e discussão

A percepção tátil ajudou a observar que a mistura de água e sal foi aquecida até entrar em ebulição, o que foi percebido também devido ao ruído provocado pela formação de bolhas. Ao tatear o equipamento durante o experimento, a estudante percebeu um gradiente de temperatura na coluna da cabeça de destilação, até a entrada do condensador. Foi informado a ela que o calor percebido era devido às moléculas de água que estavam deixando a fase líquida e que estas transferiam energia para o vidro ao colidirem com ele. Foi informado a ela que o sal não passava para a fase vapor, pois apenas a água era volátil na faixa de temperatura do experimento.A estudante concluiu que quando o vapor de água passou pelo tubo interno do condensador, que estava em uma temperatura menor devido ao fluxo de água vinda da torneira, perdeu ainda mais energia, retornando ao estado líquido. A escolha de água e sal de cozinha para este experimento permitiu a coleta de gotas do destilado nas mãos da estudante, e também a percepção tátil do resíduo da destilação (o sal),o que colaborou bastante para a compreensão da técnica de destilação.O professor mediou todo o processo de ensino e aprendizagem, interferindo e dialogando com a estudante. Para adaptar essa situação ao ambiente da escola, este papel caberia, em parte, aos colegas de grupo. A atividade poderia ser orientada através de um roteiro impresso (em texto normal e em Braille), cuja sequência levasse os estudantes (inclusive os videntes) a perceberem o experimento utilizando também o tato.

Figura 1.

A estudante cega tateando o destilador.

Conclusões

Antes da aula, a aluna cega já tinha ouvido falar em destilação na escola. Porém,apenas tinha memorizado palavras relacionadas ao assunto. Durante o experimento, os comentários da estudante indicaram que estava acompanhando atentamente o processo e compreendendo como a separação seria assim possível. Depois da aula, ela considerou que a metodologia aplicada favoreceu a compreensão do conteúdo. Assim, conclui-se que acrescentar ao roteiro de prática o acompanhamento tátil da destilação é uma maneira adequada de elevar o significado do conhecimento sobre este processo de separação.

Agradecimentos

À CAPES-PIBID, ao MEC-PROEXT e à estudante.

Referências

CERQUEIRA, J. B.; FERREIRA, E. M. B. Recursos didáticosna educação especial. Rev. Benjamim Constat, Rio de Jeneiro,15 ed. 2000. Disponível em:
<http://www.ibc.gov.br/?catid=4&itemid=57>. Acessoem: 22 abr. 2015.

RODRIGUES,D. Dez idéias (mal) feitas sobre a educação inclusiva.In:RODRIGUES,David(Org.).Inclusão e educação:doze olhares sobre a educação inclusiva. SãoPaulo:Summus,2006.p.1-16.